EDITORIAIS
Congresso acerta ao enterrar PEC do voto
impresso
O Globo
As cenas testemunhadas ontem em Brasília
foram de um didatismo fora do comum. Diante da intimidação das armas, o debate
democrático. Diante da ameaça golpista, a soberania do Congresso Nacional. Pela
manhã, tanques, caminhões e camionetes das Forças Armadas fizeram um desfile
ridículo, fora do calendário e anunciado de última hora. Uma faixa da via onde
estão prédios que abrigam os três Poderes da República foi obstruída para a
passagem de veículos ultrapassados, soltando fumaça.
Um dos oficiais presentes à presepada
desceu do carro e subiu a rampa do Palácio do Planalto onde estavam o
presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, os comandantes
do Exército, Aeronáutica e Marinha e poucos ministros. Como parte da encenação,
o oficial entregou um convite para o presidente comparecer a exercícios da
Marinha em Goiás, com a participação das duas outras Forças.
Na era da comunicação digital, não havia justificativa racional para tamanha mobilização. O que Bolsonaro queria era usar a ocasião para tentar intimidar o Congresso no dia previsto para a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tentava estabelecer a volta do voto impresso. Sabendo que os deputados votariam contra, decidiu encenar uma exibição de armas fora de tom e de lugar, estratégia mais comum em republiquetas de bananas e áreas dominadas por milícias.
Foi o último e o mais triste capítulo da
cruzada sem pé nem cabeça de Bolsonaro contra a lisura do processo eleitoral.
Sentindo que a reeleição poderá ser difícil em 2022, ele se lançou com tudo
neste ano a uma campanha de mentiras contra as urnas eletrônicas. Em caso de
derrota, seu sonho parece ser repetir no Brasil uma revolta ao estilo da que os
trumpistas derrotados promoveram no dia 6 de janeiro em Washington. Com ampla
oportunidade para trazer evidências que sustentassem suas acusações descabidas
de fraude, não foi capaz de produzir uma única prova.
Na semana passada, o Tribunal Superior
Eleitoral e o Supremo decidiram dar um basta no desvario de Bolsonaro,
transformado em alvo de inquéritos. Na noite de ontem, o basta veio da
instituição basilar da democracia, o Congresso Nacional. O presidente da
Câmara, Arthur Lira, resolvera agradar a Bolsonaro levando a plenário a PEC do
voto impresso, mesmo depois de derrotada na Comisão Especial. O placar não
deixou dúvida: ela foi rejeitada.
O fumacê dos canos de escapamento dos
blindados em plena Esplanada dos Ministérios serviu para alimentar especulações
sobre a adesão dos militares aos delírios golpistas de Bolsonaro. Não há motivo
para isso. A fancaria de ontem só serve para envergonhar aqueles que dela
participaram, em particular quando comparados a outros que, quando ocuparam
cargos de comando, tiveram a altivez de resistir às ordens amalucadas do
presidente.
Numa demonstração da força da democracia
brasileira, Bolsonaro perdeu até apelando a tanques nas ruas. Caso continue na
mesma toada, perderá de novo. Brasília não é Caracas. O Alto-Comando, a
esmagadora maioria dos oficiais das Forças Armadas, os tribunais e as demais
instituições, a sociedade civil e o empresariado não embarcarão em nenhuma
aventura antidemocrática.
Decreto para proibir redes sociais de
apagar posts é arbitrário e sem sentido
O Globo
Não deixa de ser irônico que, embora deva
sua ascensão à propaganda nas redes sociais, a extrema direita alimente a
ilusão de que seus representantes sejam perseguidos e censurados nelas. Houve
chiadeira quando Facebook e Twitter suspenderam as contas de Donald Trump
depois que ele as usou para incitar a invasão do Capitólio. Ou quando YouTube e
outras redes excluíram vídeos do presidente Jair Bolsonaro veiculando
desinformação sobre a pandemia. A paranoia levou Bolsonaro a, pela segunda vez,
anunciar que baixará um decreto proibindo as redes de tirar do ar posts sem
ordem judicial. Trata-se de medida arbitrária e sem sentido.
Regular o discurso no meio digital não é
trivial — e não se pode dizer que alguma sociedade tenha desempenhado a tarefa
a contento. Os critérios das plataformas são opacos e nem sempre justificáveis.
Nunca se sabe com base em que motivo este post ou aquela conta saíram do ar.
Como as redes se tornaram centrais na política, o desejável é que se submetam a
regras transparentes, capazes de garantir a liberdade de expressão de todas as
correntes de opinião, mas ao mesmo tempo limitar os abusos previstos na lei.
Se é verdade que elas próprias não deveriam
determinar o que podem ou não fazer, as regras também não deveriam emanar dos
desejos de Bolsonaro. O Congresso é o foro adequado para discutir como mediar a
liberdade de expressão dos usuários e a responsabilidade de quem abusa dela
para cometer crimes. Acelerar o Projeto de Lei das Fake News, aprovado no Senado
e em tramitação na Câmara, seria um bom começo. Diante da demora do Parlamento,
é natural que os atores em conflito tentem ocupar o vácuo.
De um lado, as plataformas instauram suas
regras. O Facebook criou um Comitê de Supervisão externo que manteve por dois
anos a suspensão das contas de Trump e que, embora não tenha amparo legal,
chegou a ser comparado à Suprema Corte. Do outro, políticos como Bolsonaro se
aproveitam para tentar usar as redes em benefício próprio e curvá-las a seus
interesses.
O que Trump e Bolsonaro querem é evidente:
licença para mentir impunemente. Mas mentir, por si só, não é crime. Políticos
mentem desde sempre, e nisso nem Trump nem Bolsonaro inovaram. Apenas quando as
mentiras causam os danos previstos na lei — como calúnia, injúria e difamação,
incitação à violência ou prejuízo à saúde pública — deveriam ser cerceadas.
Ao contrário do que quer Bolsonaro, é importante que as redes possam fazê-lo de modo ágil, sem necessidade de ordem judicial, para que consigam coibir os efeitos nefastos da desinformação. É o que a lei deveria induzi-las a fazer. O problema só existe porque, tanto aqui quanto lá fora, a regulação benevolente permite que as redes sociais não arquem com nenhuma responsabilidade pelo que veiculam. Se tivessem de remover conteúdos danosos assim que notificadas pelas partes atingidas, em vez de poder esperar decisões judiciais, certamente elas seriam um ambiente mais civilizado e propício ao diálogo democrático.
Na falta de votos, tanques
O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro deu ontem uma
demonstração cabal de seu profundo isolamento político e de sua fragilidade
como governante. A título de exibir força e reafirmar sua condição de
comandante das Forças Armadas, Bolsonaro ordenou que a Marinha realizasse um
desfile com veículos blindados no coração de Brasília, no dia em que estava
programada, na Câmara, a votação da chamada PEC do Voto Impresso.
Tratou-se de evidente tentativa de
intimidar os parlamentares e, de quebra, as Cortes superiores, que têm sido o
esteio da resistência à escalada autoritária de Bolsonaro. Se pretendia fazer
as instituições democráticas se acoelharem, contudo, Bolsonaro fracassou.
A reação do Congresso foi imediata e dura.
Mesmo o presidente da Câmara, Arthur Lira, que tanto tem se esforçado para
minimizar os atos insanos e antidemocráticos de Bolsonaro, admitiu que a
realização de um desfile militar em Brasília no momento em que a Câmara votaria
matéria de profundo interesse do presidente foi “uma coincidência trágica”,
que, “num país polarizado, dá cabimento para que se especule algum tipo de
pressão”.
Já o presidente da CPI da Pandemia, senador
Omar Aziz, usou as palavras corretas: “Todo homem público, além de cumprir suas
funções constitucionais, deveria ter medo do ridículo, mas Bolsonaro não liga
para nenhum desses limites, como fica claro nessa cena patética de hoje (ontem), que mostra apenas uma
ameaça de um fraco que sabe que perdeu”.
O diagnóstico é preciso. Ao dar a ordem
para que o comboio da Marinha, parte de uma operação militar rotineira, fosse
usado em uma constrangedora encenação cesarista, Bolsonaro provavelmente
reduziu ainda mais as escassas chances que tinha de aprovar a tal PEC do Voto
Impresso. Ao saber-se sem votos, Bolsonaro apelou para os tanques.
Com isso, Bolsonaro desmoralizou (ainda
mais) as Forças Armadas, que imprudentemente se deixaram enredar pelo governo
daquele que, como todos sabem, saiu do Exército como mau militar.
Quando, em março, Bolsonaro trocou
intempestivamente os comandantes das Forças Armadas e o ministro da Defesa,
Fernando Azevedo, porque estes haviam se recusado a transformar os quartéis em
linha auxiliar do bolsonarismo, já deveria ter ficado claro que o presidente
não se deixaria constranger por qualquer limite da Constituição e do bom senso.
Quando o novo ministro da Defesa, Braga Netto, a quem cabe gerenciar as Forças
Armadas, mandou dizer ao presidente da Câmara que ou se aprovava a PEC do Voto
Impresso ou não haveria eleições em 2022, a escalada autoritária ficou ainda
mais explícita.
Nesse contexto, o espetáculo deprimente
organizado por Bolsonaro e seu ministro da Defesa ontem em Brasília serviu
apenas para confirmar o que já estava evidente para todos os brasileiros: o
presidente é hostil à democracia.
Não há volta para um gesto truculento como
esse, que foi além das já habituais agressões e mentiras do presidente contra
ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.
O desfile militar realizado em meio a
ameaças de golpe não dará um único voto a mais para o presidente no Congresso
nem muito menos reverterá julgamentos contra ele nas Cortes superiores, mas, a
esta altura, o mais provável é que Bolsonaro tenha outro objetivo em mente:
manter seus camisas pardas em estado de mobilização permanente e estimular a
confusão nas Forças Armadas para tumultuar as eleições do ano que vem.
Ao presidente parece importar pouco, a esta
altura, que seus tresloucados gestos e discursos façam o País parecer mais e
mais com uma república bananeira, para vergonha internacional. Bolsonaro
escolheu o caminho do confronto, o único que conhece, e nessa aventura
liberticida ele só dá ouvidos aos urros de seus fanáticos seguidores, excitados
com a visão de tanques na rua.
Como comentou o ex-ministro da Defesa Raul
Jungmann, esse despautério de Bolsonaro se presta a criar a ilusão de que as
Forças Armadas, instituições de Estado, existem para defendê-lo, mas tal ilusão
“se voltará contra ele e provocará sua derrota”. Que assim seja.
Aperto contra a inflação
O Estado de S. Paulo
Com a inflação desembestada e ameaçando
romper todos os limites em 2021, resta ao Banco Central (BC) apertar sua
política e tentar enquadrar os preços em 2022. Juros de 7% no fim deste ano e
ao longo do próximo já estão claramente indicados no plano de ação do Copom, o
Comitê de Política Monetária do BC. Sem eufemismo, a palavra “aperto” é usada
para definir a nova estratégia anti-inflacionária. O termo aparece na ata da
última reunião do comitê, realizada na primeira semana de agosto. O
jogo mais duro começou nessa reunião, com a elevação da taxa básica, a Selic,
de 4,25% para 5,25% ao ano. Os aumentos anteriores haviam sido de 0,75 ponto
porcentual.
Se faltasse algum dado para justificar o
aumento de juros, bastaria ver a inflação oficial: 0,96% em julho, 4,76% no ano
e 8,99% em 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
A nova taxa foi a maior para um mês de julho desde 2002, quando a variação foi
de 1,19%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
Divulgados uma hora depois da ata do Copom,
esses números confirmam um desarranjo muito maior que aquele observado, como
efeito da pandemia, na maior parte do mundo. A inflação anual no Grupo dos 20
(G-20), formado pelas maiores economias do mundo, chegou a 4,6% em junho, quando
a taxa acumulada no Brasil bateu em 8,35%, número superado, nesse conjunto de
países, só pelos desastrosos 50,2% da Argentina.
No mercado brasileiro, as estimativas da
alta de preços têm piorado seguidamente. O IPCA chegará a 6,88% no fim do ano,
se os fatos confirmarem a mediana das projeções publicadas na última
segunda-feira. Um mês antes essa mediana estava em 6,11%, segundo a
pesquisa Focus, conduzida semanalmente pelo BC. De acordo com a mesma
pesquisa, até dezembro a taxa básica de juros atingirá 7,25%, superando por
0,25 ponto o patamar já admitido pelo Copom.
Uma inflação de 6,88% ficará muito acima do
limite de tolerância, de 5,25%. Já nem se fala da meta deste ano (3,75%). Mas,
pela projeção do mercado, também a meta do próximo ano, de 3,5%, será
ultrapassada pela alta de preços, estimada em 3,84%. Além disso, os economistas
do mercado estendem até o fim de 2022 a previsão de juros de 7,25%. Com mais
otimismo, o Copom calcula para 2022 uma inflação compatível com a meta, mas
isso dependerá do aperto recém-começado.
No cenário básico do Copom, o IPCA terá
subido 6,5% até o fim deste ano. Qualquer das duas projeções, do Copom ou do
mercado (6,88%), só será confirmada se uma dura freada for imposta à alta de
preços. Nada permite prever, ainda, um avanço mais lento do IPCA neste
semestre. Ao contrário: novas pressões poderão surgir, segundo admitem também
os membros do Copom, com a normalização dos preços dos serviços e com os
efeitos da seca. Além disso, há o risco de um repasse maior das altas de preços
por atacado.
O conjunto desses preços aumentou 1,65% em
julho, 19,85% no ano e 43,85% em 12 meses, segundo a Fundação Getulio Vargas
(FGV). Esses valores têm sido inflados pelas cotações internacionais de
alimentos e minérios e por desajustes no suprimento de insumos industriais,
como componentes eletrônicos. O repasse desses aumentos ao varejo tem sido
limitado pelas condições do consumo, afetadas pelo desemprego e pela perda de
renda das famílias.
Em qualquer circunstância a inflação é mais
dolorosa para as pessoas de baixa renda, porque seu orçamento é pouco flexível
e pouco ajustável a condições difíceis. Além disso, no Brasil a inflação dos
pobres tem superado a dos mais abonados ou menos desfavorecidos. Em julho, o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), baseado no orçamento das
famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, subiu 1,02%, segundo o
IBGE. A alta chegou a 5,01% no ano e a 9,22% em 12 meses. Os mais afetados pela
disparada dos preços são também os mais sujeitos ao desemprego, ao subemprego e
à informalidade. Para esses, o aperto é permanente, principalmente no orçamento
destinado ao pão – quando possível – de cada dia.
MEC acéfalo
O Estado de S. Paulo
O Ministério da Educação (MEC) segue
acéfalo. Quem nutria alguma esperança de resgate da pasta com a troca de
Abraham Weintraub por Milton Ribeiro pode se contentar apenas com a fala mansa
e os bons modos do atual titular da pasta, pois este é o único traço distintivo
entre os dois. A visão estrita e a obediência cega ao presidente Jair Bolsonaro
são rigorosamente as mesmas.
Cada entrevista que o ministro Milton
Ribeiro concede, cada pronunciamento que faz, logo se convertem em lamentáveis
oportunidades para a Nação constatar que suas preocupações, assim como as do
antecessor de ignominiosa memória, passam ao largo das questões mais prementes
para os milhões de crianças, jovens e adultos que dependem de políticas
públicas de educação assertivas e bem implementadas para seu desenvolvimento
pessoal e, como corolário, para a construção de um futuro mais auspicioso para
o Brasil.
Em setembro do ano passado, Ribeiro afirmou
em espantosa entrevista ao Estado que
não constava de seu rol de atribuições cuidar de temas como o planejamento da
reabertura segura das escolas durante a pandemia de covid-19 nem tampouco
coordenar as ações para mitigar as enormes dificuldades que os alunos da rede
pública têm para acompanhar remotamente as aulas, tanto do ponto de vista
pedagógico como tecnológico.
Mais recentemente, em pronunciamento em
cadeia de rádio e TV, o ministro da Educação distorceu uma decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF), tal como faz seu chefe, para cobrar de governadores e
prefeitos a reabertura das escolas, sem ter movido uma palha, dentro de suas
competências constitucionais, para auxiliar os entes federativos neste importante
planejamento.
Nesta semana, durante uma entrevista ao
programa Sem Censura, da
emissora estatal TV Brasil, o ministro Milton Ribeiro tornou a impressionar a
Nação pelas razões erradas. Ao tratar das universidades federais, afirmou que
os reitores “não precisam ser bolsonaristas, mas também não precisam ser
esquerdistas, não podem ser lulistas”. Segundo Ribeiro, o papel dos reitores é
“cuidar da educação, e ponto final”. Noves fora a platitude, o País ganharia
muito se o ministro da Educação também se ocupasse de “cuidar da educação” em
vez de estabelecer critérios, tirados sabe-se lá de onde, para definir quem
pode ou não pode assumir a reitoria de uma universidade federal.
Ademais, ao revelar que associa a eventual
afiliação político-ideológica de um reitor a todo o trabalho pedagógico e
científico desenvolvido por uma universidade federal, o ministro Ribeiro
demonstra um desconhecimento alarmante para alguém que ocupa o cargo de
ministro da Educação.
Na entrevista à TV Brasil, o ministro
também defendeu os cursos profissionalizantes de nível técnico, tidos por
Ribeiro como “grandes vedetes do futuro”. As universidades, disse Ribeiro,
seriam “para poucos”, haja vista que hoje “há muitos engenheiros dirigindo
Uber”.
O raso pensamento do ministro da Educação, que
quase tudo reduz às lides políticas, por vezes fantasiosas, é o retrato mais
bem acabado da visão tacanha que o próprio presidente Bolsonaro tem da
educação, em geral, e das universidades federais, em particular, ambientes
tidos como fronts de
uma “guerra cultural” entre direita e esquerda que, a rigor, só existe na sua
cabeça e nas cabeças daqueles que aceitam apoiar ou servir a este governo
flagrantemente hostil à educação, seja por ignorância, seja por interesses
inconfessáveis.
A bem da verdade, é de lamentar esta
pequenez do pensamento do ministro Ribeiro, mas não chega a impressionar. O que
seria impressionante é haver um ministro da Educação neste governo à altura da
importância e dos desafios do MEC. O abastardamento da pasta, uma das mais importantes
da Esplanada, talvez seja a mais bem-sucedida “política” implementada pelo
governo de Jair Bolsonaro. E uma das mais perniciosas. Levará anos até que os
estragos causados na área de educação sejam remediados, para prejuízo de uma
geração de brasileiros.
Canhões de agosto
Folha de S. Paulo
Parada patética de Bolsonaro rebaixa as
Forças Armadas e a imagem do país
A imagem de dois carros de combate leves do
Corpo de Fuzileiros Navais, com motores fumando profusamente em frente ao
Planalto, não poderia ser mais reveladora.
Os claudicantes veículos eram, afinal, o
que mais se aproxima da definição de tanque no despropositado desfile
militar concebido pela Marinha para que Jair Bolsonaro e Walter
Braga Netto pudessem afrontar simbolicamente os Poderes Judiciário e
Legislativo. Como previsível, o efeito foi exatamente o oposto do desejado.
O episódio remete aos estertores da
ditadura em 1984, quando a emenda das Diretas Já sucumbiu sob cenas igualmente
patéticas do notório general Newton Cruz, só para atestar o óbito do regime.
Para as Forças Armadas, foi uma derrota
moral e um certificado adicional da enrascada em que os fardados se meteram ao
apoiar Bolsonaro e ajudá-lo a montar seu governo. Não que fosse necessário,
após a fúnebre passagem do general Eduardo Pazuello pela Saúde.
Naturalmente, é preocupante ver o
comandante naval se unir ao ministro da Defesa e ao chefe da Aeronáutica como
animadores dos delírios do bolsonarismo.
Mas a vacuidade da parada, que desviou
blindados e um punhado dos tais tanques fumacentos de seu treinamento em
Formosa (GO), acentuou o ar farsesco. Concorre para isso o silêncio do
comandante do Exército, Força mais importante, Paulo Sérgio Oliveira.
Mesmo que os relatos de que o general se
viu constrangido pelo desfile sejam convenientes, é por ora certo que a
resistência a arroubos autoritários de Bolsonaro é ampla na cúpula militar, a
despeito da identificação com bandeiras como a do voto impresso.
Parte disso se deve à noção da
impropriedade que qualquer aventura fora da Constituição, como Bolsonaro já
sugeriu lançar mão, a começar pela reação no exterior: o Brasil viraria pária a
ser isolado.
Uma amostra disso se notou nesta terça
(10), com o já ridicularizado presidente sendo descrito em veículos importantes
como projeto de ditador de república bananeira.
À diferença de 1964, quando a reação
militar a João Goulart tinha franco apoio dos EUA, na semana passada duas altas
autoridades em visita a Brasília fizeram
questão de apoiar o sistema eleitoral.
Em “Os Canhões de Agosto” (1962), a historiadora
americana Barbara Tuchman descreveu como o sistema de alianças europeias levou
de forma inexorável à Primeira Guerra, em 1914. No agosto de 2021, sob o blefe
bolsonarista, são os militares que parecem rumar a um abismo por suas escolhas.
Mais gasto, menos PIB
Folha de S. Paulo
Com degradação fiscal, governo condena mais
brasileiros a dependerem de socorro
Enquanto Jair Bolsonaro aposta em mais
gasto público e assistência social para impulsionar a campanha à reeleição,
acumulam-se entraves
ao crescimento econômico —o fator mais decisivo para a superação
do desemprego e da pobreza— a partir de 2022.
Já não se esperava um desempenho brilhante.
As projeções iniciais de analistas do mercado rondavam os 2,5% no próximo ano, depois
de uma taxa na casa dos 5% neste 2021. Entretanto as estimativas estão em queda
desde março, mal passando dos 2% agora.
Entre os principais motivos para o
pessimismo, apenas um não está diretamente associado ao descrédito do governo.
Trata-se da perspectiva de escassez de energia elétrica em razão da crise
hídrica, que, ainda assim, tende a ser acentuada pela inépcia do Executivo.
As digitais governistas são mais visíveis
no aumento da inflação, boa parte dele decorrente da alta do dólar —e as inconsistências
da política econômica fizeram da moeda brasileira uma das que mais perderam
valor no mundo.
Divulgou-se nesta terça (10) que o IPCA
teve variação de 0,96% em julho, a maior para o período desde 2002, e
de 8,99% em 12 meses, muito acima da meta de 3,75% fixada para o ano. A agravar
o impacto sobre os mais pobres, os alimentos ficaram 13,27% mais caros desde
agosto de 2020.
A consequência óbvia é a elevação dos juros
do Banco Central, que já saltaram de 2% para 5,25% anuais e devem chegar aos
7,25% até o final do ano, pelas estimativas mais consensuais. Necessária para
evitar um mal maior, a medida leva a menos consumo, menos investimento e,
portanto, menos crescimento do Produto Interno Bruto.
Como a desvalorização cambial, a alta dos
juros também está
relacionada à incerteza quanto ao equilíbrio do Orçamento do governo e
a evolução da dívida pública. Quanto maiores os riscos, maiores as taxas
cobradas pelos credores.
O governo Bolsonaro agravou esse quadro ao
apresentar, na segunda (9), proposta de emenda constitucional que permite ao
Tesouro parcelar o pagamento de dívidas conhecidas como precatórios a partir de
2022. Com o calote, abre-se espaço para a ampliação da despesa pública no ano
eleitoral.
Assim se viabiliza a expansão
do Bolsa Família, agora rebatizado Auxílio Brasil. O reforço da
proteção social é necessário e seu formato merece debate qualificado; a
deterioração orçamentária —para nem mencionar a balbúrdia política e
institucional— solapa a economia e condena mais brasileiros a dependerem do
socorro oficial.
Um alerta para a tragédia ambiental que se
aproxima
Valor Econômico
Episódios como o Mediterrâneo em chamas,
Alemanha sob grandes enchentes, secas devastadoras na Austrália, se repetirão
mais vezes e com mais força no planeta
A Terra está a caminho de se transformar,
em poucas décadas, em um ambiente hostil à vida humana. Um relatório do Painel
Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) apresentou cenários
dramáticos, que só são novidade pela drástica redução dos prazos para que se
reverta uma catástrofe anunciada, antevista nos cada vez mais frequentes
eventos climáticos extremos. O relatório do IPCC é um chamado urgente para se
evitar o pior cenário - o melhor parece, a esta altura, já ser inatingível. A
ocasião para dar os passos decisivos no combate ao aquecimento global é a
CoP-26, em novembro, em Glasgow.
Desde 1970, cada década transcorrida é mais
quente que todas as outras anteriores. As evidências de que se caminha rumo um
desastre se avolumam. De 1950 para cá, as ondas de calor extremo cresceram em
número e intensidade, o oposto do que ocorreu com as de frio. Entre 2011 e 2020
o Mar Ártico exibiu seu menor nível desde 1850 e o recuo observado nos
glaciares desde 1950 jamais havia sido visto em 2 mil anos. A concentração de
CO2 na atmosfera, um dos principais gases causadores do efeito-estufa, é a
maior em 2 milhões de anos, assim como as de metano e óxido nitroso são as mais
altas em 800 mil anos.
As consequências mais funestas do
aquecimento global poderiam ser evitadas se o corte de emissões dos gases de
efeito estufa fossem suficientes para manter o aumento de temperatura do
planeta a 1,5 grau Celsius. Já se chegou a 1,1 C e os cientistas do IPCC
calculam que em pouco mais de uma década se chegará lá. O orçamento de carbono,
isto é, a quantidade a ser emitida na atmosfera que permitiria limitar o
acréscimo a 1,5 C, se esgota rapidamente. Restam 300 bilhões de toneladas de
CO2 para atingir o limiar - para comparação, em 2019 foram 34 bilhões.
Episódios como o Mediterrâneo e a
Califórnia em chamas, Alemanha e China debaixo de grandes enchentes, secas
devastadoras na Austrália, se repetirão mais vezes e com mais força. O IPCC
traçou 5 cenários de acordo com a elevação da temperatura global. Depois do
piso de 1,5 C vem o de 2 C, que já é desafiador.
No caso do Brasil, nesse cenário, o sul da
Amazônia ficará mais dias sem chuva do que antes, em um processo de
“savanização”. Já com 50% de sua cobertura devastada, o Cerrado, de onde se
origina a maior parte dos grãos exportados, passará por mais secas, com
temperaturas maiores. O gigantesco incêndio do Pantanal foi uma avant- première
do que está por vir. O Nordeste tende à desertificação, enquanto que as grandes
cidades do Sudeste serão inundadas com mais frequência por chuvas muito
intensas e irregulares. As faixas costeiras já estão sendo engolidas pelo
aumento do nível do mar em um processo que ameaça portos e infraestrutura
urbanas.
Dois ícones naturais correm o risco de
destruição. Parte da Amazônia já emite mais gases de efeito estufa do que
sequestra da atmosfera e se a floresta atingir um ponto de não retorno, cada
vez mais próximo, uma das faunas e floras mais ricas do planeta será
exterminada. Até 2050, por pelo menos uma vez não haverá gelo no Ártico no pico
do verão.
Perdeu-se tempo precioso para que os
principais poluidores mundiais executassem cortes de emissões vigorosos e
sustentados e se chegasse a um acordo global eficiente contra o aquecimento.
Desde a CoP-15 de Copenhague (2009), passando pelo período negacionista de
Donald Trump, os países evitaram encarar de frente a questão - hoje, para o
governo brasileiro, a questão sequer existe. O Acordo de Paris retomou a
iniciativa ambiental e em Glasgow 195 nações foram instadas a rever para cima
suas metas de corte das emissões. O prazo para isso era julho e apenas 110 o
fizeram. Com suas ambições relatadas, a Terra chega a 2100 com aumento de mais
de 2 C de temperatura.
Parte dos danos já ocorridos no ambiente
são irreversíveis e os que são reversíveis levarão milhares de anos para isso,
alertam os cientistas. Tanto quanto reduzir ao máximo as emissões - para evitar
ultrapassar os 1,5 C seria necessário que o pico delas fosse atingido em 2030 e
se chegasse ao carbono zero em 2050 - a mitigação dos efeitos tornou-se tarefa
urgente e essencial.
O governo brasileiro não faz nada disso e o
produto da gestão Bolsonaro são dois anos de desmatamento intenso na Amazônia,
os maiores em mais de uma década. O país usou o truque de rever a base de sua
meta de cortes para poder emitir mais. O presidente recebeu uma líder
neo-nazista alemã, mas não o britânico Alok Sharma, o presidente da CoP-26 que
visitou o país. Bolsonaro continuará patrocinando a devastação ambiental.
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