EDITORIAIS
O medo de Lula e Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Eles temem que haja um terceiro candidato competitivo e não perdem oportunidade de desautorizar uma candidatura de centro
No mesmo dia, Luiz Inácio Lula da Silva e
Jair Bolsonaro manifestaram por meios diferentes – um no Twitter, o outro numa
entrevista à rádio – o mesmo medo. Os dois temem que haja um terceiro candidato
competitivo nas eleições de 2022 e não perdem oportunidade de desautorizar uma
candidatura viável de centro.
Além de mostrar a estreiteza de horizontes
políticos que Lula e Bolsonaro querem impor à população, a tática revela a
plena viabilidade de um candidato honesto, competente e equilibrado. De outra
forma, Lula e Bolsonaro não estariam tão empenhados – quase que de mãos dadas,
pode-se dizer – ridicularizando uma candidatura de centro.
“A terceira via – escreveu Lula em sua conta no Twitter – é uma invenção dos partidos que não tem candidato. Falam em polarização... O que tem de um lado é democracia e do outro é fascismo. Quem está sem chance usa de desculpa a tal da terceira via.” E explicitando o seu receio de que haja uma reunião das forças democráticas em torno de um candidato de centro viável, o ex-presidente petista concluiu: “Seria importante que todos os partidos lançassem candidato e testassem sua força”.
Como se pode ver, Lula não mudou nada.
Coloca-se, nada mais, nada menos, como a própria representação da democracia e,
para completar o atrevimento, rejeita a possibilidade de que exista uma outra
candidatura viável para enfrentar Jair Bolsonaro. É a “democracia” nos moldes
petistas – só é democrático quem apoia Luiz Inácio Lula da Silva.
A tentativa petista de monopolizar a
oposição a Jair Bolsonaro tem um objetivo cada dia mais explícito. A
polarização com o governo Bolsonaro é uma maneira de desviar a atenção do
enorme passivo de corrupção, incompetência e negacionismo que marca a história
do PT.
Lula não pediu desculpas à população pelos
escândalos de corrupção do PT nem pelo desastre econômico que foi o governo de
Dilma Rousseff. Também não explicou a razão pela qual está envolto em tantos
processos penais, processos nos quais se defende por meio de questões formais.
O País não ouviu até hoje do ex-presidente Lula nenhuma explicação para tantos
mimos e agrados recebidos de empreiteiras.
Eis o ponto central. Uma candidatura viável
de centro exigirá que Lula explique o passado do PT e apresente um mínimo de
propostas para o País. Já não bastará ficar falando mal de Jair Bolsonaro, como
se algumas palavras de crítica por si sós pudessem lhe dar credenciais para
merecer a confiança e o voto da população. Para o PT, a polarização com o
bolsonarismo é uma maneira fácil de rebaixar o debate público a um nível bem
baixo, sem precisar enfrentar o desastroso histórico do partido.
E o mesmo ocorre com Jair Bolsonaro. O
ex-capitão precisa que as opções políticas estejam restritas a um lamentável e
irresponsável binarismo entre Lula e ele, para que sua reeleição tenha alguma
nota de viabilidade. A simples existência de um candidato viável de centro,
competente e honesto, escancara o absurdo que seria dar mais um mandato de
quatro anos a quem se esforça todos os dias para ser o pior presidente da
história do País.
Por isso, Jair Bolsonaro tenta que o
eleitor não disponha de nenhuma opção além do bolsonarismo e do lulopetismo.
“Tem uma passagem bíblica que diz, seja quente ou seja frio, não seja morno.
Então, terceira via, povo não engole isso aí”, disse em entrevista à Rádio
Itatiaia. Felizmente, a população tem outra percepção da política, um tanto
mais equilibrada. Na última pesquisa do Instituto Datafolha, 59% dos
entrevistados disseram que não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro. Não há
intolerância da população com o centro. A intolerância é com a
irresponsabilidade, o negacionismo e o desgoverno.
Em relação a uma candidatura viável de
centro, Jair Bolsonaro repetiu o seu mantra. “Não vai dar certo. Não vai
agregar. Não vai atrair a simpatia da população. Não existe terceira via. Está
polarizado”, disse Bolsonaro, em uníssono com Lula. O medo dos dois é
rigorosamente a esperança do País.
A câmera policial e a cidadania
O Estado de S. Paulo
A câmera no uniforme da Polícia Militar protege o policial, o cidadão e a lei
A partir da experiência positiva de outros
países, o governo do Estado de São Paulo tem ampliado a instalação de câmeras
nos uniformes dos policiais militares. Especialmente animadores, os primeiros
resultados da iniciativa mostram que a tecnologia tem muito a contribuir para
uma ação policial mais eficiente e em maior conformidade com a lei.
No mês de junho, caiu para zero a
letalidade policial nos 15 batalhões cujos agentes passaram a trabalhar com
as bodycams,
câmeras no corpo que gravam sem interrupção todo o turno de trabalho do
policial. Os aparelhos não podem ser desligados pelo agente. No mesmo período
do ano passado, as 15 unidades da Polícia Militar (PM) haviam registrado 18
mortes em confronto. E em maio deste ano, quando as câmeras ainda não tinham
sido instaladas, foram 19 mortes.
O programa reduziu significativamente a
taxa geral de letalidade da corporação em todo o Estado. Em comparação com
junho de 2020, houve queda de 53%. E na comparação com maio de 2021, a redução
foi de 54%.
Na média dos cinco primeiros meses deste
ano, houve 50 mortes por mês em patrulhamento. Em junho, foram 22 mortes, sendo
6 na capital. Todas as mortes em confronto registradas em junho ocorreram em
unidades cujos policiais ainda trabalham sem câmera no uniforme.
O programa de bodycams em
São Paulo começou a ser estudado em 2014. Na primeira fase, de caráter
experimental, foram instaladas câmeras em uma unidade da PM na zona sul da
cidade. Na época, os policiais precisavam ligar suas próprias câmeras. Agora, o
sistema é de gravação contínua. Na fase atual, o governo do Estado de São Paulo
contratou 2,5 mil câmeras. Ao todo, mais de 3 mil equipamentos estão em
operação, em 18 batalhões.
As gravações ficam armazenadas por 90 dias.
Em caso de registro de flagrante, as imagens são guardadas por um ano. Está
previsto que os comandantes das unidades assistam a gravações aleatórias de
seus subordinados, verificando se os procedimentos operacionais são observados
durante o patrulhamento. O material permitirá aprimorar o treinamento dos
agentes.
Ao registrar a atividade policial, a câmera
no uniforme também ajuda a garantir os direitos dos cidadãos durante as
abordagens e ações policiais. Por isso, o seu uso obrigatório é uma
reivindicação antiga de organizações que atuam na defesa da cidadania.
A câmera individual também contribui para a
produção de provas judiciais. Segundo o procurador-geral de Justiça de São
Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, as imagens vão valorizar a atuação da polícia e
trazer mais eficiência à produção da prova, beneficiando todo o sistema de
Justiça. “Tudo estará muito transparente”, disse.
A transparência beneficia diretamente o bom
trabalho dos policiais. Com o devido registro das evidências, poderão ser
facilmente justificadas as ações policiais em defesa da lei. “O policial tem de
agir dentro da lei. E ele agindo dentro da lei, terá uma prova favorável a
ele”, disse o deputado estadual Roberval Conte Lopes (PP).
O próprio Judiciário tem incentivado o uso
da tecnologia como meio de dissipar dúvidas e assegurar direitos. Por exemplo,
em março, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a
entrada, sem mandado judicial, de policiais numa residência para verificar
ocorrência de crime deve ser acompanhada de registro, em vídeo e áudio, da
autorização do morador.
“A situação versada neste e em inúmeros
outros processos que aportam nesta corte superior diz respeito à própria noção
de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado
Democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima existência,
práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia e status
social, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças
de segurança”, disse o relator da ação, ministro Rogerio Schietti Cruz.
A câmera no uniforme da Polícia Militar
protege o policial, o cidadão e a lei. A ampliação de seu uso é uma exigência
da cidadania.
Golpe contra a austeridade
O Estado de S. Paulo
Com o governo omisso, deputados sabotam limitação de despesas das estatais
Com 365 votos favoráveis e apenas 39
contrários, a Câmara dos Deputados aprovou proposta contrária à limitação de
gastos das estatais com planos de saúde dos empregados. Resolução aprovada no
governo do presidente Michel Temer, em janeiro de 2018, definiu prazo de quatro
anos para a adaptação dos planos aos novos critérios, bem mais austeros que
aqueles seguidos em grandes empresas do setor público. Aprovado em 16 minutos
de votação, o projeto de Decreto Legislativo 956/18, de autoria da deputada
Erika Kokay (PT-DF), propõe a suspensão dos efeitos daquela Resolução. Com essa
manobra, parlamentares mais uma vez tentam submeter recursos públicos a
interesses privados – com destaque, obviamente, para seus interesses
eleitorais.
Além do grande apoio parlamentar, a omissão
do Executivo pode ter contribuído para a aprovação do texto. Segundo apurou
o Estadão/Broadcast,
técnicos do governo tentaram defender as normas de austeridade, encaminhando
aos deputados um documento com dados financeiros. Mas acabaram recuando, para
preservar o apoio parlamentar à privatização dos Correios. Não está claro se o
Executivo tentará intervir quando o projeto de Decreto Legislativo chegar ao
Senado.
Ao propor novas normas para os planos de
saúde das estatais, o governo do presidente Michel Temer procurou,
simplesmente, reequilibrar gastos e eliminar abusos. As empresas poderiam,
pelos novos critérios, financiar no máximo 50% dos custos, ficando restrita a
despesa total a 8% do custo anual da folha de empregados. Algumas estatais
pagavam mais de 90% do valor dos planos. Além disso, era preciso disciplinar a
inclusão de dependentes. Com a mudança, somente cônjuges e filhos com idade até
24 anos, se estivessem cursando escola superior, poderiam ser incluídos. Antes,
também os pais poderiam aparecer como dependentes.
O cumprimento do prazo de mudança deveria
ser fiscalizado pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de
Contas da União (TCU). Sujeitos a esse controle e passíveis de
responsabilização, administradores das estatais também trabalharam contra os
efeitos da Resolução de janeiro de 2018.
A resistência às normas de austeridade é
parte de um jogo bem conhecido no dia a dia de Brasília. Políticos,
administradores, corporações e sindicalistas frequentemente se uniram na defesa
de padrões inadequados de gestão de empresas e, de modo geral, de recursos
públicos. Mais um capítulo dessa história foi escrito na semana passada, quando
parlamentares aprovaram um fundo de R$ 5,7 bilhões para os gastos eleitorais do
próximo ano.
A crise econômica, o desemprego e a
insegurança ainda causada pela pandemia tornam esse episódio especialmente
escandaloso. Mas o padrão é conhecido. O projeto de decreto contrário às
limitações de gastos das estatais com planos de saúde encaixa-se no padrão. Mas
a omissão do Executivo chama a atenção de modo particular.
Em outras democracias, seria normal o
Executivo batalhar contra esse decreto e ao mesmo tempo defender seu projeto de
privatização dos Correios – se este projeto fosse considerado muito importante.
Ao aceitar uma barganha implícita, omissão num caso para preservar outro
objetivo, o governo evidenciou mais uma vez sua dependência do Centrão.
Essa dependência denuncia a deficiência
política de um governo sem partido para apoiar seus programas e projetos.
Outros presidentes tiveram também de recorrer ao apoio desse amplo grupo, um
ajuntamento sem bandeiras e voltado principalmente para a busca de vantagens
nem sempre republicanas. Mas esses governantes sempre tiveram uma base
partidária.
Muito distante desse padrão, o presidente
Jair Bolsonaro vincula-se de fato apenas a um grupo, formado por sua família e
por um conjunto de agregados, como Fabrício Queiroz. Essa limitação o torna
mais dependente que seus antecessores dos interesses fisiológicos instalados no
Congresso. Isso tem custos elevados, mas o presidente pode aceitá-los. A conta
dos maus acordos é paga pelo conjunto dos brasileiros.
Militares em retirada
Folha de S. Paulo
Defesa se ultraja com subserviência a
Bolsonaro, mas não há margem para golpe
Pela segunda vez em 15 dias, o Ministério
da Defesa ultrapassou os limites da República para se intrometer em assuntos da
vida civil. Desta feita, ao manifestar-se sobre reportagem de O Estado de S.
Paulo, o ministro e general da reserva Walter Braga Netto agitou a bandeira
bolsonarista do voto impresso.
Militares não têm nada a dizer do sistema
de escrutínio, tampouco lhes cabe ameaçar o Congresso, como fez a Defesa na
reação extremada ao comentário do senador Omar Aziz (PSD-AM) sobre o fato de
integrantes das Forças Armadas aparecerem em desmandos investigados na CPI da
pandemia.
É uma lástima que o ministério encarregado
de conduzir os assuntos administrativos das Forças Armadas tenha se ultrajado
como um anexo do autoritarismo delirante do presidente da República. É ainda
pior a subserviência a que foram obrigados os comandantes de Marinha, Exército
e Aeronáutica.
Os detritos que se apartam do continente da
Constituição, no entanto, são Jair Bolsonaro, Braga Netto e os desajustados
que, dentro e fora do governo, alimentam o golpismo mofado e impraticável. As
forças legalistas, majoritárias, não acompanham os escolhos.
Se os chiliques brutalizantes dos últimos
dias produziram algum efeito, foi o de inviabilizar de vez a pretendida
subversão estapafúrdia da urna eletrônica. Já eram exíguas as chances da
aprovação do voto impresso —tornaram-se nulas.
A proposta de emenda à Carta que exclui
militares da ativa de postos da administração civil, medida providencial,
também ganhou força no Legislativo. A gritaria mal escondeu o sentido da
reforma a consumar-se no ministério de Bolsonaro: recuam as fardas, avançam os
“casacas” do centrão partidário.
Não resta dúvida de que haverá votação
direta para presidente, governadores, deputados e senadores no dia 2 de outubro
de 2022, com segundo turno no dia 30 subsequente. Os votos serão depositados
nas urnas eletrônicas e apurados e divulgados sob a vigilância habitual da
sociedade e dos partidos.
Como de costume, os vencedores assumirão
seus cargos em janeiro e exercerão os mandatos nos limites legais. Os
perdedores voltarão para casa e poderão tentar eleger-se novamente nos pleitos
que ocorrem rotineiramente a cada biênio.
É essa certeza que apavora o bolsonarismo e
toda a linhagem de populistas autoritários em nações comprometidas com a via
democrática. Aventureiros incompetentes e rufiões bravateiros tendem a dar-se
mal quando expostos ao julgamento implacável do eleitor que maltrataram e
desrespeitaram ao longo de um mandato inteiro.
Não há nada que possam fazer contra esse
fato mecânico a não ser espernear feito crianças birrentas.
Ondas da pandemia
Folha de S. Paulo
Variante delta tende a retardar retomada da
economia, mas vacinas evitam o pior
Mesmo com o avanço notável da vacinação em
boa parte do mundo, vão se frustrando as projeções mais otimistas de que
pandemia de Covid-19 poderia ser definitivamente superada ainda neste ano.
A variante delta, surgida na Índia e mais
contagiosa, embora aparentemente não mais letal, caminha para tornar-se
dominante. O principal foco hoje é o sul da Ásia, populoso e menos imunizado
que o Ocidente e a China, mas a nova cepa se alastra por todos os continentes
com riscos especialmente para os países pobres.
Onde a vacinação está avançada, espera-se
que a aceleração de novos casos não resulte em sobrecarga dos sistemas de
saúde, mas todo o cuidado é pouco.
No Reino Unido, com 55% da população
imunizada com duas doses, as autoridades foram obrigadas a declarar novas
restrições e considerar a volta do uso obrigatório de máscaras,
precipitadamente descartado pelo governo.
Nos Estados Unidos, o problema se mostra
grave. Depois de uma vitoriosa campanha no primeiro semestre, a alta
resistência de parte da população a receber uma vacina constitui um flanco de
fragilidade. Até aqui, cerca de 49% dos americanos receberam as duas doses, mas
em alguns estados conservadores a taxa é bem menor.
O risco de uma nova epidemia entre os não
imunizados por opção ao menos começa a provocar uma reação tardia de políticos
republicanos, até então resistentes a se pronunciar de forma cabal em favor da
prevenção.
O Brasil conta com a vantagem da boa
adesão. Segundo pesquisa da Ipsos, 93% dos brasileiros pretendem se vacinar,
taxa mais alta entre os 15 países pesquisados —e semelhante à apurada pelo
Datafolha. É provável que todos os adultos poderão fazê-lo até setembro.
Urge, além disso, manter a prudência, com
máscaras e restrições a eventos propícios ao contágio, como espetáculos e
festas.
Se o prognóstico de número reduzido de
casos graves se confirmar, é improvável que haja uma recaída mundial na
recessão econômica. Já está claro, entretanto, que a volta das atividades na
segunda metade do ano será mais espaçada que se imaginava.
Por aqui, o retorno de parte relevante do
setor de serviços, que emprega a mão de obra de menor qualificação, pode sofrer
novo revés. Trata-se de mais um desafio às políticas de amparo social, que
devem merecer prioridade.
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