quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Entrevista| José Murilo de Carvalho: 'Tropa circundando Congresso é mau agouro'

Professor não vê condições para um golpe militar no país porque apoio a Jair Bolsonaro não seria unânime no Comando das Forças Armadas

Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO - Historiador que se dedica a analisar a participação dos militares na política brasileira, José Murilo de Carvalho avalia que a participação da Marinha no desfile de tanques realizado ontem em Brasília surpreendeu porque a Força é a mais profissionalizada. Ele vê o dedo do ministro da Defesa, general Braga Netto, no episódio. Autor do livro “Forças Armadas e Política no Brasil”, Carvalho acredita que não há condições para um golpe militar no país porque isso só pode ocorrer quando existe apoio unânime do Alto Comando das três Forças, o que, no momento, não haveria.

Qual o significado histórico do desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios ontem em Brasília?

Tropa circundando o Congresso é mau agouro, lembra 12 de novembro de 1823, quando d. Pedro I fechou a Assembleia Constituinte, e 10 de novembro de 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso.

Ao realizar o desfile, o Exército mostra que capitulou ao plano do presidente Jair Bolsonaro?

O que mais surpreendeu e desapontou foi a participação da Marinha, a Força mais profissionalizada. As manobras eram dela, e alegar que o desfile com tanques se destinava a convidar o presidente para assistir chega a ser risível. Aí deve haver dedo do general bolsonarista (Braga Netto), ministro da Defesa.

Em março, houve a troca do comando das três Forças e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, por causa de resistências a cumprir pedidos de Bolsonaro. O Exército se transformou num instrumento da política do presidente?

Ainda acredito que essa não seja a posição majoritária do Alto Comando da Força. O desgaste político da imagem seria grande.

Como esse episódio pode afetar as eleições presidenciais de 2022?

Com rejeição da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do voto impresso, o presidente terá que inventar outros truques para melar as eleições.

O senhor vê risco de ocorrer um golpe no país com o apoio dos militares?

Golpe só com apoio unânime, ou amplamente majoritário, dos Altos Comandos das três Forças. Ainda não vejo tal condição. Como depois de 1964, há uma linha dura que hoje cerca o presidente, e os moderados. Não creio que a linha dura seja majoritária dentro das Forças Armadas.

O que as Forças Armadas precisariam fazer para se desvincular do projeto político do presidente Jair Bolsonaro?

Os Altos Comandos precisariam avaliar com cuidado o dano que uma aventura golpista traria para a imagem das Forças e do país, aqui e no exterior. Seríamos uma segunda Venezuela. Não há mais Guerra Fria para usar como desculpa (como ocorreu em 1964).

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