Blog do Noblat / Metrópoles
Nossas Forças Armadas parecem estar sempre
do lado das forças civis conservadoras que defendem o status quo
O Brasil tem o privilégio de não ter
conflito com vizinhos, ou mesmo com países distantes, nem motivações
imperialistas. Nosso Exército surgiu para consolidar o território nacional, Com
exceção da guerra contra a invasão paraguaia e da heróica participação na
defesa da democracia nos campos de batalha da Itália, nossos tanques de guerra,
mesmo quando silenciosos, parecem apontar para os centros do poder civil, o
Planalto, o Congresso, o Supremo Tribunal Federal. A história mostra que nossas
Forças Armadas se sentem um poder moderador, pronto para intervir diante da
corrupção, de desmandos ou do que eles considerem desvios ideológicos dos
políticos civis.
Com exceção da Abolição e da República, e da luta contra o fascismo na Europa, nossas Forças Armadas parecem estar sempre do lado das forças civis conservadoras que defendem o status quo contra a distribuição de riquezas e aumento nos direitos dos trabalhadores. Mas saíram delas líderes comunistas como Prestes e Lamarca, além de muitos oficiais, generais, almirantes e brigadeiros, presos, cassados e expulsos em 1964.
Se estes fossem maioria no comando, o poder moderador teria imposto um caminho contrário, como ocorreu em 1889, quando o golpe militar destituiu o imperador e implantou uma república. O problema de dar às Forças Armadas o poder de intervir não é a visão ideológica que seus comandantes têm, porque eles são substituídos e mudam, o problema é que eles já demonstraram que não são opção melhor do que os civis, seus métodos são muito piores do que os democráticos e não permitem correção de erros e rumos.
Entre 1964 e 1985, o Brasil viu que a calma
imposta pelos quarteis contra a desordem civil não foi a solução para a
construção da nação eficiente, justa e sustentável, caminhando para o
progresso. Apesar de que a nossa tem demonstrado incompetência de gestão,
preferência pelos ricos e privilégios e irresponsabilidade com recursos
públicos, ela é um caminho histórico mais eficiente para acertar e para
corrigir erros. Por mais que errem, como nas eleições de 2018, no longo prazo
da história, 100 milhões de eleitores acertam mais do que meia dúzia de
ditadores, sejam generais ou caciques civis.
Os desarmados acertam mais do que os
armados, por argumentarem e aceitarem derrotas. Para os desarmados, perder um
argumento é visto como grandeza, apertam a mão do vencedor e continuam em
frente. Para o armado, perder um argumento é desonra e ele se sente rendido,
não derrotado, e não aceita. Os generais Geisel e Figueiredo tiveram a grandeza
de aceitar a perda do poder para os argumentos do frágil poder civil.
Os constituintes que assumiram o poder não
souberam desarmar definitivamente as Forças Armadas dentro do te ritório.
Abriram mão de arma nuclear que ameaçaria possíveis ou ilusórios inimigos
externos, mas deixaram que os tanques dos aviões e de guerra possam apontar
para nossas instituições democráticas. Ameaçando interrompê-las sempre que os
civis demonstram incompetência e descuidos com a coisa pública.
Muitos continuam acreditando no espírito
público dos comandantes, mas este espírito pode ser prisioneiro do imediato e
instigado a intervir, salvar a pátria no presente, embora condenando seu
futuro. Eles afirmam que a culpa seria dos políticos que não souberam usar a
democracia para servir ao país, e em nome de defendê-lo ameaçam a democracia.
Por isto, se sentem no direito de ameaçar usando as armas que dispõem para
conseguirem o que desejam, sem necessidade de usá-las. Até porque o perigo das
armas não está apenas em serem usadas para matar ou assustar a vítima, mas em
desmoraliza-la com a simples ameaça de seu uso.
Por isto o poder não deve se submeter a
aceitar o uso de armas militares, nem mesmo apenas como chantagem de ameaças de
uso delas. Aceitar a ameaça de uso de armas é pior do que ser vítima fatal
delas, porque além de perder o rumo da história perde-se a honra e a forças da
legalidade estas armas dos desarmados.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
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