Correio Braziliense
Queiroga resolveu entrar na
onda de Bolsonaro e desacreditar a CoronaVac, a vacina do Butantã, que salva as
vidas de milhões de brasileiros na pandemia de Covid-19
Tem coisas que realmente só acontecem no
governo de Jair Bolsonaro. Por exemplo: ministros e outras autoridades
descobriram que a melhor maneira de se manter no cargo, apesar de fracassarem
por incompetência, é atacar a imprensa, defender as teses mais estapafúrdias e
apoiar as atitudes negacionista do presidente da República. A fórmula foi
adotada logo no começo do governo pelo então ministro do Turismo, Marcelo
Álvaro Antônio, que já assumira o cargo enrolado por causa de denúncias de
crimes eleitorais — porém, logo virou um padrão de comportamento, toda vez que
alguém começa a colecionar desgastes no cargo. Nem sempre o expediente garante
a posição, mas, ao menos, prolonga a permanência no posto e permite uma retirada
em ordem, como no caso de Marcelo Álvaro.
Quem agora se supera com esse estratagema é o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que está com covid-19 e teve contato com várias autoridades na viagem que fez a Nova York, integrando a delegação brasileira à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Bolsonaro foi a grande atração do evento internacional, depois do presidente norte-americano Joe Biden, não por causa de seu discurso na abertura da assembleia, mas devido ao fato de não ter se vacinado e não poder fazer as refeições nos restaurantes da cidade, conforme as normas sanitárias adotadas pela Prefeitura de Nova York. Além de mostrar os dedos médios das duas mãos para manifestantes, pela janela da van que transportava a comitiva presidencial, Queiroga voltou às manchetes porque testou positivo e terá que ficar 14 dias de quarentena na cidade.
Mas a superação de Queiroga veio por uma
patacoada inacreditável para quem ocupa o cargo de ministro da Saúde, nas redes
sociais, ao compartilhar um post bolsonarista, no qual uma mulher achincalha a
vacina produzida pelo Butantan, a CoronaVac: “Que ironia! Ministro Marcelo
Queiroga seguiu todos os protocolos, vacinou com a CoronaVac, usa máscara o
tempo inteiro e foi contaminado. O presidente (Jair Bolsonaro) não se vacinou,
não usa máscara, estava ao lado dele e não pegou”, ela escreveu no Instagram. O
ministro sabe que a vacina não impede que uma pessoa pegue a doença, mas sim o
desenvolvimento de quadros graves da enfermidade. Com essa postagem, passou a
figurar no pódio dos ministros mais bajuladores do presidente, além de se
desmoralizar de vez como responsável por liderar o Sistema Único de Saúde
(SUS).
O ministro muito provavelmente será
reconvocado pela CPI da Covid, que o ouviu quando estava ainda no começo da
gestão e a conta das mortes em decorrência da pandemia estava no colo de seu
antecessor, general Eduardo Pazuello. O relator da CPI, senador Renan Calheiros
(MDB-AL), classifica o trabalho de Queiroga como um “fracasso” e o chama de “Pazuello
de jaleco”. Desde a semana passada, um requerimento do senador Alessandro
Vieira (Cidadania-SE) aguarda aprovação para reconvocar o ministro. A CPI
investiga os casos de corrupção na compra de vacinas e insumos pelo Ministério
da Saúde, além da responsabilidade do governo Bolsonaro pelo grande número de
óbitos.
Quarentena
Em vez de aproveitar a quarentena em Nova York para mergulhar, Queiroga
resolveu ir para o olho do furacão. Entrou no redemoinho e pode não conseguir
sair. O número de mortes por covid-19 deve chegar a 600 mil, apesar de estar
caindo bastante devido à vacinação. Na semana passada, o ministro da Saúde
deixou todas as autoridades sanitárias perplexas ao tentar proibir a vacinação
de adolescentes entre 12 e 17 anos sem comorbidades, decisão que não foi
acatada pela maioria dos governadores e prefeitos. Com a tuitada de ontem,
resolveu entrar na onda de Bolsonaro e desacreditar a vacina do Butantã, que
foi a salvação para milhões de brasileiros vacinados com o imunizante de origem
chinesa, produzido pela instituição paulista.
Ainda como desdobramento da viagem a Nova
York, Bolsonaro suspendeu os compromissos que teria hoje no Paraná, uma soleni-
dade em Ponta Grossa e um encontro com empresários, em Castro. Uma motociata
também estava sendo programada para Piraí. O cancelamento foi uma recomendação
da Anvisa, em razão do caso Queiroga. Até agora, não há nenhuma outra
confirmação de covid- 19 na comitiva presidencial, mas todos estão de
quarentena, inclusive Bolsonaro, que faz parte do grupo de risco: não tomou
vacina, tem 66 anos e várias comorbidades. O presidente da República continua
fazendo apologia do tratamento precoce, inclusive defendeu-o na assembleia da
ONU, e se recusa a se imunizar.
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