O Estado de S. Paulo
Bolsonaro incide na ilusão de que conta com todos os segmentos armados da República
A paranoia presidencial apenas se repete.
Os golpes anunciados seguem velhos modelos. No máximo, mudam os protagonistas,
na maioria das vezes para nivelar o País por baixo. Tal como hoje.
Em 1992, Fernando Collor de Mello já se
consumia no fogaréu das denúncias de corrupção da CPI do PC. Convocou, então,
reunião de emergência com os ministros do Exército, Marinha, Aeronáutica, e o
chefe do Gabinete Militar. Expôs a situação à sua maneira. Sondava o grau de
solidariedade na hipótese de resistência.
Antes que concluísse, foi interrompido pelo ministro do Exército, general Carlos Tinoco. Que com toda a franqueza apresentou a posição de consenso: todos ali reunidos esperavam que o presidente da República tivesse argumentos para se defender. Quanto às Forças Armadas, seguiriam cumprindo o que determina a Constituição.
A configuração do poder militar, hoje, 28 anos depois, não tem a imagem decisiva de outrora. Evidencia-se, porém, a dificuldade que enfrenta o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, fiel cumpridor de ordens do presidente Jair Bolsonaro, para disseminar provocações.
No máximo, o que já temos visto: estrondosos efeitos especiais. Sejam em notas oficiais de fingido protesto contra o inexistente, seja na forma de um carnaval fora de época, como o que armou ontem, em Brasília, para uma cenográfica manobra militar. Ao contrário das habituais, esta foi ao encontro do presidente na Praça dos Três Poderes, interpretada como demonstração de força bélica contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional.
Nos seus desafios à Constituição, Bolsonaro
incide na ilusão de que conta com todos os segmentos armados da República –
militares, policiais federais e estaduais, milícias, guardas municipais, civis
municiados pelos seus decretos armamentistas, seguidores fanáticos dispostos a
matar ou morrer. Além da sua disposição para intimidar, ameaçar, pressionar,
comprar obediência a seus caprichos.
Não pode, porém, ter certeza daquilo que
Collor também não teve: a capacidade de arrastar as Forças Armadas para a
margem da lei. Embora Braga Netto faça questão de incluir os militares em todas
as confusões políticas, da ameaça às eleições de 2022 ao ataque à CPI da Covid,
a cúpula não parece comprometida com os devaneios bolsonaristas. Ao contrário,
parece cansada da obrigação de assinar em conjunto os memorandos políticos.
Não seguirá, também, o deputado Arthur
Lira, que forma o triunvirato de poder dessa miragem extravagante. O presidente
da Câmara curvou-se à intervenção do ministro da Defesa e esticou para o
plenário a votação da emenda do voto impresso, já arquivada na comissão
especial. Permitiu, assim, mais um lance do leilão encerrado, criando a chance
de virar votos ou emendar o texto. Lira vislumbrou servir a dois senhores: à
Constituição e a Bolsonaro. Inconciliáveis.
Do lado contrário está a consciência
legalista da Nação. Além do Supremo, o Tribunal Superior Eleitoral e o Senado
Federal são instituições que se destacaram nesta luta, fazendo emergir, com seu
poder de convencimento, lideranças até então discretas da sociedade civil.
Empresários, banqueiros, acadêmicos, artistas, partidos políticos, juristas,
ex-ministros da Justiça e da Defesa, todos denunciando o risco à democracia e o
isolamento internacional extremo a que o Brasil está submetido. Bolsonaro
insultou a Europa, os Estados Unidos, a China, está em confronto com a
Argentina, a Venezuela, a Bolívia, o Peru.
O presidente não vai parar sua escalada
contra a urna eletrônica, nem deixará de inventar novos fantasmas para ocultar
as terríveis estatísticas que o acompanham: 563 mil mortos pela pandemia,
inflação, miséria, desemprego e corrupção.
Para os sintomas diários de insanidade do
governo de nada servem os recursos da psiquiatria convencional, como se cogitou
nas ondas agudas da crise. Psiquiatra de rei é impeachment.
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