Correio Braziliense
Bolsonaro quer arrastar as
Forças Armadas para uma aventura antidemocrática, o que não será fácil, mas nem
por isso devemos ser ingênuos a ponto de imaginar que é impossível
Foi deprimente o desfile de carros
blindados da Marinha na Esplanada dos Ministérios, ontem, para atender aos
caprichos do presidente Jair Bolsonaro. Na política, foi uma afronta à
democracia; no plano militar, demonstração de fraqueza. Para a política
externa, um vexame internacional, pois o Brasil foi classificado pelos
principais veículos de comunicação do mundo de uma banana republic, conforme o jornal
britânico The Guardian. Quem quiser que caia na conversa fiada de que a
“tanqueata” já estava programada para convidar solenemente Bolsonaro a
acompanhar os exercícios de guerra dos fuzileiros navais da Esquadra no campo
de manobras de Formosa (Goiás), onde é possível praticar fogo real.
As manobras fazem parte do programa de adestramento da Marinha e empregam seus principais meios de combate em terra, com exercícios que não podem ser realizados no Rio de Janeiro, onde estão concentrados os principais efetivos da Marinha. Entretanto, o desfi- le na Esplanada foi programada após a rejeição da proposta de restabelecimento do voto impresso, pela comissão especial da Câmara, que debateu o projeto da deputada Bia Kicis (PSL-DF), feito por encomenda de Bolsonaro. A votação fora acachapante: 23 votos contra 11. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP- AL), decidiu pôr a proposta em votação em plenário, nesta semana, o que motivou Bolsonaro a ordenar o desfile dos antiquados e fumacentos veículos de combate da Marinha.
O desfile foi constrangedor. Somente alguém
muito fora da realidade não é capaz de perceber o ridículo da situação, que
virou motivo de chacotas nas redes sociais. É imenso o desgaste das Forças
Armadas, ao serem empregadas com objetivos políticos de forma descarada.
Entretanto, o desfile revelou o sucateamento dos equipamentos de combate da
Marinha. Não é difícil imaginar a gozação nos gabinetes presidenciais dos
nossos vizinhos da Argentina, do Chile, da Colômbia e da Venezuela. Nas redes,
circulavam piadas hilárias, uma delas era de que nunca foi tão fácil para a
Bolívia conquistar seu acesso ao mar; outra, que o Paraguai já pode invadir
Brasil, mais uma vez.
Nada disso, porém, muda as intenções de
Bolsonaro. Para quem acha que pode fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) com
um cabo e dois soldados, exibir os tanques na Esplanada não deixa de ser uma
demonstração de poder, ou seja, de força suficiente para melar as eleições de
2022, como vem ameaçando. Bolsonaro quer arrastar as Forças Armadas para
essa aventura antidemocrática, o que não será fácil, mas nem por isso
devemos ser ingênuos a ponto de imaginar que é impossível. Quem deu a
demonstração de ontem é capaz de pôr em prática a ideia de jerico. Por isso
mesmo, mais importante do que o desfile, foram as reações políticas, no
Congresso e na sociedade, bem como nas redes sociais e na mídia internacional.
Isolamento
Bolsonaro revelou isolamento político. Toda a cadeia de sucessão da Presidência
ausentou-se da solenidade. O vice-presidente da República, general Hamilton
Mourão, disse que não foi convidado. O presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), classificou o desfile como uma “trágica coincidência” com a votação do
voto impresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também não
compareceu. O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, já havia dito que não
conversa com Bolsonaro enquanto o presidente da República não honrar os
compromissos que assumiu na conversa entre ambos.
O presidente da República fomenta uma crise militar e deseja a ruptura político-institucional para permanecer no poder e subjugar o Congresso e o Supremo. Isso somente não ocorre porque a correlação de forças hoje não é favorável, mas reproduz a estratégia do ex-presidente Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos, que tentou melar a apuração e impedir a posse do presidente Joe Biden. Essa derrota isolou Bolsonaro internacionalmente. No plano interno, a irresponsabilidade na crise sanitária, a inflação ascendente e o grande número de desempregados volatilizaram o seu projeto de reeleição, conforme apontam as pesquisas. Bolsonaro perdeu a expectativa de poder após 2022. Por isso, acorda e dorme pensando em como evitar que isso ocorra.
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