- O Globo
A decisão do Exército de não punir o
general Eduardo Pazuello é dessas notícias que anunciam uma época.
Já tinha escrito que saberíamos por ela se
há luz no fim do túnel ou se nos espera uma longa escuridão. Infelizmente, o
Exército brasileiro amarelou diante da pressão de Bolsonaro. No futuro,
saberemos se amarelou por covardia ou se aderiu conscientemente a um projeto
autoritário.
Isso já não importa tanto. Ele já tomou o
seu lado. O que importa agora é uma leitura correta do fato e uma preparação
adequada para as consequências.
Sempre me exponho à acusação de exagero,
mas, com tantos golpes na trajetória, minha tendência é avisar: quanto mais
preparados estivermos, melhores condições teremos de resistir.
A primeira consequência tem de ser o
estreitamento de laços entre todas as forças democráticas. Como assim, se elas
se preparam para disputar uma eleição com candidatos diferentes?
É preciso ser ingênuo para supor que o processo eleitoral não contenha uma armadilha. Bolsonaro já afirmou que não aceitará resultados de urnas eletrônicas. Ele é defensor de rebelião armada, chegou a falar dessa possibilidade contra as restrições sanitárias na pandemia.
Policiais militares aqui e ali já se
manifestam. No Recife, cegando as pessoas; em Goiás, prendendo manifestantes;
em Brasília, no discurso bolsonarista do comandante.
Com a capitulação do Exército, é necessário
começar desde agora a organizar a resistência.
É preciso admitir que tanto os autoritários
quanto os democratas estão numa situação delicada. É complexo articular uma
resistência a um golpe, mas também é complexo aplicá-lo neste momento da
história.
Biden governa os Estados Unidos, e as
eleições na Alemanha abrem espaço para Annalena Baerbock , líder do PV, que
pode substituir Angela Merkel. Europa e Estados Unidos se movem numa mesma
direção democrática e sustentável.
Isso tem pouca importância para o grupo no
poder e possivelmente também para o Exército, que continua vendo a preocupação
ecológica como fruto da cobiça estrangeira.
Quem confia apenas na força das armas
ignora sistematicamente essas variáveis. Entretanto o exemplo venezuelano
mostra que apoio externo sem grandes movimentos internos não resolve sozinho.
Estrategicamente, será preciso articular os
dois e compreender como é vulnerável uma oposição dividida.
Bolsonaro jamais escondeu sua admiração
pelo trabalho de Chávez. As Forças Armadas de lá tornaram-se cúmplices pelo
mesmo caminho que as daqui. A diferença é que, lá, muitos cargos ocupados por
militares abrem caminho para a corrupção.
Aqui, até o momento, são apenas vantagens
materiais que ampliam legalmente os salários, além das benesses do poder.
Na Venezuela, há uma estrutura partidária
no controle do governo. Aqui, alguns generais articulados entre si fazem a
ligação entre governo e militares e entre governo e a parte fisiológica do
Congresso.
Pazuello juntou-se ao grupo com o pomposo
título de secretário de assuntos estratégicos. Mas é apenas mais um general do
núcleo do Planalto que, na aparência, transmitiria sensatez a Bolsonaro. Na
verdade, são o Estado-Maior desse regime em gestação.
Na Venezuela, tombaram militares,
congressistas, juízes, e a imprensa foi detonada por Chávez e agora Maduro.
No Brasil, ainda estão de pé a imprensa, os
juízes e uma parte do Congresso. Sem um grande apoio popular, não resistem
sozinhos.
De uma certa forma, discutir outra coisa
que não a resistência, em termos políticos, equivale à frase da doutora Luana
Araújo para a crise sanitária: “É como se estivéssemos discutindo de qual borda
da Terra plana vamos pular”.
Talvez tenhamos de esperar algum tempo para bloquear esse processo de cooptacão de nossas moralmente frágeis Forças Armadas. Certamente, o caminho será proibir por leis que militares da ativa participem de governo.
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