Valor Econômico
Risco fiscal e radicalização política
preocupam
O simbolismo da “tanqueciata”, um
indiscutível e indevido recado do "Chefe Supremo das Forças Armadas"
ao Parlamento em forma de desfile militar, vai além da obsessão do presidente
da República pela proposta de emenda constitucional (PEC) que restabelece o
voto impresso. Jair Bolsonaro enfrenta um processo de isolamento político.
Colocou o Centrão no núcleo do poder e vem construindo um arco de alianças mirando 2022 que pode incluir PP, PL, Republicanos e parte dos diretórios estaduais do MDB. Mas, não obterá apoio incondicional desse conjunto de legendas para aprovar todos os projetos que lhe convier. Tampouco terá uma tropa de choque tão robusta, se enfrentar eventuais denúncias ou processos de impeachment.
Diversos itens da agenda econômica avançam,
é verdade, inclusive reformas estruturais e privatizações. Quanto à reforma
política, adversários do presidente consideram que a adoção do famigerado
"distritão" interessa tanto a Bolsonaro quanto ao baixo clero. E se
preocupam com o avanço na Câmara desse sistema eleitoral tão criticado.
O "distritão" foi concebido para
eleger simplesmente os deputados mais votados, ignorando os votos direcionados
aos demais candidatos ou às legendas. É um modelo que beneficia quem pretende
desprestigiar as cúpulas partidárias e enfraquecer as siglas.
Bolsonaro está com o diálogo interrompido
com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e ampliou seu
apoio no Legislativo com a ajuda das emendas de relator ao Orçamento.
Tenta disfarçar a própria situação,
exigindo ao seu lado a presença de quem precisa obedecê-lo. E quando alguém
necessita a todo momento lembrar com quem seus interlocutores estão falando,
algo há de errado com a capacidade de liderar deste agente público, sua aptidão
para influenciar terceiros, agregar esforços numa mesma direção comum. Isso
voltou a acontecer quando Bolsonaro foi às redes sociais justificar sua decisão
de determinar que a Marinha desfilasse seus tanques pelo Eixo Monumental.
Ao comentar na noite de segunda-feira nas
redes sociais a polêmica envolvendo o extemporâneo desfile militar, o chefe do
Executivo chamou autoridades dos demais Poderes para que com ele acompanhassem
o evento do alto da rampa do palácio. Invitou-os de última hora, e ainda fez
questão de assinar a postagem como “Chefe Supremo das Forças Armadas”. Foi
ignorado.
Uma lista evidencia o difícil momento pelo
qual passa o presidente. A começar pela própria tramitação da PEC do voto
impresso: a proposta sofreu derrota acachapante em uma comissão especial e, se
o governo não utilizar a liberação de recursos orçamentários nem a distribuição
de cargos como métodos de convencimento, deve mesmo ter o arquivo como destino.
Integrantes da cúpula da Câmara passaram as
últimas horas trabalhando para que essa derrota se concretizasse. Não que este
cenário seja suficiente para fazer o presidente voltar suas atenções para o que
realmente importa, como o combate aos efeitos da crise e a conclusão da
vacinação da população. Mas, seja qual for a decisão da Casa, dificilmente a
PEC vingará no Senado.
Por lá, aliás, Bolsonaro ainda tem outro
problema a resolver: a aprovação de André Mendonça, ex-ministro da
Advocacia-Geral da União (AGU), para o Supremo Tribunal Federal.
A indicação enfrenta resistências não só
devido à atuação pretérita de Mendonça como defensor da Lava-Jato e dos
interesses políticos de Bolsonaro, mas também em razão do ambiente de crise
institucional. Uma eventual recusa ao seu nome seria um acontecimento
extraordinário, registrado apenas no início da República, demonstração das
limitações de o presidente emplacar um nome “terrivelmente evangélico” sem
articular antes seu projeto com lideranças do Senado.
Enumere-se a demora do presidente em
encontrar um partido que o acolha.
Bolsonaro sempre disse que se filiaria a
uma legenda complacente, que aceitasse ceder o controle dos diretórios
estaduais para o seu grupo político. O PSL o fez e nem assim manteve a parceria
a longo prazo. Na visão de lideranças, no entanto, este não é um momento
propício para ele fazer muitas exigências. Sua popularidade anda baixa. A esta
altura da pré-campanha, ainda não se tem notícia de candidaturas bolsonaristas
de peso em Estados como São Paulo e Minas Gerais.
Bolsonaro determinou a realização do
desfile militar de 10 de agosto de 2021, data que tende a ficar registrada nos
livros de História, mas suas atitudes têm causado crescente insatisfação entre
oficiais da ativa. Segundo se assegura nos bastidores, tanto nos meios
militares quanto entre lideranças políticas, a cúpula das Forças Armadas
tampouco ficaria ao lado de Bolsonaro numa eventual aventura antidemocrática.
Oficiais acreditam que existe, sim, a
necessidade de aumentar a segurança das urnas eletrônicas. Pelo conhecimento
acumulado em questões de segurança cibernética, recomendam que se trate de
forma desapaixonada o tema. Consideram positiva uma coordenação institucional
com o objetivo de elevar o número de urnas submetidas a um teste de integridade
a cada eleição. Essa seria uma forma de reduzir as tensões entre os Poderes,
articulação já em andamento.
Na caserna, também se afasta a
possibilidade de quebra da hierarquia. Pergunta-se qual soldado teria interesse
em prejudicar a própria carreira, perder promoções e oportunidades no exterior.
Fontes lembram que, apesar das críticas à condução do processo contra o ex-ministro
da Saúde Eduardo Pazuello, general da ativa que participou de ato político ao
lado de Bolsonaro, não há registro de casos de indisciplina desde então.
O que gera preocupação é a estratégia a ser
adotada a partir de agora. Acuado, o presidente pode decidir de vez trilhar o
caminho do populismo fiscal. Teme-se, também, que o bolsonarismo se organize
para tumultuar o dia das eleições. Não se descarta um movimento coordenado para
a quebra de urnas. Seria mais um ato de desespero.
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