O Globo
Nosso amadurecimento democrático é modesto. A democracia de massas chegou tardiamente e o caminho até lá foi acidentado, deixando sequelas. Nos 100 anos que separam a Proclamação da República e a volta do voto direto para presidente, os períodos democráticos foram breves, instáveis e de limitada legitimidade.
Além disso, nossa experiência difere
daquela de nações ricas. Enquanto naqueles países a democracia decorreu do
amadurecimento da sociedade, nos emergentes foi resposta à pressão externa da
globalização, no caminho para o fim da Guerra Fria - além da crise produzida
pelos governos militares.
Como consequência, a inserção do
liberalismo, na economia e na política, é limitada - ensina Lourdes Sola. As
engrenagens necessárias para o vigor democrático - como os freios e contrapesos
na ação estatal - não funcionam tão bem.
Tem mais. A sustentação da democracia
depende de acúmulo de experiências bem-sucedidas na economia. Em países ricos,
rupturas são improváveis. Já países de renda média que falham na geração de
emprego e na redução de desigualdades são mais vulneráveis a retrocessos.
Na falta de uma classe média homogênea e representativa, usuária de serviços públicos, a busca por políticas governamentais eficazes é prejudicada.
Todos esses elementos aumentam a
responsabilidade da elite para afastar excessos de todo tipo e defender
políticas públicas para o desenvolvimento e o bem comum. A elite deveria fazer
parte da solução, mas parcela importante ainda é parte do problema, ao
pressionar por benesses e ao bloquear agendas liberais que ferem seus
interesses. Diante de problemas do país, eleva muros e se omite.
Historicamente, esquerda e direita não
tiveram aspirações democráticas – tampouco a elite. O ambiente político que
culminou no golpe militar de 1964 era de golpismo de lado a lado. O quadro
mudou bastante desde então, mas a estrada a percorrer é longa.
Apesar do discurso democrático, parte
relevante da esquerda é intolerante e defende bandeiras que enfraquecem a
economia e a democracia. Exemplos disso são a defesa de corporações (como do
funcionalismo) em detrimento da sociedade; indisciplina fiscal, que alimenta a
inflação; e intervencionismo estatal, que prejudica o crescimento.
Quando no poder, não exerceu
devidamente a autocontenção, o que resultou em aumento da corrupção, gestão
temerária e maquiagem das contas públicas, e populismo. Entregou a maior crise
da nossa história, o que alimentou a radicalização e a descrença da sociedade
no governo e nas instituições – riscos à democracia.
A direita, no geral, é conservadora -
liberal ou não na economia. Em meio a promessas de promoção do crescimento
econômico, sacrifica valores democráticos, como se fossem coisas dissociadas.
Isso ocorreu repetidamente na nossa história. E na campanha de 2018 também.
Muitos segmentos da elite caíram no canto
da sereia e abraçaram uma direita nada esclarecida. Erro duplo ao não
identificar que boa parte das promessas era inexequível e ao minimizar as
ameaças às instituições democráticas.
Notadamente no mercado financeiro,
prevalecia a visão de que a gestão de Paulo Guedes compensaria o risco
Bolsonaro, mesmo diante de sinais de que ele e seu entorno não abraçavam a
suposta agenda liberal.
Faltou profundidade na análise dos
problemas brasileiros e da agenda econômica mal estruturada.
O erro se repete na condescendência de
muitos com a deterioração do regime fiscal, agarrando-se a uma melhora de curto
prazo nos indicadores. Acabam por dar mais corda para a farra. Enquanto isso, a
esquerda não vira o disco de que tudo é culpa do teto de gastos, como se não
houvesse restrições orçamentárias e o Brasil fosse craque na alocação de
recursos públicos.
Houve complacência também do setor
produtivo na campanha. Anseiam pela redução do custo Brasil e pela revisão de
excessos dos órgãos de controle, que atrapalham investimentos, mas esqueceram
de analisar a capacidade de entrega de Bolsonaro e toleraram o discurso
antidemocrático.
Vozes da elite protestam contra os riscos de retrocesso democrático - algo já feito pela imprensa. Essa atitude é uma das peças da engrenagem da democracia, mas outras mais são necessárias. É preciso combater o populismo e o patrimonialismo que machucam a economia e a democracia. O exercício democrático precisa ser profundo e diário.
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