quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Maria Cristina Fernandes - Acordo dos precatórios sela cumplicidade

Valor Econômico

Ao dar folga no Orçamento a um presidente que já não demonstra capacidade de governar, Congresso se torna cúmplice do desfecho de sua gestão

A lógica que move o adiamento da sabatina do ex-advogado- geral da União, André Mendonça, indicado ao Supremo Tribunal Federal, é a de que se o presidente da República quer fechar a Corte o Senado não deve se apressar em confirmar o próximo ministro.

Transponha-se o mesmo argumento para o acordo do Orçamento da União de 2022 e se tem a massa de que é feita a política hoje em Brasília. Por que o Senado vai viabilizar um acordo no atropelo de regras fiscais para dar uma folga orçamentária ao Executivo de quase R$ 50 bilhões no próximo ano se o presidente já deu demonstrações de sobra de que não tem condições de governar?

É nas respostas a esta pergunta que está o mapa da cumplicidade não apenas de aliados do bolsonarismo mas de todos os Poderes. A primeira resposta oferecida é a de que negar este acordo equivaleria a acender um fósforo para ver se tem gasolina no tanque. Sem a recalibragem do Auxílio Brasil, por exemplo, poderia haver saques no país, que é tudo o que o presidente Jair Bolsonaro quer para tumultuar o ano eleitoral.

Há muitas alternativas para abrigar o aumento de gastos assistenciais que jogam por terra este argumento. A primeira é aquela que considera os precatórios devidos ao Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental (Fundef) exceção ao teto de gastos, a exemplo do que já ocorre com o fundo da educação básica, o Fundeb. O espaço que se abriria sob o teto abrigaria com folga o aumento para transformar o Bolsa Família em Auxílio Brasil.

A outra alternativa é o corte das emendas de relator, que consumirá neste ano R$ 18,5 bilhões do Orçamento. Não se trata de negar aos parlamentares o direito de apresentar emendas individuais ou de bancada, apenas de suprimir da execução orçamentária uma excrescência nascida sob a coabitação do Congresso com Bolsonaro que escamoteia a cadeia de repasses de recursos públicos - e seus pedágios. A solução, de menor impacto fiscal, reduziria a pressão sobre a inflação que, ao fim e ao cabo, vai desidratar o valor de compra do benefício que se busca melhorar.

As emendas de relator, porém, sumiram da pauta das negociações dos precatórios. É como se os parlamentares não tivessem nada a ver com isso. Na verdade, podem se dar ao luxo de ignorar esta saída porque tiraram vantagem do acordo pós-alopração bolsonarista do 7 de setembro.

O Supremo, que estava à frente da negociação, deixou a mediação depois dos ataques do dia da pátria e o Congresso lhe tomou o lugar, cobrando, obviamente, o preço.

Há alguma ansiedade em relação à decisão da ministra Rosa Weber sobre as ações ajuizadas no Supremo contra as emendas de relator. Lá argumenta-se que o dispositivo criou uma moeda de troca entre Executivo e Legislativo. Pedem suspensão de sua execução orçamentária e publicidade à destinação dos recursos.

Um ex-ministro que conhece tudo de Orçamento e de Congresso diz que Rosa Weber não precisa nem suspender a execução orçamentária das emendas de relator. Basta mandar dar transparência que a base explode. Isso porque ficariam evidenciados os pesos e medidas com os quais os aliados foram tratados, especialmente o G-12, a dúzia de deputados que gravita em torno do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Como essa bomba-relógio está aí há muito tempo, já deu para os parlamentares afinarem uma saída se Rosa Weber soltar sua decisão nos próximos dias. Passa pela iniciativa de o governo assumir, como atribuição sua, e não dos parlamentares, a alocação de recursos da contenciosa rubrica.

Pode parecer estranho que o Congresso, onde estão alguns dos pré-candidatos à Presidência da República esteja disposto a dar uma folga fiscal a Bolsonaro de maneira a que ele chegue com sinais vitais preservados em outubro de 2022. Ainda mais porque a bomba fiscal dos precatórios adiados vai passar pela peneira em que se transformou o teto de gastos e vai cair no colo do eleito em 2023.

O acordo é a admissão de que o governo acabou e que se agora se locupletam todos. O Congresso já tem tudo na ponta do lápis. Já não se acredita que o Auxílio Brasil traga um grande benefício eleitoral para Bolsonaro, especialmente com o descontrole da inflação. E não faltam planos para o resto do butim. Os parlamentares querem, por exemplo, aumentar o fundo eleitoral e arrumar dinheiro para a volta da propaganda partidária, aquela da qual haviam abdicado quando vitaminaram o financiamento público de campanhas.

Ainda pretendem abrigar demandas do funcionalismo, como a da Receita Federal que pretende dobrar o bônus salarial de seus analistas para se aproximar daquele recebido na Advocacia-Geral da União. A prioridade, porém, é fazer com que o Orçamento a ser aprovado garanta a sobrevida eleitoral dos parlamentares, seja empenhado ao máximo até março e liberado no prazo limite de um ano eleitoral, que é 30 de junho. Esta é data a partir da qual não vai sair mais café quente dos bules da Esplanada.

Para esta equação fechar é preciso que o presidente da República tenha, de fato, desistido da via eleitoral para se manter no poder ou que esteja a negociar um término de mandato sem recandidatura em troca de sua liberdade e de seus filhos. Só isso pode explicar o aval do Executivo ao estouro da boiada orçamentária, a ser embutida nos preços da economia para marcar a trepidante travessia ao próximo governo.

Embargos auriculares

A desfaçatez com a qual se conduzem os negócios da era bolsonarista pode ser medida pelo desembaraço de um dos advogados que melhor circula na cúpula do Executivo e do Legislativo. Seu escritório, no Lago Sul, em Brasília, tem um restaurante para o qual foi contratado o maître de um restaurante famoso na capital federal. Não há menu ou carta de vinhos. O comensal diz o que quer comer e beber e assim é feita sua vontade. Arrolado em operação do Ministério Público Federal, acabou inocentado em decisão apertada de segunda instância. Diversificado em seus investimentos, é ecumênico em seus contatos. Talvez não o suficiente para manter blindada a pujante lavanderia que administra quando os novos ventos do poder soprarem.

Nenhum comentário: