Valor Econômico
Resolver impasse dos precatórios interessa
ao governo e ao Congresso
Quando assumiu o Ministério da Fazenda
usando uma camisa e uma gravata compradas às pressas num shopping em Brasília
para a formalidade, o ex-ministro Guido Mantega passou a ocupar o gabinete do
5º andar do Bloco P da Esplanada dos Ministérios com uma certa desconfiança.
Dizia sentir fluidos de seu antecessor, Antonio Palocci, no ambiente.
Hoje, o fantasma que assombra o mesmo
gabinete é outro: o do impeachment presidencial motivado por “pedaladas” nas
contas públicas. É por temê-lo que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem
redobrado a cautela na construção de uma solução para o “meteoro” dos
precatórios, uma conta de R$ 89,1 bilhões a ser paga em 2022.
Pagar essa conta extraordinária “sem ir
para a cadeia”, como exagera um interlocutor do ministro, é o centro das
preocupações no Ministério da Economia. Avalia-se que a solução que começou a
ser construída nesta semana precisará alterar a Constituição Federal, para dar
a devida cobertura jurídica aos integrantes da equipe econômica.
Por isso, o desenho discutido por Guedes com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), será acomodado na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/21, já em tramitação.
Dos R$ 89 bilhões a serem pagos no ano que
vem, cerca de R$ 40 bilhões serão mantidos sob o teto de gastos. O saldo
restante será retirado do limite e pago de outras formas, que não estão
detalhadas. Pacheco citou como possibilidades: encontro de contas,
compensações, compra de ativos e negociação entre as partes.
A ideia é que os Estados, por exemplo, que
têm perto de R$ 16 bilhões em precatórios a receber, tenham esse crédito
confrontado com aquilo que devem ao Tesouro Nacional. Detentores privados de
precatórios poderão utilizá-los para pagar tributos, comprar ações de estatais
ou imóveis.
Se ainda assim o saldo não for totalmente
quitado, uma parcela pode ser transferida para 2023, afirmou o presidente do
Senado.
Uma fonte do governo deu informação
diferente. Disse que os precatórios que ficarão fora do teto poderão ser pagos
com crédito extraordinário ao Orçamento. De forma que tudo será pago em 2022. O
sinal inequívoco de que não haverá calote ajudará o governo a negociar
descontos.
Aprovar PEC é difícil. No entanto, o
calendário eleitoral pode ajudar o governo.
Deputados e senadores querem o Orçamento de
2022 com bastante margem para acolher suas emendas. Mas o Projeto de Lei
Orçamentário Anual (PLOA), em análise no Congresso, não é assim. A previsão
para emendas de parlamentares é espartana: R$ 16,2 bilhões, ante R$ 33,8
bilhões autorizados este ano.
Isso porque o “meteoro” foi integralmente
acomodado sob o teto de gastos. Não sobrou espaço para outras despesas. O PLOA
2022 prevê para o Auxílio Brasil os mesmos R$ 35,4 bilhões reservados ao Bolsa
Família em 2021.
Resolver esse impasse interessa ao governo
e ao Congresso.
Ainda embrionária, a solução apresentada
por Guedes, Lira e Pacheco foi criticada por especialistas em contas públicas,
como mostrou este jornal em sua edição de ontem. Além do risco de haver
pedalada, o mecanismo coloca em dúvida a credibilidade da política fiscal, ao
abrir de forma artificial um espaço sob o teto de gastos.
Há ainda risco de judicialização, segundo
aponta o presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), Eduardo Gouvêa. Pode haver pontos inconstitucionais.
Por exemplo: a possibilidade de deixar
parte do pagamento para 2023. Isso não pode ser feito, explicou, porque a
determinação da Justiça é que o valor seja pago em 2022.
Além disso, o uso de ativos da União como
forma de pagamento não pode ter o ritmo ditado pelo devedor. O fundo proposto
pelo governo na versão original da PEC dos Precatórios tem esse defeito.
Os Estados, detentores dos maiores
precatórios a serem pagos em 2022, não se entusiasmam com a ideia de fazer um
encontro de contas. Esperam receber integralmente os recursos no ano que vem.
O reforço do Auxílio Brasil depende também
criação de uma fonte permanente de recursos. No caso, a tributação sobre os
dividendos, prevista no Projeto de Lei 2.337/21, que reforma o Imposto de
Renda.
Resolver a questão dos precatórios e do
Imposto de Renda seria “game changer”, avalia o secretário de Política
Econômica, Adolfo Sachsida. Ele entende que essas são as duas questões em
aberto que alimentam o pessimismo do mercado.
Quando forem endereçadas, acredita, será
restabelecida a previsibilidade em relação às contas públicas. Com isso, as
estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 serão
reestimadas para cima, acredita.
Em que pese o apelo eleitoral das emendas e
do Auxílio Brasil, que une potenciais adversários políticos em 2022, a saída
para o rolo dos precatórios tem se mostrado desafiadora.
Conhecido sincericida, Guedes fez um
estranho alerta dias atrás: afirmou que, se o projeto de reforma do Imposto de
Renda não for aprovado, não haverá fonte permanente de recursos para bancar o
Auxílio Brasil. Aí...
“Vai produzir uma reação do governo que é a
seguinte: Ah, é? Então quer dizer que não tem fonte não, né? Não tem tu, vai tu
mesmo! Então é o seguinte: bota aí R$ 500 logo de uma vez, e é auxílio
emergencial. A pandemia está aí, a pobreza está muito grande, vambora!”,
afirmou.
A consequência: problema “para todo mundo”,
inclusive para ele mesmo, acrescentou. “Vai virar bagunça, se não tiver solução
tecnicamente correta.”
O ministro fez entrever que “o governo”
está com ideias ousadas na cabeça. E pode lançar mão delas.
A classe política que decide os rumos deste
país está empenhada em viabilizar um Orçamento da União generoso no ano que
vem. Seria bom, para o interesse de todos, que a solução não reprisasse a ideia
de fazer o diabo para ganhar a eleição. Já sabemos como isso termina, e não
gostamos.
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