quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

Congresso acerta ao enterrar PEC do voto impresso

O Globo

As cenas testemunhadas ontem em Brasília foram de um didatismo fora do comum. Diante da intimidação das armas, o debate democrático. Diante da ameaça golpista, a soberania do Congresso Nacional. Pela manhã, tanques, caminhões e camionetes das Forças Armadas fizeram um desfile ridículo, fora do calendário e anunciado de última hora. Uma faixa da via onde estão prédios que abrigam os três Poderes da República foi obstruída para a passagem de veículos ultrapassados, soltando fumaça.

Um dos oficiais presentes à presepada desceu do carro e subiu a rampa do Palácio do Planalto onde estavam o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, os comandantes do Exército, Aeronáutica e Marinha e poucos ministros. Como parte da encenação, o oficial entregou um convite para o presidente comparecer a exercícios da Marinha em Goiás, com a participação das duas outras Forças.

Na era da comunicação digital, não havia justificativa racional para tamanha mobilização. O que Bolsonaro queria era usar a ocasião para tentar intimidar o Congresso no dia previsto para a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tentava estabelecer a volta do voto impresso. Sabendo que os deputados votariam contra, decidiu encenar uma exibição de armas fora de tom e de lugar, estratégia mais comum em republiquetas de bananas e áreas dominadas por milícias.

Foi o último e o mais triste capítulo da cruzada sem pé nem cabeça de Bolsonaro contra a lisura do processo eleitoral. Sentindo que a reeleição poderá ser difícil em 2022, ele se lançou com tudo neste ano a uma campanha de mentiras contra as urnas eletrônicas. Em caso de derrota, seu sonho parece ser repetir no Brasil uma revolta ao estilo da que os trumpistas derrotados promoveram no dia 6 de janeiro em Washington. Com ampla oportunidade para trazer evidências que sustentassem suas acusações descabidas de fraude, não foi capaz de produzir uma única prova.

Na semana passada, o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo decidiram dar um basta no desvario de Bolsonaro, transformado em alvo de inquéritos. Na noite de ontem, o basta veio da instituição basilar da democracia, o Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Arthur Lira, resolvera agradar a Bolsonaro levando a plenário a PEC do voto impresso, mesmo depois de derrotada na Comisão Especial. O placar não deixou dúvida: ela foi rejeitada.

O fumacê dos canos de escapamento dos blindados em plena Esplanada dos Ministérios serviu para alimentar especulações sobre a adesão dos militares aos delírios golpistas de Bolsonaro. Não há motivo para isso. A fancaria de ontem só serve para envergonhar aqueles que dela participaram, em particular quando comparados a outros que, quando ocuparam cargos de comando, tiveram a altivez de resistir às ordens amalucadas do presidente.

Numa demonstração da força da democracia brasileira, Bolsonaro perdeu até apelando a tanques nas ruas. Caso continue na mesma toada, perderá de novo. Brasília não é Caracas. O Alto-Comando, a esmagadora maioria dos oficiais das Forças Armadas, os tribunais e as demais instituições, a sociedade civil e o empresariado não embarcarão em nenhuma aventura antidemocrática.

Decreto para proibir redes sociais de apagar posts é arbitrário e sem sentido

O Globo

Não deixa de ser irônico que, embora deva sua ascensão à propaganda nas redes sociais, a extrema direita alimente a ilusão de que seus representantes sejam perseguidos e censurados nelas. Houve chiadeira quando Facebook e Twitter suspenderam as contas de Donald Trump depois que ele as usou para incitar a invasão do Capitólio. Ou quando YouTube e outras redes excluíram vídeos do presidente Jair Bolsonaro veiculando desinformação sobre a pandemia. A paranoia levou Bolsonaro a, pela segunda vez, anunciar que baixará um decreto proibindo as redes de tirar do ar posts sem ordem judicial. Trata-se de medida arbitrária e sem sentido.

Regular o discurso no meio digital não é trivial — e não se pode dizer que alguma sociedade tenha desempenhado a tarefa a contento. Os critérios das plataformas são opacos e nem sempre justificáveis. Nunca se sabe com base em que motivo este post ou aquela conta saíram do ar. Como as redes se tornaram centrais na política, o desejável é que se submetam a regras transparentes, capazes de garantir a liberdade de expressão de todas as correntes de opinião, mas ao mesmo tempo limitar os abusos previstos na lei.

Se é verdade que elas próprias não deveriam determinar o que podem ou não fazer, as regras também não deveriam emanar dos desejos de Bolsonaro. O Congresso é o foro adequado para discutir como mediar a liberdade de expressão dos usuários e a responsabilidade de quem abusa dela para cometer crimes. Acelerar o Projeto de Lei das Fake News, aprovado no Senado e em tramitação na Câmara, seria um bom começo. Diante da demora do Parlamento, é natural que os atores em conflito tentem ocupar o vácuo.

De um lado, as plataformas instauram suas regras. O Facebook criou um Comitê de Supervisão externo que manteve por dois anos a suspensão das contas de Trump e que, embora não tenha amparo legal, chegou a ser comparado à Suprema Corte. Do outro, políticos como Bolsonaro se aproveitam para tentar usar as redes em benefício próprio e curvá-las a seus interesses.

O que Trump e Bolsonaro querem é evidente: licença para mentir impunemente. Mas mentir, por si só, não é crime. Políticos mentem desde sempre, e nisso nem Trump nem Bolsonaro inovaram. Apenas quando as mentiras causam os danos previstos na lei — como calúnia, injúria e difamação, incitação à violência ou prejuízo à saúde pública — deveriam ser cerceadas.

Ao contrário do que quer Bolsonaro, é importante que as redes possam fazê-lo de modo ágil, sem necessidade de ordem judicial, para que consigam coibir os efeitos nefastos da desinformação. É o que a lei deveria induzi-las a fazer. O problema só existe porque, tanto aqui quanto lá fora, a regulação benevolente permite que as redes sociais não arquem com nenhuma responsabilidade pelo que veiculam. Se tivessem de remover conteúdos danosos assim que notificadas pelas partes atingidas, em vez de poder esperar decisões judiciais, certamente elas seriam um ambiente mais civilizado e propício ao diálogo democrático.

Na falta de votos, tanques

O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro deu ontem uma demonstração cabal de seu profundo isolamento político e de sua fragilidade como governante. A título de exibir força e reafirmar sua condição de comandante das Forças Armadas, Bolsonaro ordenou que a Marinha realizasse um desfile com veículos blindados no coração de Brasília, no dia em que estava programada, na Câmara, a votação da chamada PEC do Voto Impresso.

Tratou-se de evidente tentativa de intimidar os parlamentares e, de quebra, as Cortes superiores, que têm sido o esteio da resistência à escalada autoritária de Bolsonaro. Se pretendia fazer as instituições democráticas se acoelharem, contudo, Bolsonaro fracassou.

A reação do Congresso foi imediata e dura. Mesmo o presidente da Câmara, Arthur Lira, que tanto tem se esforçado para minimizar os atos insanos e antidemocráticos de Bolsonaro, admitiu que a realização de um desfile militar em Brasília no momento em que a Câmara votaria matéria de profundo interesse do presidente foi “uma coincidência trágica”, que, “num país polarizado, dá cabimento para que se especule algum tipo de pressão”.

Já o presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz, usou as palavras corretas: “Todo homem público, além de cumprir suas funções constitucionais, deveria ter medo do ridículo, mas Bolsonaro não liga para nenhum desses limites, como fica claro nessa cena patética de hoje (ontem), que mostra apenas uma ameaça de um fraco que sabe que perdeu”.

O diagnóstico é preciso. Ao dar a ordem para que o comboio da Marinha, parte de uma operação militar rotineira, fosse usado em uma constrangedora encenação cesarista, Bolsonaro provavelmente reduziu ainda mais as escassas chances que tinha de aprovar a tal PEC do Voto Impresso. Ao saber-se sem votos, Bolsonaro apelou para os tanques.

Com isso, Bolsonaro desmoralizou (ainda mais) as Forças Armadas, que imprudentemente se deixaram enredar pelo governo daquele que, como todos sabem, saiu do Exército como mau militar.

Quando, em março, Bolsonaro trocou intempestivamente os comandantes das Forças Armadas e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, porque estes haviam se recusado a transformar os quartéis em linha auxiliar do bolsonarismo, já deveria ter ficado claro que o presidente não se deixaria constranger por qualquer limite da Constituição e do bom senso. Quando o novo ministro da Defesa, Braga Netto, a quem cabe gerenciar as Forças Armadas, mandou dizer ao presidente da Câmara que ou se aprovava a PEC do Voto Impresso ou não haveria eleições em 2022, a escalada autoritária ficou ainda mais explícita.

Nesse contexto, o espetáculo deprimente organizado por Bolsonaro e seu ministro da Defesa ontem em Brasília serviu apenas para confirmar o que já estava evidente para todos os brasileiros: o presidente é hostil à democracia.

Não há volta para um gesto truculento como esse, que foi além das já habituais agressões e mentiras do presidente contra ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.

O desfile militar realizado em meio a ameaças de golpe não dará um único voto a mais para o presidente no Congresso nem muito menos reverterá julgamentos contra ele nas Cortes superiores, mas, a esta altura, o mais provável é que Bolsonaro tenha outro objetivo em mente: manter seus camisas pardas em estado de mobilização permanente e estimular a confusão nas Forças Armadas para tumultuar as eleições do ano que vem.

Ao presidente parece importar pouco, a esta altura, que seus tresloucados gestos e discursos façam o País parecer mais e mais com uma república bananeira, para vergonha internacional. Bolsonaro escolheu o caminho do confronto, o único que conhece, e nessa aventura liberticida ele só dá ouvidos aos urros de seus fanáticos seguidores, excitados com a visão de tanques na rua.

Como comentou o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, esse despautério de Bolsonaro se presta a criar a ilusão de que as Forças Armadas, instituições de Estado, existem para defendê-lo, mas tal ilusão “se voltará contra ele e provocará sua derrota”. Que assim seja.

Aperto contra a inflação

O Estado de S. Paulo

Com a inflação desembestada e ameaçando romper todos os limites em 2021, resta ao Banco Central (BC) apertar sua política e tentar enquadrar os preços em 2022. Juros de 7% no fim deste ano e ao longo do próximo já estão claramente indicados no plano de ação do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. Sem eufemismo, a palavra “aperto” é usada para definir a nova estratégia anti-inflacionária. O termo aparece na ata da última reunião do comitê, realizada na primeira semana de agosto. O jogo mais duro começou nessa reunião, com a elevação da taxa básica, a Selic, de 4,25% para 5,25% ao ano. Os aumentos anteriores haviam sido de 0,75 ponto porcentual.

Se faltasse algum dado para justificar o aumento de juros, bastaria ver a inflação oficial: 0,96% em julho, 4,76% no ano e 8,99% em 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A nova taxa foi a maior para um mês de julho desde 2002, quando a variação foi de 1,19%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Divulgados uma hora depois da ata do Copom, esses números confirmam um desarranjo muito maior que aquele observado, como efeito da pandemia, na maior parte do mundo. A inflação anual no Grupo dos 20 (G-20), formado pelas maiores economias do mundo, chegou a 4,6% em junho, quando a taxa acumulada no Brasil bateu em 8,35%, número superado, nesse conjunto de países, só pelos desastrosos 50,2% da Argentina.

No mercado brasileiro, as estimativas da alta de preços têm piorado seguidamente. O IPCA chegará a 6,88% no fim do ano, se os fatos confirmarem a mediana das projeções publicadas na última segunda-feira. Um mês antes essa mediana estava em 6,11%, segundo a pesquisa Focus, conduzida semanalmente pelo BC. De acordo com a mesma pesquisa, até dezembro a taxa básica de juros atingirá 7,25%, superando por 0,25 ponto o patamar já admitido pelo Copom.

Uma inflação de 6,88% ficará muito acima do limite de tolerância, de 5,25%. Já nem se fala da meta deste ano (3,75%). Mas, pela projeção do mercado, também a meta do próximo ano, de 3,5%, será ultrapassada pela alta de preços, estimada em 3,84%. Além disso, os economistas do mercado estendem até o fim de 2022 a previsão de juros de 7,25%. Com mais otimismo, o Copom calcula para 2022 uma inflação compatível com a meta, mas isso dependerá do aperto recém-começado.

No cenário básico do Copom, o IPCA terá subido 6,5% até o fim deste ano. Qualquer das duas projeções, do Copom ou do mercado (6,88%), só será confirmada se uma dura freada for imposta à alta de preços. Nada permite prever, ainda, um avanço mais lento do IPCA neste semestre. Ao contrário: novas pressões poderão surgir, segundo admitem também os membros do Copom, com a normalização dos preços dos serviços e com os efeitos da seca. Além disso, há o risco de um repasse maior das altas de preços por atacado.

O conjunto desses preços aumentou 1,65% em julho, 19,85% no ano e 43,85% em 12 meses, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Esses valores têm sido inflados pelas cotações internacionais de alimentos e minérios e por desajustes no suprimento de insumos industriais, como componentes eletrônicos. O repasse desses aumentos ao varejo tem sido limitado pelas condições do consumo, afetadas pelo desemprego e pela perda de renda das famílias.

Em qualquer circunstância a inflação é mais dolorosa para as pessoas de baixa renda, porque seu orçamento é pouco flexível e pouco ajustável a condições difíceis. Além disso, no Brasil a inflação dos pobres tem superado a dos mais abonados ou menos desfavorecidos. Em julho, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), baseado no orçamento das famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, subiu 1,02%, segundo o IBGE. A alta chegou a 5,01% no ano e a 9,22% em 12 meses. Os mais afetados pela disparada dos preços são também os mais sujeitos ao desemprego, ao subemprego e à informalidade. Para esses, o aperto é permanente, principalmente no orçamento destinado ao pão – quando possível – de cada dia.

MEC acéfalo

O Estado de S. Paulo

O Ministério da Educação (MEC) segue acéfalo. Quem nutria alguma esperança de resgate da pasta com a troca de Abraham Weintraub por Milton Ribeiro pode se contentar apenas com a fala mansa e os bons modos do atual titular da pasta, pois este é o único traço distintivo entre os dois. A visão estrita e a obediência cega ao presidente Jair Bolsonaro são rigorosamente as mesmas.

Cada entrevista que o ministro Milton Ribeiro concede, cada pronunciamento que faz, logo se convertem em lamentáveis oportunidades para a Nação constatar que suas preocupações, assim como as do antecessor de ignominiosa memória, passam ao largo das questões mais prementes para os milhões de crianças, jovens e adultos que dependem de políticas públicas de educação assertivas e bem implementadas para seu desenvolvimento pessoal e, como corolário, para a construção de um futuro mais auspicioso para o Brasil.

Em setembro do ano passado, Ribeiro afirmou em espantosa entrevista ao Estado que não constava de seu rol de atribuições cuidar de temas como o planejamento da reabertura segura das escolas durante a pandemia de covid-19 nem tampouco coordenar as ações para mitigar as enormes dificuldades que os alunos da rede pública têm para acompanhar remotamente as aulas, tanto do ponto de vista pedagógico como tecnológico.

Mais recentemente, em pronunciamento em cadeia de rádio e TV, o ministro da Educação distorceu uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tal como faz seu chefe, para cobrar de governadores e prefeitos a reabertura das escolas, sem ter movido uma palha, dentro de suas competências constitucionais, para auxiliar os entes federativos neste importante planejamento.

Nesta semana, durante uma entrevista ao programa Sem Censura, da emissora estatal TV Brasil, o ministro Milton Ribeiro tornou a impressionar a Nação pelas razões erradas. Ao tratar das universidades federais, afirmou que os reitores “não precisam ser bolsonaristas, mas também não precisam ser esquerdistas, não podem ser lulistas”. Segundo Ribeiro, o papel dos reitores é “cuidar da educação, e ponto final”. Noves fora a platitude, o País ganharia muito se o ministro da Educação também se ocupasse de “cuidar da educação” em vez de estabelecer critérios, tirados sabe-se lá de onde, para definir quem pode ou não pode assumir a reitoria de uma universidade federal.

Ademais, ao revelar que associa a eventual afiliação político-ideológica de um reitor a todo o trabalho pedagógico e científico desenvolvido por uma universidade federal, o ministro Ribeiro demonstra um desconhecimento alarmante para alguém que ocupa o cargo de ministro da Educação.

Na entrevista à TV Brasil, o ministro também defendeu os cursos profissionalizantes de nível técnico, tidos por Ribeiro como “grandes vedetes do futuro”. As universidades, disse Ribeiro, seriam “para poucos”, haja vista que hoje “há muitos engenheiros dirigindo Uber”.

O raso pensamento do ministro da Educação, que quase tudo reduz às lides políticas, por vezes fantasiosas, é o retrato mais bem acabado da visão tacanha que o próprio presidente Bolsonaro tem da educação, em geral, e das universidades federais, em particular, ambientes tidos como fronts de uma “guerra cultural” entre direita e esquerda que, a rigor, só existe na sua cabeça e nas cabeças daqueles que aceitam apoiar ou servir a este governo flagrantemente hostil à educação, seja por ignorância, seja por interesses inconfessáveis.

A bem da verdade, é de lamentar esta pequenez do pensamento do ministro Ribeiro, mas não chega a impressionar. O que seria impressionante é haver um ministro da Educação neste governo à altura da importância e dos desafios do MEC. O abastardamento da pasta, uma das mais importantes da Esplanada, talvez seja a mais bem-sucedida “política” implementada pelo governo de Jair Bolsonaro. E uma das mais perniciosas. Levará anos até que os estragos causados na área de educação sejam remediados, para prejuízo de uma geração de brasileiros.

Canhões de agosto

Folha de S. Paulo

Parada patética de Bolsonaro rebaixa as Forças Armadas e a imagem do país

A imagem de dois carros de combate leves do Corpo de Fuzileiros Navais, com motores fumando profusamente em frente ao Planalto, não poderia ser mais reveladora.

Os claudicantes veículos eram, afinal, o que mais se aproxima da definição de tanque no despropositado desfile militar concebido pela Marinha para que Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto pudessem afrontar simbolicamente os Poderes Judiciário e Legislativo. Como previsível, o efeito foi exatamente o oposto do desejado.

O episódio remete aos estertores da ditadura em 1984, quando a emenda das Diretas Já sucumbiu sob cenas igualmente patéticas do notório general Newton Cruz, só para atestar o óbito do regime.

Para as Forças Armadas, foi uma derrota moral e um certificado adicional da enrascada em que os fardados se meteram ao apoiar Bolsonaro e ajudá-lo a montar seu governo. Não que fosse necessário, após a fúnebre passagem do general Eduardo Pazuello pela Saúde.

Naturalmente, é preocupante ver o comandante naval se unir ao ministro da Defesa e ao chefe da Aeronáutica como animadores dos delírios do bolsonarismo.

Mas a vacuidade da parada, que desviou blindados e um punhado dos tais tanques fumacentos de seu treinamento em Formosa (GO), acentuou o ar farsesco. Concorre para isso o silêncio do comandante do Exército, Força mais importante, Paulo Sérgio Oliveira.

Mesmo que os relatos de que o general se viu constrangido pelo desfile sejam convenientes, é por ora certo que a resistência a arroubos autoritários de Bolsonaro é ampla na cúpula militar, a despeito da identificação com bandeiras como a do voto impresso.

Parte disso se deve à noção da impropriedade que qualquer aventura fora da Constituição, como Bolsonaro já sugeriu lançar mão, a começar pela reação no exterior: o Brasil viraria pária a ser isolado.

Uma amostra disso se notou nesta terça (10), com o já ridicularizado presidente sendo descrito em veículos importantes como projeto de ditador de república bananeira.

À diferença de 1964, quando a reação militar a João Goulart tinha franco apoio dos EUA, na semana passada duas altas autoridades em visita a Brasília fizeram questão de apoiar o sistema eleitoral.

Em “Os Canhões de Agosto” (1962), a historiadora americana Barbara Tuchman descreveu como o sistema de alianças europeias levou de forma inexorável à Primeira Guerra, em 1914. No agosto de 2021, sob o blefe bolsonarista, são os militares que parecem rumar a um abismo por suas escolhas.

Mais gasto, menos PIB

Folha de S. Paulo

Com degradação fiscal, governo condena mais brasileiros a dependerem de socorro

Enquanto Jair Bolsonaro aposta em mais gasto público e assistência social para impulsionar a campanha à reeleição, acumulam-se entraves ao crescimento econômico —o fator mais decisivo para a superação do desemprego e da pobreza— a partir de 2022.

Já não se esperava um desempenho brilhante. As projeções iniciais de analistas do mercado rondavam os 2,5% no próximo ano, depois de uma taxa na casa dos 5% neste 2021. Entretanto as estimativas estão em queda desde março, mal passando dos 2% agora.

Entre os principais motivos para o pessimismo, apenas um não está diretamente associado ao descrédito do governo. Trata-se da perspectiva de escassez de energia elétrica em razão da crise hídrica, que, ainda assim, tende a ser acentuada pela inépcia do Executivo.

As digitais governistas são mais visíveis no aumento da inflação, boa parte dele decorrente da alta do dólar —e as inconsistências da política econômica fizeram da moeda brasileira uma das que mais perderam valor no mundo.

Divulgou-se nesta terça (10) que o IPCA teve variação de 0,96% em julho, a maior para o período desde 2002, e de 8,99% em 12 meses, muito acima da meta de 3,75% fixada para o ano. A agravar o impacto sobre os mais pobres, os alimentos ficaram 13,27% mais caros desde agosto de 2020.

A consequência óbvia é a elevação dos juros do Banco Central, que já saltaram de 2% para 5,25% anuais e devem chegar aos 7,25% até o final do ano, pelas estimativas mais consensuais. Necessária para evitar um mal maior, a medida leva a menos consumo, menos investimento e, portanto, menos crescimento do Produto Interno Bruto.

Como a desvalorização cambial, a alta dos juros também está relacionada à incerteza quanto ao equilíbrio do Orçamento do governo e a evolução da dívida pública. Quanto maiores os riscos, maiores as taxas cobradas pelos credores.

O governo Bolsonaro agravou esse quadro ao apresentar, na segunda (9), proposta de emenda constitucional que permite ao Tesouro parcelar o pagamento de dívidas conhecidas como precatórios a partir de 2022. Com o calote, abre-se espaço para a ampliação da despesa pública no ano eleitoral.

Assim se viabiliza a expansão do Bolsa Família, agora rebatizado Auxílio Brasil. O reforço da proteção social é necessário e seu formato merece debate qualificado; a deterioração orçamentária —para nem mencionar a balbúrdia política e institucional— solapa a economia e condena mais brasileiros a dependerem do socorro oficial.

Um alerta para a tragédia ambiental que se aproxima

Valor Econômico

Episódios como o Mediterrâneo em chamas, Alemanha sob grandes enchentes, secas devastadoras na Austrália, se repetirão mais vezes e com mais força no planeta

A Terra está a caminho de se transformar, em poucas décadas, em um ambiente hostil à vida humana. Um relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) apresentou cenários dramáticos, que só são novidade pela drástica redução dos prazos para que se reverta uma catástrofe anunciada, antevista nos cada vez mais frequentes eventos climáticos extremos. O relatório do IPCC é um chamado urgente para se evitar o pior cenário - o melhor parece, a esta altura, já ser inatingível. A ocasião para dar os passos decisivos no combate ao aquecimento global é a CoP-26, em novembro, em Glasgow.

Desde 1970, cada década transcorrida é mais quente que todas as outras anteriores. As evidências de que se caminha rumo um desastre se avolumam. De 1950 para cá, as ondas de calor extremo cresceram em número e intensidade, o oposto do que ocorreu com as de frio. Entre 2011 e 2020 o Mar Ártico exibiu seu menor nível desde 1850 e o recuo observado nos glaciares desde 1950 jamais havia sido visto em 2 mil anos. A concentração de CO2 na atmosfera, um dos principais gases causadores do efeito-estufa, é a maior em 2 milhões de anos, assim como as de metano e óxido nitroso são as mais altas em 800 mil anos.

As consequências mais funestas do aquecimento global poderiam ser evitadas se o corte de emissões dos gases de efeito estufa fossem suficientes para manter o aumento de temperatura do planeta a 1,5 grau Celsius. Já se chegou a 1,1 C e os cientistas do IPCC calculam que em pouco mais de uma década se chegará lá. O orçamento de carbono, isto é, a quantidade a ser emitida na atmosfera que permitiria limitar o acréscimo a 1,5 C, se esgota rapidamente. Restam 300 bilhões de toneladas de CO2 para atingir o limiar - para comparação, em 2019 foram 34 bilhões.

Episódios como o Mediterrâneo e a Califórnia em chamas, Alemanha e China debaixo de grandes enchentes, secas devastadoras na Austrália, se repetirão mais vezes e com mais força. O IPCC traçou 5 cenários de acordo com a elevação da temperatura global. Depois do piso de 1,5 C vem o de 2 C, que já é desafiador.

No caso do Brasil, nesse cenário, o sul da Amazônia ficará mais dias sem chuva do que antes, em um processo de “savanização”. Já com 50% de sua cobertura devastada, o Cerrado, de onde se origina a maior parte dos grãos exportados, passará por mais secas, com temperaturas maiores. O gigantesco incêndio do Pantanal foi uma avant- première do que está por vir. O Nordeste tende à desertificação, enquanto que as grandes cidades do Sudeste serão inundadas com mais frequência por chuvas muito intensas e irregulares. As faixas costeiras já estão sendo engolidas pelo aumento do nível do mar em um processo que ameaça portos e infraestrutura urbanas.

Dois ícones naturais correm o risco de destruição. Parte da Amazônia já emite mais gases de efeito estufa do que sequestra da atmosfera e se a floresta atingir um ponto de não retorno, cada vez mais próximo, uma das faunas e floras mais ricas do planeta será exterminada. Até 2050, por pelo menos uma vez não haverá gelo no Ártico no pico do verão.

Perdeu-se tempo precioso para que os principais poluidores mundiais executassem cortes de emissões vigorosos e sustentados e se chegasse a um acordo global eficiente contra o aquecimento. Desde a CoP-15 de Copenhague (2009), passando pelo período negacionista de Donald Trump, os países evitaram encarar de frente a questão - hoje, para o governo brasileiro, a questão sequer existe. O Acordo de Paris retomou a iniciativa ambiental e em Glasgow 195 nações foram instadas a rever para cima suas metas de corte das emissões. O prazo para isso era julho e apenas 110 o fizeram. Com suas ambições relatadas, a Terra chega a 2100 com aumento de mais de 2 C de temperatura.

Parte dos danos já ocorridos no ambiente são irreversíveis e os que são reversíveis levarão milhares de anos para isso, alertam os cientistas. Tanto quanto reduzir ao máximo as emissões - para evitar ultrapassar os 1,5 C seria necessário que o pico delas fosse atingido em 2030 e se chegasse ao carbono zero em 2050 - a mitigação dos efeitos tornou-se tarefa urgente e essencial.

O governo brasileiro não faz nada disso e o produto da gestão Bolsonaro são dois anos de desmatamento intenso na Amazônia, os maiores em mais de uma década. O país usou o truque de rever a base de sua meta de cortes para poder emitir mais. O presidente recebeu uma líder neo-nazista alemã, mas não o britânico Alok Sharma, o presidente da CoP-26 que visitou o país. Bolsonaro continuará patrocinando a devastação ambiental.

 

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