sábado, 24 de julho de 2021

Claudio Ferraz - Um golpe sem tanques?

O Globo

Uma quebra institucional terá consequências econômicas nefastas para o país, algo subestimado por boa parte da elite

A democracia brasileira viverá nos próximos meses sua maior prova de fogo desde a redemocratização, em 1985. Temos um presidente da República que desrespeita diariamente as instituições e ameaça as próximas eleições caso não seja aprovada uma reforma que introduza o voto impresso e auditável.

Para piorar a situação, ele conta com o respaldo das Forças Armadas, que ocupam um papel central em seu governo e ecoam suas ameaças.

A resposta institucional dos outros poderes é tímida e insuficiente. Alguns membros do Congresso, capturados por rios de dinheiro provenientes de emendas obscuras, já embarcaram na coalizão BolsoCentrão faz tempo. Outros buscam reformas políticas bizarras e casuísticas que visam equacionar a preservação do poder político com a continuidade democrática.

Um terceiro grupo faz lives e notas de repúdio que, na prática, parecem tão inefetivas quanto as notas de membros do STF que garantem que as eleições acontecerão de qualquer forma.

Apesar da instabilidade política e de alguns protestos recentes contra Bolsonaro, fora dos jornais e de algumas bolhas nas mídias sociais parece que nada de grave está acontecendo. O mercado acionário brasileiro subiu sem parar até junho e, apesar de uma desaquecida recente, não parece ter tomado nenhum grande susto com as declarações do ministro da Defesa, Walter Braga Netto.

Também não consegui achar lideranças empresariais importantes dando declarações sobre a importância das eleições em 2022 e da preservação da democracia. Grande parte do PIB empresarial brasileiro parece estar mais preocupado com uma possível reforma tributária do que com a preservação da democracia.

Está na hora de acordar e de tratar a ameaça democrática de Bolsonaro e seu governo como algo sério. E aqui não penso somente nos perigos de uma erosão institucional e da violência que virá com isso, essas já estão inclusive em curso.

Refiro-me às nefastas consequências econômicas que uma quebra institucional pode trazer para o Brasil, algo que é ainda pouco compreendido e tremendamente subestimado por boa parte da elite empresarial e financeira.

Regimes não democráticos reduzem as possibilidades de crescimento dos países através de alguns canais claros. Primeiro, qualquer quebra institucional aumenta a instabilidade, e poucas coisas são tão prejudiciais para um país como a instabilidade de regras e de contratos.

Agentes econômicos buscam regras claras e estáveis para seus investimentos, principalmente aqueles que visam retornos de longo prazo.

Segundo, regimes autoritários geram barreiras à entrada onde somente quem é “amigo do general” ganha acesso a contratos do governo, licenças de exploração e outros mimos.

Isso gera concentração de atividade econômica na mão de firmas e setores politicamente conectados, aumentando a má alocação de fatores e diminuindo a produtividade da economia.

Terceiro, no mundo de hoje empresas multinacionais pressionadas por seus consumidores globais estão sendo cada vez mais responsabilizadas por suas decisões de localização e de cadeias produtivas. Se já há punição hoje para insumos provenientes da Amazônia em chamas, imaginem quando protestos e sangue das cidades brasileiras se espalharem diariamente pelos jornais do mundo.

Qual multinacional vai querer investir em um Brasil autoritário?

Finalmente, qualquer erosão democrática será acompanhada pela participação ativa e cada vez maior das Forças Armadas. Apesar do discurso anticomunista anos 60, o que a elite fardada quer é a apropriação do Orçamento público via aposentadorias, salários e gastos em armamentos.

Esses são recursos que poderiam estar indo para a educação, algo que certamente geraria maior crescimento para o país.

As consequências de uma ruptura democrática em 2022 seriam enormes para o Brasil. E, por isso mesmos a turma das “instituições estão funcionando” não acredita que possa acontecer. Mas lembremos que em 2018 pouca gente acreditava que Bolsonaro, com seu Ustra na cabeceira, pudesse virar presidente. Deu no que deu.

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