Folha de S. Paulo
Bolsonaro pode não conseguir golpe
organizado, mas prepara terreno para agitadores
Às vésperas das eleições de 2018, um juiz
de primeira instância em Goiás preparou uma ordem para que o Exército
recolhesse urnas eletrônicas pouco antes da votação para uma perícia. A ideia
era assinar a
decisão na sexta-feira anterior ao primeiro turno e tumultuar o
processo.
O plano não deu certo porque os militares
denunciaram a trama. A Advocacia-Geral da União descobriu que o juiz Eduardo
Luiz Rocha Cubas havia gravado um vídeo com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL)
questionando a segurança do sistema de votação. O órgão apontou que aquela
conduta era inadequada e pediu o afastamento do magistrado.
O clã bolsonarista prepara o terreno para o surgimento de novos Cubas e outros agitadores nas próximas eleições. As mentiras do presidente já ajudaram a inflar a desconfiança de parte da população sobre as urnas eletrônicas. Em 2022, esse sentimento pode mover juízes com canetas alucinadas, policiais responsáveis pela segurança dos locais de votação e eleitores alvoroçados.
Há dúvidas sobre a capacidade de Jair
Bolsonaro fabricar um golpe organizado, com apoio abrangente nas Forças
Armadas. Já um tumulto descentralizado, protegido pelo discurso oficial, é
praticamente uma certeza. Bastam alguns episódios de quebra-quebra em seções
eleitorais, denúncias falsas de mau funcionamento das urnas e agentes de
segurança lenientes com os baderneiros.
Mesmo isolados, casos assim podem
impulsionar o esquema golpista de Bolsonaro. Se um único juiz decidir
dificultar a votação e o Exército mantiver segredo até executar a ordem, estará
criada incerteza suficiente para dar ao presidente uma plataforma para convocar
um levante e se recusar a deixar o cargo.
Na semana passada, o FBI constatou que
havia poucas evidências de que a invasão do Capitólio havia sido uma ação
coordenada. Ainda assim, aquela ação foi suficiente para sacudir a democracia
dos EUA. A onda golpista de Donald Trump só não foi adiante graças à
resistência da classe política e dos militares.
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