O Estado de S. Paulo
O governo precisa com urgência dar a real
para a população sobre os riscos de racionamento de energia no País
A crise hídrica no Brasil é gravíssima e o
governo precisa com urgência “dar a real” para a população sobre os riscos de
racionamento de energia no País.
O Palácio do Planalto tem feito, no
entanto, o contrário ao dar ordens para segurar a comunicação da crise para a
população, seguindo o modus operandi no enfrentamento da pandemia da covid-19:
o negacionismo do tamanho da encrenca. O governo atravanca a transparência
necessária em um momento tão delicado para a economia, que combina alta de
preços e risco de crise energética.
Há dois meses, o ministro Bento
Albuquerque, de Minas e Energia, pediu, durante pronunciamento em cadeia
nacional de rádio e TV, a “colaboração” da população para economizar energia e
água devido à crise hídrica.
Na época, termos como racionamento e racionalização compulsória de energia foram proibidos de serem utilizados no governo depois que o Estadão/broadcast antecipou o texto de uma minuta de medida provisória (MP) que previa a adoção desse tipo de medida.
De lá para cá, a crise se alargou. Um novo
pronunciamento do ministro Bento estava marcado para a próxima segunda-feira
para dar um alerta contundente à população, mas a sua fala foi cancelada.
Bento convocou ontem entrevista para
anunciar um programa de redução voluntária voltado para consumidores
residenciais, que começa em 1.º de setembro. O governo vai dar descontos nas
contas de luz de consumidores residenciais que economizarem energia elétrica.
Mas o alerta do ministro foi contido e –
por que não dizer? – reprimido no estilo “o gato subiu no telhado”. Bento falou
que as perspectivas de chuvas até o fim do período seco deste ano (setembro e
outubro) “não são boas no momento” e informou que os meses de julho e agosto
registraram a pior quantidade de águas que chegaram aos reservatórios em toda a
série histórica. A pior, a pior, a pior. Deveria ter repetido várias vezes.
Faltou contundência para mostrar a
realidade. O ministro chegou a dizer que as medidas não se tratavam de
racionamento. Um medo danado de falar essa palavra proibida no vocabulário do
presidente Jair Bolsonaro.
Em vez disso, Bento disse, inclusive, que o
governo não trabalhava com a hipótese de racionamento. Entre os técnicos, a
recomendação era outra: a necessidade de maior assertividade e transparência.
A situação é bastante crítica na região
Sul, que está sendo atendida com a energia acumulada do Nordeste. As
perspectivas de chuva não estão se concretizando. Mas a piora se deu em todos
os reservatórios.
Já não era hora de falar para a população
de forma mais dura, alertando o que vem por aí? Sem rodeios.
Camuflar a gravidade pode custar caro no
enfrentamento da crise que se agrava a passos largos, justamente no pior
momento de alta dos preços.
Os juros mais altos puxados pelo Banco
Central já vão esfriar o processo de retomada do crescimento da economia
brasileira. A crise hídrica piora esse futuro, porque tem um impacto grande
sobre a capacidade de expansão do Produto Interno Bruto (PIB).
O resultado desse processo é a corrosão da
expectativa futura de novos investimentos, como alertou o economista Fabio
Terra, da Universidade Federal do ABC, em reportagem do Estadão de domingo
passado sobre os riscos que fizeram os indicadores do mercado financeiro
piorarem drasticamente neste mês de agosto.
Formou-se uma “tempestade perfeita” com um
conjunto de fatores negativos reunidos: inflação, juros elevados, dólar
elevado, riscos fiscais em alta, crise entre os Poderes e cenário externo menos
favorável com a desaceleração da China.
É evidente que o governo quer evitar adotar
o racionamento porque teme os seus efeitos nas eleições de 2022. Por outro
lado, a energia com geração a qualquer custo tem seu preço. Muito alto ao
provocar um tarifaço dos preços de energia.
Evitar falar em racionamento não garante
bons resultados para ninguém. Não muda a realidade: o Brasil enfrenta a pior
crise hídrica dos últimos 91 anos, com grave escassez nos reservatórios das
principais usinas hidrelétricas e risco de apagão. Crise hidrelétrica sem
rodeios.
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