Folha de S. Paulo
Enquanto Bolsonaro brinca de marcha
soldado, a democracia vai sendo corroída
O problema não é o tanque de guerra.
"O problema é o guarda da esquina". Quero lembrar a fala do
vice-presidente Pedro Aleixo, em 1968, a única voz discordante das atrocidades
do AI-5. Enquanto Jair Bolsonaro brinca de "marcha soldado" e
desmoraliza as Forças Armadas, a democracia no Brasil vai sendo corroída pelas
beiradas.
No dia da votação sobre a estupidez do voto impresso, o exercício militar, patrocinado pelo presidente, pegou um atalho até a praça dos Três Poderes e virou piada nas redes sociais. A Quaest Pesquisa analisou cerca de 2,3 milhões de postagens: 93% são chacota com a parada ou críticas a Bolsonaro. Apenas 5% são de apoio aos militares.
Na superfície, pode-se dizer que o presidente apenas deu uma demonstração
fracassada de seus delírios golpistas. Indo um pouco mais a fundo nesse
lamaçal, fica claro que a mobilização em torno do assunto e a desconfiança
levantada sobre a lisura dos resultados das eleições são vitórias de Bolsonaro.
A rachadura nas estruturas democráticas ficou mais visível com esse episódio.
Pior do que colocar tanques na rua, numa
tentativa de intimidação, é o discurso da defesa da democracia, usado por
Bolsonaro para miná-la diariamente. Desta vez mirou o Tribunal Superior
Eleitoral e a figura de seu presidente, o ministro Luís Roberto Barroso. Agora,
poderá voltar a atacar parte do Congresso, que há de barrar a insanidade do
voto impresso.
Jair arma seus seguidores não apenas com o
acesso facilitado a armas mas com munição mais poderosa ao rejeitar
sistematicamente as regras do jogo político, ao negar a legitimidade de
adversários políticos, ao tentar reduzir as liberdades civis de seus críticos,
ao encorajar a violência e asfixiar a imprensa. Este roteiro, descrito no livro
"Como as Democracias Morrem", foi seguido por líderes autoritários no
século 21.
Tanque nas ruas é só cortina de fumaça. Literalmente
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