Valor Econômico
Da
turma do deixa-disso, o mais bem sucedido foi o comandante do Exército
Foi
o dia do deixa disso. A começar pelo discurso conciliador do comandante do
Exército no dia do soldado, cerimônia na qual o presidente da República ficou
calado como um poeta. O general Paulo Sérgio de Oliveira valeu-se da saudação a
Duque de Caxias para mostrar por que é considerado o mais legalista dos três
comandantes. Lembrou que o patrono do Exército foi senador e presidente do
Conselho de Ministros e resolveu enaltecê-lo pelas qualidades que faltam ao
comandante supremo: “Conciliação, superação de posições antagônicas e,
sobretudo, pela prevalência da legalidade, da justiça e do respeito a todos”.
A risca de giz foi traçada no mesmo dia em que a decantada unidade do Judiciário foi trincada por João Otávio de Noronha, o ministro do STJ que transmite aos filhos o legado de sua proximidade com o presidente Jair Bolsonaro. Cinco dias depois de a Corte ter autorizado a retomada do inquérito das rachadinhas, que envolve o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), Noronha voltou a suspendê-lo. A decisão afasta, temporariamente, o senador da linha de tiro, o que não acontece com seu irmão do meio, Carlos Bolsonaro.
O
vereador continua na mira do inquérito das “fake news” no Supremo Tribunal
Federal, relatado por Alexandre de Moraes. Sem vocação para bombeiro, o
ministro ontem deixou em aberto seu voto sobre a autonomia do Banco Central, a
ser confirmado hoje. Na Corte, a turma do deixa-disso, definitivamente, sua
mais. Hoje há maioria para derrubar o marco temporal da demarcação de terras
indígenas, mas há pressões no sentido de adiar a decisão para depois do ato do
dia da pátria. No agronegócio, o apoio ao atual marco temporal da demarcação,
que só a assegura aos indígenas assentados até 1988, é maior do que a adesão ao
golpismo presidencial. Ao derrubar o marco, porém, o Supremo correria o risco
de colocar mais ruralistas na Esplanada dos Ministérios no 7 de setembro do que
os indígenas que baixaram acampamento por lá durante toda a semana. A decisão
do ministro Luís Roberto Barroso de autorizar a permanência dos indígenas na
Esplanada sugere que prefere pagar pra ver.
O
terceiro movimento dos deixa-disso acontece fora dos tribunais mas passa pela
sua anuência. Depois da resistência oferecida pelo Congresso e pelo mercado ao
calote proposto na PEC dos Precatórios, o Ministério da Economia passou a
negociar uma saída. Trata-se da correção, pelo IPCA, do valor destinado à
quitação de dívidas judiciais em 2016, ano do estabelecimento do teto de
gastos. A precatórios reconhecidos e para os quais já deveria haver previsão no
caixa, aplica-se o conceito de congelamento das despesas primárias vigente no
teto. Com calote ou congelamento todo caminho dá na venda.
A
saída ofereceria ao governo a possibilidade de limitar em R$ 60 bilhões o
pagamento de precatórios em 2022, em vez dos R$ 89 bi previstos. A folga
acomodaria o Auxílio Brasil, programa social que permitiria ao presidente Jair
Bolsonaro tentar uma vaga no segundo turno. Como se sabe que o Congresso não
engolirá seis por meia dúzia no tema, a ideia é contorná-lo, delegando a
decisão, via resolução do Senado, ao Conselho Nacional de Justiça. As regras
para o pagamento de precatório estão definidas na Constituição, e o CNJ,
presidido pelo ministro Luiz Fux, não se inclui entre as instâncias que as
modificam ou as interpretam.
Com
o Congresso, o diálogo ficou mais fluido desde que Bolsonaro recuou no veto às
emendas de relator, mas no Supremo o sarrafo é mais alto. O Senado arbitrou em
favor do Supremo no arquivamento do impeachment de Moraes, mas a turma do deixa
disso não terá folga. A capacidade de mobilização do presidente para o 7 de
setembro depende exatamente do grau de radicalismo que o presidente imprime às
suas provocações.
Entre
a cópia e o original
De
tanto espalhar aos quatro ventos seu favoritismo nas prévias, o governador João
Doria acabou por convencer o empresariado mais mobilizado por uma terceira via
de que ele é o nome mais viável. Convencimento não é o melhor termo, o
empresariado estaria resignado, diz um lídimo representante. A avaliação neste
meio é a de que Doria se sai melhor como governador do que o faria como
candidato.
Seu
mérito como gestor está na delegação - ao vice, Rodrigo Garcia, e aos
secretários Patrícia Ellen (Desenvolvimento Econômico), Henrique Meirelles
(Fazenda), e Rossieli Soares (Educação). Como candidato, não há o que delegar.
É aí que mora o perigo, como mostrou o governador no “Roda Viva”.
Doria
foi vitorioso ao desafiar a lei da gravidade duas vezes. Primeiro ao conseguir
o apoio do ex-governador Geraldo Alckmin para disputar e ganhar a Prefeitura de
São Paulo, contrariando cardeais do tucanato, como Fernando Henrique Cardoso e
José Serra. E depois ao trair seu próprio padrinho, arrebanhar a legenda e se
eleger para o governo. As vitórias lhe deram a certeza de que seria capaz de
tomar o partido pela terceira vez e lapidaram o estilo “cão que passa da caça”.
Os modos o prejudicam até no protagonismo que todos reconhecem na vacina. A
insistência no autoelogio acaba por inibir que outros o façam, diz um
governador.
Só
isso explica o atropelo com o qual desconsiderou a pré-candidatura do senador
Tasso Jereissati (CE) às prévias do partido em novembro e agrediu o deputado
Aécio Neves, que tem contas a prestar à justiça e à democracia mas derrotou
Doria na sua tentativa de expulsá-lo da legenda. Se Tasso, em algum momento,
refletiu sobre a conveniência de confirmar a postulação, a atropelada deu ao
senador a certeza de que seu PSDB não é o mesmo de Doria.
O
ódio exibido pelo governador contra Lula colide não apenas com a disposição de
Tasso em encontrá-lo em nome da retaguarda democrática como sua própria postura
ao longo do governo petista, quando jantou duas vezes com o ex-presidente no
Alvorada e manteve diálogo frequente com seus ministros.
A
ofensiva é fruto de outro atropelo. Avalia-se, no PSDB, que Doria tem condição
de tomar o eleitorado de Bolsonaro em São Paulo, visto que sua aprovação no
Estado está dez pontos percentuais à frente da do presidente e a desaprovação,
20 pontos atrás. Por isso, a avidez em encampar, pelo antilulismo, o
bolsonarismo sem Bolsonaro. Antes, porém, tem as prévias. E o PSDB hoje se
divide entre os que privilegiam a democracia e aqueles que, entre Bolsonaro e
uma cópia, preferem o original.
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