quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Fernando Exman - A “tanqueciata” de um presidente isolado

Valor Econômico

Risco fiscal e radicalização política preocupam

O simbolismo da “tanqueciata”, um indiscutível e indevido recado do "Chefe Supremo das Forças Armadas" ao Parlamento em forma de desfile militar, vai além da obsessão do presidente da República pela proposta de emenda constitucional (PEC) que restabelece o voto impresso. Jair Bolsonaro enfrenta um processo de isolamento político.

Colocou o Centrão no núcleo do poder e vem construindo um arco de alianças mirando 2022 que pode incluir PP, PL, Republicanos e parte dos diretórios estaduais do MDB. Mas, não obterá apoio incondicional desse conjunto de legendas para aprovar todos os projetos que lhe convier. Tampouco terá uma tropa de choque tão robusta, se enfrentar eventuais denúncias ou processos de impeachment.

Diversos itens da agenda econômica avançam, é verdade, inclusive reformas estruturais e privatizações. Quanto à reforma política, adversários do presidente consideram que a adoção do famigerado "distritão" interessa tanto a Bolsonaro quanto ao baixo clero. E se preocupam com o avanço na Câmara desse sistema eleitoral tão criticado.

O "distritão" foi concebido para eleger simplesmente os deputados mais votados, ignorando os votos direcionados aos demais candidatos ou às legendas. É um modelo que beneficia quem pretende desprestigiar as cúpulas partidárias e enfraquecer as siglas.

Bolsonaro está com o diálogo interrompido com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e ampliou seu apoio no Legislativo com a ajuda das emendas de relator ao Orçamento.

Tenta disfarçar a própria situação, exigindo ao seu lado a presença de quem precisa obedecê-lo. E quando alguém necessita a todo momento lembrar com quem seus interlocutores estão falando, algo há de errado com a capacidade de liderar deste agente público, sua aptidão para influenciar terceiros, agregar esforços numa mesma direção comum. Isso voltou a acontecer quando Bolsonaro foi às redes sociais justificar sua decisão de determinar que a Marinha desfilasse seus tanques pelo Eixo Monumental.

Ao comentar na noite de segunda-feira nas redes sociais a polêmica envolvendo o extemporâneo desfile militar, o chefe do Executivo chamou autoridades dos demais Poderes para que com ele acompanhassem o evento do alto da rampa do palácio. Invitou-os de última hora, e ainda fez questão de assinar a postagem como “Chefe Supremo das Forças Armadas”. Foi ignorado.

Uma lista evidencia o difícil momento pelo qual passa o presidente. A começar pela própria tramitação da PEC do voto impresso: a proposta sofreu derrota acachapante em uma comissão especial e, se o governo não utilizar a liberação de recursos orçamentários nem a distribuição de cargos como métodos de convencimento, deve mesmo ter o arquivo como destino.

Integrantes da cúpula da Câmara passaram as últimas horas trabalhando para que essa derrota se concretizasse. Não que este cenário seja suficiente para fazer o presidente voltar suas atenções para o que realmente importa, como o combate aos efeitos da crise e a conclusão da vacinação da população. Mas, seja qual for a decisão da Casa, dificilmente a PEC vingará no Senado.

Por lá, aliás, Bolsonaro ainda tem outro problema a resolver: a aprovação de André Mendonça, ex-ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), para o Supremo Tribunal Federal.

A indicação enfrenta resistências não só devido à atuação pretérita de Mendonça como defensor da Lava-Jato e dos interesses políticos de Bolsonaro, mas também em razão do ambiente de crise institucional. Uma eventual recusa ao seu nome seria um acontecimento extraordinário, registrado apenas no início da República, demonstração das limitações de o presidente emplacar um nome “terrivelmente evangélico” sem articular antes seu projeto com lideranças do Senado.

Enumere-se a demora do presidente em encontrar um partido que o acolha.

Bolsonaro sempre disse que se filiaria a uma legenda complacente, que aceitasse ceder o controle dos diretórios estaduais para o seu grupo político. O PSL o fez e nem assim manteve a parceria a longo prazo. Na visão de lideranças, no entanto, este não é um momento propício para ele fazer muitas exigências. Sua popularidade anda baixa. A esta altura da pré-campanha, ainda não se tem notícia de candidaturas bolsonaristas de peso em Estados como São Paulo e Minas Gerais.

Bolsonaro determinou a realização do desfile militar de 10 de agosto de 2021, data que tende a ficar registrada nos livros de História, mas suas atitudes têm causado crescente insatisfação entre oficiais da ativa. Segundo se assegura nos bastidores, tanto nos meios militares quanto entre lideranças políticas, a cúpula das Forças Armadas tampouco ficaria ao lado de Bolsonaro numa eventual aventura antidemocrática.

Oficiais acreditam que existe, sim, a necessidade de aumentar a segurança das urnas eletrônicas. Pelo conhecimento acumulado em questões de segurança cibernética, recomendam que se trate de forma desapaixonada o tema. Consideram positiva uma coordenação institucional com o objetivo de elevar o número de urnas submetidas a um teste de integridade a cada eleição. Essa seria uma forma de reduzir as tensões entre os Poderes, articulação já em andamento.

Na caserna, também se afasta a possibilidade de quebra da hierarquia. Pergunta-se qual soldado teria interesse em prejudicar a própria carreira, perder promoções e oportunidades no exterior. Fontes lembram que, apesar das críticas à condução do processo contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, general da ativa que participou de ato político ao lado de Bolsonaro, não há registro de casos de indisciplina desde então.

O que gera preocupação é a estratégia a ser adotada a partir de agora. Acuado, o presidente pode decidir de vez trilhar o caminho do populismo fiscal. Teme-se, também, que o bolsonarismo se organize para tumultuar o dia das eleições. Não se descarta um movimento coordenado para a quebra de urnas. Seria mais um ato de desespero.

 

 

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