Folha de S. Paulo
Os nacionalistas
raiz abominam o pluralismo político das sociedades contemporâneas
Em recente
entrevista, o ex-ministro da Defesa e ex-presidente da Câmara dos
Deputados Aldo Rebelo (sem
partido) pregou, em tom de candidato ao Planalto, a necessidade de unificar o
país em torno da retomada do desenvolvimento, do combate à desigualdade e da
valorização de democracia.
Até aí tudo bem
—e nada de novo. Só que o antigo quadro do PCdoB contrapôs a essa plataforma
progressista o que se chama hoje em dia agenda identitária, para maldizer
aquelas que seriam as principais inimigas do país: as ONGs ambientalistas. A
seu, digamos, juízo, elas manipulam os povos indígenas em benefício de
interesses internacionais que cobiçam as riquezas da Amazônia.
Vindo da esquerda pura e dura que admirava a tirania comunista da Albânia,
Rebelo é um desbragado nacionalista.
Nacionalistas
imaginam que a nação é a comunidade unida por objetivos e valores comuns
—sabe-se lá definidos por quem—, a começar da defesa da soberania contra a
perene cobiça estrangeira. O rebento mais robusto dessa mentalidade é a redução
da política a um perpétuo conflito entre defensores da nação e seus inimigos
antinacionais. Os nacionalistas raiz abominam a diversidade característica das
sociedades contemporâneas, em especial suas manifestações políticas sob a forma
de antirracismo, ambientalismo, feminismo e reconhecimento do modo de vida das
populações indígenas e das diferentes maneiras de expressão da sexualidade.
Não há uma nesga
de fundamento na ideia de que as entidades que conferem existência política às
demandas de minorias —em geral ONGs—
solapem a democracia e impeçam o desenvolvimento econômico e a redução das
desigualdades; estas, por sinal, não raro ancoradas na discriminação de tais
setores. Mundo afora, as sociedades democráticas comprovam o contrário.
Movimentos identitários expandem as fronteiras da luta por mais igualdade,
assim como organizações não governamentais convivem com partidos e cooperam com
governos.
O nacionalismo
estreito do ex-ministro —que nestes tempos bolsonarianos integra as forças
democráticas— não é uma idiossincrasia. Ele tem curso livre entre políticos de
diferentes partidos, para não falar nas três Armas. No mínimo, justifica hoje
retrocessos na área ambiental e na garantia dos direitos constitucionais das
populações indígenas. Tem em comum com o autoritarismo bolsonarista a fobia aos
movimentos identitários, vistos como ameaça à família e à unidade do país ou
como agentes internos do apetite estrangeiro por nossas riquezas.
Um nacionalismo
embolorado é tudo de que o país e a democracia brasileira não precisam.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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