- Folha de S. Paulo
Lula não teve apenas sorte; fez o dever de
casa no país pobre e desigual
A economia brasileira cresceu
um pouco mais do que o esperado no primeiro trimestre (1,2%), em boa
parte porque os produtos que o Brasil exporta subiram de preço. Isso aconteceu
porque Estados Unidos e China se
recuperam bem da pandemia e voltaram a comprar.
A última vez em que as commodities
(minérios, produtos agrícolas, etc.) subiram bastante de preço foi durante o governo Lula. A
coisa durou vários anos, o governo aproveitou a bonança para distribuir renda
sem sacrificar os ricos ou o equilíbrio fiscal, 30 milhões de brasileiros
saíram da miséria, pobres e negros chegaram à universidade, foi bacana.
Ao que tudo indica, dessa vez durará bem
menos. Há quem ache que um novo superciclo das commodities pode acontecer, mas
a aposta mais segura é que a alta atual acabará quando a recuperação mundial
tiver terminado em mais ou menos dois anos.
Aí você vai dizer: mas se está acontecendo a mesma coisa que aconteceu no governo Lula, por que eu não estou com tanto dinheiro no bolso quanto estava, digamos, em 2007?
O desemprego é o maior da história, a
miséria é visível nos números e nas ruas. Como bem disse a economista Zeina
Latif, a “sensação
térmica” para a população ainda não é de crescimento do PIB.
Bom, em primeiro lugar, isso mostra que
Lula não teve apenas sorte. Fez o dever de casa de presidente de país pobre e
desigual: quando apareceu dinheiro para gastar,
gastou com pobre. Se você não gosta do Lula, pode dizer que isso era
óbvio, qualquer idiota faria. Mas se você realmente não gosta do Lula,
provavelmente votou em um idiota que não está fazendo.
Para escândalo geral, Bolsonaro não
renovou o auxílio emergencial no começo de 2021. Como mostrou estudo do Centro
de Estudos de Macroeconomia e Desigualdade da USP (Nota de Política Econômica
nº 7, de fevereiro de 2021), foi o auxílio que garantiu que a economia
brasileira não tivesse uma queda muito maior no ano passado. Bolsonaro não
renovou o auxílio em janeiro, teve que voltar com um auxílio menor feito às
pressas, e já mandou pobre que quiser mais auxílio ir pedir empréstimo no
banco.
E não
comprou vacina. No manifesto “O país exige respeito”, assinado por vários
dos maiores economistas brasileiros em março de 2021, a estimativa do custo do
atraso na vacinação era de R$ 131,4 bilhões neste ano. Some a isso a projeção
do que teríamos ganho com a continuidade do auxílio e veja o trabalho que as
pobres commodities vão ter que fazer só para pagar o custo de ter Bolsonaro
como presidente.
Enfim, ao que tudo indica, a nova alta de
commodities pode nos gerar crescimento, e, pelo amor de Deus, tomara que gere,
precisamos muito de crescimento.
Mas será surpreendente se nos entregar uma
era de ouro como nos anos Lula, ao menos no cenário em que dure só dois anos.
Nesse caso, passaremos o primeiro ano morrendo
sem vacina e o segundo em crise institucional, tentando
evitar um golpe de Estado quando Bolsonaro perder a eleição.
O cenário otimista é tudo isso, mas sem
apagão.
O cenário pessimista é, além disso tudo, que
a alta das commodities dure o suficiente para reeleger Bolsonaro, mas acabe
pouco depois de ele tomar posse, deixando-nos de novo miseráveis, mas agora com
um governante dez vezes mais golpista. É o cenário “Deus nos odeia”.
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