O Estado de S. Paulo
Temos demandas urgentes, e a urna
eletrônica, que nunca deu problema, não está entre elas
Papai Noel existe e singra os céus em seu
trenó de renas voadoras. Houve fraude nas eleições americanas de 2020. Só o
voto impresso pode evitar que aconteça o mesmo no Brasil em 2022.
Em 2020, alguns americanos acreditaram em renas voadoras – ou melhor, no delírio de Donald Trump sobre fraude nas urnas. Trump passou. A democracia americana continua. Nem Trump impediu que o debate eleitoral de 2020 fosse um dos mais interessantes dos últimos tempos.
Uma das melhores coisas das eleições nos
Estados Unidos são as primárias. Elas existem desde o início do século 20 –
mas, como lembra o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, professor do
Insper, só em 1972 adquiriram o formato atual. Carlos Eduardo, que cobriu
várias campanhas americanas como correspondente internacional, é o entrevistado
do minipodcast da semana.
As primárias americanas possibilitam que os pré-candidatos apresentem projetos para o país. Paralelo à polarização, o debate de 2020 foi especialmente rico. Joe Biden venceu com seu progressismo moderado, herdeiro de Barack Obama. Ficou no meio do caminho entre Bernie Sanders, que empolgou o eleitorado esquerdista, e a ala moderada do Partido Republicano, que entrou na conversa para dizer que nada tinha a ver com Trump. O eleitor americano acompanhou o debate em artigos de opinião publicados nos principais jornais e fez sua escolha.
Num movimento que pode ser o embrião de um
debate à americana, o PSDB decidiu, neste ano, fazer prévias para escolher o
representante tucano na eleição presidencial. Três pré-candidatos já estão na
rua.
João Doria, governador de São Paulo,
percorre o País nos fins de semana, falando de vacina e da estratégia paulista
de combate à pandemia. O primeiro ato de campanha de Eduardo Leite, governador do Rio
Grande do Sul, foi se declarar homossexual em entrevistas à TV Globo e à
revista piauí – o
que o colocou na disputa com um selo progressista, como Pete Buttigieg na eleição
americana.
O senador Tasso Jereissati, zelador da tradição
social-democrata do partido, quer ser o Biden tucano. Seu hino de campanha é a
música Aquele Abraço, de
Gilberto Gil, com o slogan “PresidenTasso” no refrão. É o PSDB tentando voltar
aos anos 1980, quando era o favorito dos medalhões da MPB e Chico Buarque fazia
os jingles de campanha de Fernando Henrique.
É possível que as prévias tucanas provoquem
um debate semelhante ao das últimas primárias americanas? “Vejo a iniciativa
com simpatia, mas com algum ceticismo, pois são culturas políticas muito
diferentes”, diz Carlos Eduardo.
Seria bom que o Brasil, para variar,
assistisse a uma discussão séria sobre nossos problemas, envolvendo não apenas
o PSDB, mas todos os partidos. Ainda há, no entanto, quem prefira combater
renas voadoras. Como revelou o Estadão em
furo de reportagem, o general Braga Netto e outros colegas do Exército
embarcaram no delírio do voto impresso. Temos demandas urgentes, e a urna
eletrônica, que nunca deu problema, não está entre elas.
Combater fraudes fictícias é como criar um escudo antiaéreo para impedir que Papai Noel voe sobre as chaminés. Além de golpista, a ideia é ridícula. Espera-se que os 11 partidos políticos que, conforme noticiou o Estadão, fecharam questão contra o voto impresso, honrem seus eleitores e façam a sua parte. E evitem que o Exército brasileiro, de tantas glórias passadas, vire piada mundial por abrigar caçadores de renas voadoras.
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