quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Zeina Latif - A responsabilidade da elite no risco de retrocesso democrático

O Globo

Nosso amadurecimento democrático é modesto. A democracia de massas chegou tardiamente e o caminho até lá foi acidentado, deixando sequelas. Nos 100 anos que separam a Proclamação da República e a volta do voto direto para presidente, os períodos democráticos foram breves, instáveis e de limitada legitimidade.

Além disso, nossa experiência difere daquela de nações ricas. Enquanto naqueles países a democracia decorreu do amadurecimento da sociedade, nos emergentes foi resposta à pressão externa da globalização, no caminho para o fim da Guerra Fria - além da crise produzida pelos governos militares.

Como consequência, a inserção do liberalismo, na economia e na política, é limitada - ensina Lourdes Sola. As engrenagens necessárias para o vigor democrático - como os freios e contrapesos na ação estatal - não funcionam tão bem.

Tem mais. A sustentação da democracia depende de acúmulo de experiências bem-sucedidas na economia. Em países ricos, rupturas são improváveis. Já países de renda média que falham na geração de emprego e na redução de desigualdades são mais vulneráveis a retrocessos.

Na falta de uma classe média homogênea e representativa, usuária de serviços públicos, a busca por políticas governamentais eficazes é prejudicada.

Todos esses elementos aumentam a responsabilidade da elite para afastar excessos de todo tipo e defender políticas públicas para o desenvolvimento e o bem comum. A elite deveria fazer parte da solução, mas parcela importante ainda é parte do problema, ao pressionar por benesses e ao bloquear agendas liberais que ferem seus interesses. Diante de problemas do país, eleva muros e se omite.

Historicamente, esquerda e direita não tiveram aspirações democráticas – tampouco a elite. O ambiente político que culminou no golpe militar de 1964 era de golpismo de lado a lado. O quadro mudou bastante desde então, mas a estrada a percorrer é longa.

Apesar do discurso democrático, parte relevante da esquerda é intolerante e defende bandeiras que enfraquecem a economia e a democracia. Exemplos disso são a defesa de corporações (como do funcionalismo) em detrimento da sociedade; indisciplina fiscal, que alimenta a inflação; e intervencionismo estatal, que prejudica o crescimento.

 Quando no poder, não exerceu devidamente a autocontenção, o que resultou em aumento da corrupção, gestão temerária e maquiagem das contas públicas, e populismo. Entregou a maior crise da nossa história, o que alimentou a radicalização e a descrença da sociedade no governo e nas instituições – riscos à democracia.

A direita, no geral, é conservadora - liberal ou não na economia. Em meio a promessas de promoção do crescimento econômico, sacrifica valores democráticos, como se fossem coisas dissociadas. Isso ocorreu repetidamente na nossa história. E na campanha de 2018 também.

Muitos segmentos da elite caíram no canto da sereia e abraçaram uma direita nada esclarecida. Erro duplo ao não identificar que boa parte das promessas era inexequível e ao minimizar as ameaças às instituições democráticas.

Notadamente no mercado financeiro, prevalecia a visão de que a gestão de Paulo Guedes compensaria o risco Bolsonaro, mesmo diante de sinais de que ele e seu entorno não abraçavam a suposta agenda liberal.

Faltou profundidade na análise dos problemas brasileiros e da agenda econômica mal estruturada.

O erro se repete na condescendência de muitos com a deterioração do regime fiscal, agarrando-se a uma melhora de curto prazo nos indicadores. Acabam por dar mais corda para a farra. Enquanto isso, a esquerda não vira o disco de que tudo é culpa do teto de gastos, como se não houvesse restrições orçamentárias e o Brasil fosse craque na alocação de recursos públicos.

Houve complacência também do setor produtivo na campanha. Anseiam pela redução do custo Brasil e pela revisão de excessos dos órgãos de controle, que atrapalham investimentos, mas esqueceram de analisar a capacidade de entrega de Bolsonaro e toleraram o discurso antidemocrático.

Vozes da elite protestam contra os riscos de retrocesso democrático - algo já feito pela imprensa. Essa atitude é uma das peças da engrenagem da democracia, mas outras mais são necessárias. É preciso combater o populismo e o patrimonialismo que machucam a economia e a democracia. O exercício democrático precisa ser profundo e diário.

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