EDITORIAIS
Mais uma gambiarra
Folha de S. Paulo
Perdido em improvisos, governo eleva e avilta tributo para criar
programa social
Não bastassem a inflação em alta e o risco de racionamento de
energia, o caos decisório que emana do Planalto se mostra o principal fator de
insegurança a minar as chances de retomada econômica.
Com foco nas eleições e tendo abandonado uma agenda econômica
consistente, o governo Jair Bolsonaro recorre a sucessivos improvisos, que vão
se tornando cada vez mais deletérios e custosos.
O exemplo mais recente é a majoração
do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), de modo a arrecadar R$
2,1 bilhões até o fim do ano para custear a criação do Auxílio Brasil, o novo
programa assistencial que pretende substituir o Bolsa Família, politicamente
associado à gestão petista.
Como a lei proíbe o lançamento da iniciativa durante o ano
eleitoral e ao mesmo tempo exige que sejam identificadas fontes de receita, a
opção do governo foi iniciá-lo a partir de outubro, com o encerramento do
auxílio emergencial. A fonte de custeio veio de uma medida tributária que não
depende de aprovação do Congresso.
Toda a decisão é errada, a começar pelo desvio de finalidade do
IOF, um imposto de natureza regulatória na área monetária e creditícia.
O aumento do custo do crédito para pessoas físicas (de 1,5% para 2,04%) e empresas (de 3% para 4,08%), além disso, vem em péssimo momento, num quadro de endividamento elevado, juros já em alta e economia em desaceleração.
Quanto à ação social, a exigência legal de nova fonte de
financiamento só se coloca porque o governo insiste em modificar o programa
existente —que não impede o aumento do benefício, desde que haja cortes em
outras áreas.
A falta de capacidade de planejar e fazer escolhas, porém,
prenuncia o problema maior, que será a discussão do Orçamento de 2022.
Sem capacidade ou disposição do governo para gerir sua base
parlamentar e confrontar a voracidade do centrão por recursos, são enormes as
incertezas que cercam a tramitação da peça no Congresso.
Será preciso solucionar nas próximas semanas uma série de temas
complexos, como o custeio do Bolsa Família que se pretende ampliar, os
precatórios majorados por decisão judicial e o aumento da dotação para emendas
pretendido pelos parlamentares.
Por enquanto, em vez de propostas serenas e firmeza nas
negociações, o que se vê é a busca por atalhos, como o parcelamento dos
precatórios e a tentativa de aprovar a qualquer custo a péssima reforma do
Imposto de Renda.
Haveria espaço para a ampliação dos benefícios sociais para até R$
300 ao mês se fosse levada a cabo uma negociação ampla, de modo a reduzir o
montante de precatórios sujeitos ao teto de gastos e cortar parte das emendas.
Mas chegar a tal entendimento exige disciplina e organização, atributos de que
o governo não dispõe.
Caos na fronteira
Folha de S. Paulo
Explosão de venezuelanos desabrigados exige reforço da ação
humanitária em RR
É alarmante a situação
humanitária na fronteira do Brasil com a Venezuela, em Pacaraima (RR). Em
relação a maio, mês que antecede a reabertura da fronteira entre os dois
países, cresceu em 243%, para 4.015, o número de venezuelanos desabrigados na
cidade.
O número, apurado pela Organização Internacional para as
Migrações, é brutal para um município de 18 mil moradores. A maior parte dos
migrantes e refugiados vivem em situação de rua; outros ocupam espaços públicos
ou área privadas cedidas. Os dois abrigos da Operação Acolhida, comandada pelo
Exército, estão superlotados.
Com equipe insuficiente, a operação —elogiada pelo presidente Jair
Bolsonaro, que anunciou a intenção de visitar a região nas próximas semanas—
requer reforço imediato em estrutura e locais de abrigo para prestar
assistência humanitária adequada.
Não é de hoje que a situação na fronteira entre Brasil e Venezuela
preocupa. Sob o regime do ditador Nicolás Maduro, o país vizinho vive uma
tragédia social que combina pandemia, pobreza e desnutrição. A explosão do
número de desabrigados em Pacaraima decorre, principalmente, de uma demanda
reprimida em pouco mais de um ano de portas fechadas.
Entre março de 2020 e junho deste ano, o governo brasileiro barrou
a entrada, por via terrestre, de migrantes e solicitantes de refúgio sob
qualquer hipótese, alegando cumprir uma determinação da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) —o que foi desmentido em fevereiro pelo órgão.
Mesmo com a fronteira brasileira hoje reaberta, o governo federal
ainda prevê, por força de portaria editada em junho, penas para quem viola
regras migratórias, entre elas a deportação imediata, o que foi contestado na
Justiça, e inabilitação de pedido de refúgio, em descumprimento de tratados
internacionais sobre o tema.
Essa política federal soma-se à precariedade dos serviços
municipais e estaduais a agravar o quadro humanitário no local.
A situação de comoção social em Pacaraima revela que investimento
em acolhida ordeira e robusta deveria ter prevalência em relação a medidas
restritivas que, além de desumanas, não dão conta da realidade fronteiriça entre
Brasil e Venezuela, tradicionalmente porosa.
A volta do ‘mais honesto’
O Estado de S. Paulo
Onda de votos em Bolsonaro foi motivada muito menos pelo entusiasmo por seus inexistentes programas de governo do que pela aversão a quinto mandato petista.
As decisões judiciais favoráveis a Luiz Inácio Lula da Silva têm
servido ao seu partido não só para proclamar sua suposta inocência, mas
reinventar a sua imagem. Tripudiando da memória dos brasileiros, o PT espera
apagar seu passivo de incompetência, corrupção e negacionismo, anunciando-se a
solução para as agruras do presente, como se não fosse um dos grandes
responsáveis por muitas delas.
As revisões judiciais revelam mais as falhas da Justiça que as
virtudes de Lula. Sua defesa contestou os vícios dos processos, não o seu
mérito. Nunca houve explicações convincentes para casos como os do sítio ou do
triplex. Se, com anos de atraso, a Suprema Corte declarou a suspeição do juiz
de primeira instância, anulando as acusações que agora prescrevem, isso limpa a
ficha eleitoral de Lula, mas sua ficha moral segue suja – em dimensões que
extrapolam o âmbito judicial.
Em ininterrupta campanha eleitoral, o PT liberou recentemente uma
peça de propaganda comparando a gestão de Jair Bolsonaro à de Lula. Não é por
lapso de seus marqueteiros que as menções terminem em 2010. Assim como
Bolsonaro tenta se desvencilhar de sua responsabilidade pelo desastre
pandêmico, Lula tenta se desvencilhar da sua pelo desastre econômico que foi a
década perdida de 2010, talvez a de menor crescimento desde a República Velha.
Após a conciliação promissora, mesmo surpreendente, no primeiro
mandato, com a arquitetura econômica legada pelo governo FHC e a expansão de
seus programas sociais, a gestão Lula aproveitou o boom das
commodities para impulsionar o consumo, ampliar redes assistencialistas e
injetar esteroides nos “campeões nacionais”, negligenciando as condições para
um crescimento sustentável, como infraestrutura, produtividade e educação.
A contabilidade criativa de Dilma Rousseff – o poste do qual Lula
tenta se desvencilhar – precipitou a economia no buraco do qual busca sair a
duras penas com mecanismos de saneamento fiscal como o teto de gastos que Lula
promete demolir. O negacionismo bolsonarista das ciências médicas não é menos
acintoso que o negacionismo lulopetista das ciências econômicas.
Mas o legado do PT não se limita à recessão: há o mensalão e o
petrolão. O partido, que há pouco acusava a Justiça de conspirar com as elites
para perseguir o “pai dos pobres”, agora louva a sua idoneidade. Mas se
“esquece” de que essa Justiça condenou seus correligionários por roubalheira
bilionária. Nunca houve explicação, muito menos retratação, por tão volumosos
malfeitos e tão celerados malfeitores. Ao contrário: seguem consagrados como
“guerreiros do povo brasileiro”.
É fácil posar de moderado ante um delinquente político como
Bolsonaro. Mas, recentemente, aquele que se anuncia como a esperança da
democracia lamentou que o Brasil não tenha um partido com o mesmo “controle e
poder de comando” do regime totalitário chinês. Quando milhões de cubanos foram
às ruas, Lula acusou o bloqueio dos EUA – sem o qual Cuba seria uma “Holanda”
–, silenciando sobre a ditadura mais longeva e sangrenta das Américas.
De resto, também o bolsonarismo é de algum modo uma criatura
lulopetista. Em sua política belicosa do “nós contra eles”, tanto o PT acusou
por toda parte um fascismo imaginário que o fascismo real se materializou.
Ninguém duvida que a onda de votos que elegeu Bolsonaro foi motivada muito
menos pelo entusiasmo por seus inexistentes programas de governo do que pela
aversão a um quinto mandato petista. Seria irônico, não fosse trágico, que
agora a criatura sirva de álibi para ressuscitar seu criador.
Não se pode nem sequer dizer que, ante a ameaça Bolsonaro, o PT
queira uma anistia por sua incompetência, seus escândalos de corrupção, seu
vandalismo sobre a moralidade pública, porque anistia pressupõe o
reconhecimento de culpa. No caso do PT, como no inferno de Sartre, os culpados
são sempre os outros.
Tal como Bolsonaro se elegeu aterrorizando o eleitorado com a
visão de um novo mandato petista, Lula, que já se qualificou como “a alma mais
honesta” do Brasil, conta com o pavor de um novo mandato bolsonarista para
arrancar dele seus votos. Em troca, promete repetir milimetricamente o que os
governos lulopetistas já fizeram e que pavimentou o caminho para o desastre
econômico, político e moral no qual o País está metido.
Um método perigoso
O Estado de S. Paulo
No caso do leilão do 5G, não é um pedido de vista que vai atravancar o avanço tecnológico
O leilão do 5G teve a data mais uma vez adiada e pode ficar para
2022. A última previsão feita pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, era
realizar a disputa em outubro. Mas, para isso, Faria contava com a displicência
da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) na análise da maior licitação
da história do País, que deve movimentar R$ 45 bilhões.
Não seria algo exatamente novo no processo do 5G. No Tribunal de
Contas da União (TCU), a pressão do governo se impôs desde o início e deu
resultado. No auge da pandemia de covid-19, Faria levou três dos nove ministros
da Corte de contas para uma missão internacional à Europa e Ásia, a pretexto de
conhecer fornecedores do 5G.
Quando o edital foi submetido ao plenário, os apontamentos da área
técnica do TCU foram ignorados. Mesmo com o pedido de vista do ministro Aroldo
Cedraz, os outros ministros manobraram para antecipar seus votos, isolar o
colega e impor a ele a simbólica derrota pelo placar de 7 a 1. Insatisfeitos,
em mais um constrangimento público nunca antes visto no TCU, esses ministros
decidiram em plenário exigir um prazo de apenas uma semana para que Cedraz
submetesse sua análise aos demais, ainda que, regimentalmente, ele tivesse dois
meses para fazê-lo.
Esse método perigoso tem nome e sobrenome. Orgulhoso do atropelo
público a um órgão de controle, Fábio Faria convocou entrevista coletiva
naquele mesmo dia para celebrar o feito, mesmo sem o edital formalmente
aprovado.
É dentro desse contexto que se insere a atitude do conselheiro da
Anatel Moisés Queiroz Moreira, que pediu vista no último dia 13 de setembro.
Ele havia deixado claro que precisaria de mais tempo para concluir sua análise
e até pedido informações adicionais ao Ministério sobre investimentos que o
governo quer viabilizar por meio do edital.
Na Anatel, a coerção do governo não foi bem-sucedida. E não foi
por falta de tentativa. Faria teria procurado todos aqueles que, segundo
acreditava, poderiam influenciar o conselheiro Queiroz a desistir do pedido de
vista. Sem sucesso, chegou a apelar ao mesmo expediente que adotou no TCU:
pediu aos conselheiros que adiantassem seus votos para expor o colega.
Primeira agência reguladora do País, a Anatel certamente já viveu
tempos melhores, mas, na semana que passou, fez valer os tão maltratados
princípios que nortearam sua criação em 1997: independência administrativa e
ausência de subordinação hierárquica. Foi para se precaver desse tipo de
intimidação que o governo propôs, e o Congresso aprovou, há quase 25 anos, a
garantia do mandato fixo e a estabilidade de seus dirigentes. Uma vez aprovados
pelos senadores, os conselheiros têm cinco anos no cargo e só deixam a função a
pedido. Não podem ser demitidos pelo ministro.
É evidente que o País tem deficiências na conectividade. A
pandemia deixou ainda mais claro como uma internet estável e de boa qualidade é
essencial para escolas e alunos. Mas não é um pedido de vista que vai
atravancar o inexorável avanço tecnológico. Se a intenção do conselheiro é
aprimorar o bilionário edital, o Brasil, certamente, pode aguardar mais algumas
semanas.
As dúvidas do conselheiro residem em falhas nos projetos que
integram o modelo escolhido pelo governo para o leilão. Em vez de cobrar um
bônus pelo uso das faixas, o Executivo decidiu impor obrigações às teles que
vencerem a disputa. Uma delas é a construção de uma rede de comunicações
exclusiva para o governo, na qual a participação da Huawei não será permitida.
Trata-se de um projeto caro, inútil e feito apenas para agradar ao presidente
Jair Bolsonaro e a seus seguidores fanáticos na guerra particular e insana
contra a China, nosso maior parceiro comercial.
Técnicos do TCU já haviam criticado a governança do projeto há
meses. Mas foi apenas na sexta-feira, 17, depois do pedido de vista na Anatel,
que o governo publicou um decreto que acaba com a exclusividade da Telebras
para operar a rede privativa do governo. Se quisesse resolver o impasse de uma
vez, bastaria ao governo excluir esse projeto do edital.
Privatizações à Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
O governo que prometia desestatizar tudo precisa criar uma estatal para começar a privatizar
Justificada técnica, administrativa e legalmente, a criação de
mais uma empresa estatal pelo presidente Jair Bolsonaro é, não obstante, uma
ironia para um governo que vinha há anos prometendo vender todas as estatais
para auferir uma receita de R$ 1 trilhão, suficiente para resolver todos os
problemas fiscais do presente e do futuro – se seus sucessores não cometessem
desatinos. Nenhuma estatal foi privatizada, a despeito das promessas
mirabolantes feitas durante a campanha eleitoral de 2018 e reiteradas e até
ampliadas pelo economista Paulo Guedes, já com a responsabilidade de homem
público à frente do Ministério da Economia. E duas foram criadas.
A criação da Empresa Brasileira de Participações em Energia
Nuclear e Binacional S. A. (ENBPar) pelo Decreto n.º 10.791, de 10 de setembro
de 2021, era uma exigência formal. Ela estava prevista nas regras para a
desestatização da Eletrobras fixadas pela Medida Provisória n.º 1.031
(transformada, com muitas alterações, na Lei n.º 14.182, de 12 de julho de
2021).
O Tratado de Itaipu, assinado pelos governos brasileiro e
paraguaio em 1973, estabelece que a titularidade do capital social da empresa
binacional deve ser mantida por órgão ou entidade da administração pública
federal, daí a necessidade de criação de uma empresa – no caso, a ENBPar – para
cumprir esse papel. A lei de desestatização da Eletrobras incluiu a
Eletronuclear como controlada da nova estatal.
Em nota, o Ministério da Economia afirmou que a criação da nova
controladora da binacional e da Eletronuclear representa o “prosseguimento ao
processo para que a perda de controle acionário (da Eletrobras) pela União e a emissão das ações
ocorram até fevereiro do próximo ano”. De acordo com as regras, a capitalização
permitirá que investidores privados aumentem proporcionalmente sua participação
no capital da empresa, fazendo a fatia da União se reduzir para 45% do total.
Só então, se o cronograma for cumprido, se terá efetivamente a
primeira transferência do controle efetivo de uma estatal para o setor privado.
Mas, mesmo que isso ocorra, o número de estatais sob controle da
União terá crescido ao longo de um governo que prometia desestatizar tudo o que
fosse desestatizável. Antes da ENBPar, o governo Bolsonaro criou, no fim do ano
passado, a NAVBrasil Serviços de Navegação Aérea, o que, como observou o Estado na
ocasião, foi considerado uma vitória da ala militar do governo e uma derrota do
Ministério da Economia.
A estatal agora criada já nasce com recursos de R$ 4 bilhões
reservados no Orçamento. Os recursos, informou o Ministério da Economia, “serão
utilizados para que a estatal adquira o controle da Eletronuclear e a parte da
Eletrobras no capital de Itaipu”. A ENBPar “será uma estatal não dependente”,
ou seja, não dependerá de transferências do Tesouro para se manter; utilizará
recursos próprios.
A privatização, que marcou com tom fortemente liberal o discurso
de campanha de Jair Bolsonaro em 2018 e foi reiterada pelo economista Paulo
Guedes, antes e depois de assumir o Ministério da Economia, continua sendo
apenas uma promessa – uma entre muitas que o governo descumpriu, traindo seus
compromissos com o eleitor.
“Calculamos que temos cerca de R$ 1 trilhão em ativos (da União) a
serem privatizados, incluindo as ações do Tesouro na Petrobras”, dizia Guedes
durante a campanha. Já ministro, aumentou o valor para R$ 1,25 trilhão,
atribuindo o novo cálculo ao então secretário especial de Desestatização,
Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar. Com o programa de privatização
estagnado, Mattar deixou o governo em agosto de 2020.
Por algum tempo, o governo afirmou que privatizaria com a presteza
possível a Casa da Moeda, os Correios e a Eletrobras. Depois de muitos
discursos e controvérsias, a Casa da Moeda foi retirada do programa de
desestatização. O projeto autorizando a privatização dos Correios foi aprovado
em agosto. Com a nova estatal, dá-se um passo para desestatizar a Eletrobras.
Agora vai?
O imperativo de aprimorar a reforma
administrativa
Valor Econômico
Texto afasta mais uma chance de o país
discutir o tamanho do Estado e suas ineficiências
A Câmara dos Deputados tem nesta semana a
imperativa missão de recolocar no rumo certo as discussões sobre a reforma
administrativa, iniciativa fundamental para modernizar o Estado brasileiro,
cuja votação está prevista para ocorrer amanhã na comissão especial.
A matéria ainda tem um longo caminho a
percorrer até a sua eventual promulgação, o que ficará cada vez mais difícil de
se concretizar em razão da proximidade das eleições. Mas, ainda assim, é
preciso recordar que o início da tramitação da Proposta de Emenda
Constitucional 32/20 poderia ter ocorrido antes.
O governo demorou a enviá-la ao Congresso
por questões políticas, o que ocorreu apenas em setembro do ano passado, e
ainda o fez de forma atabalhoada - tanto que até hoje a PEC é objeto de análise
do Tribunal de Contas da União (TCU). Conforme revelou o Valor no
início deste mês, depois de provocado pela Frente Parlamentar Servir Brasil, o
Ministério da Economia reconheceu em documento encaminhado ao TCU que as
projeções de impacto fiscal apresentadas até agora não estão pautadas em
estudos específicos, mas em cenários “exploratórios” e “hipotéticos”. Em outras
palavras, estão baseadas num “exercício de possibilidades” que estima uma
economia entre R$ 300 bilhões e R$ 816 bilhões para os cofres públicos. Na
visão da pasta, tamanha diferença se deve ao fato de os efeitos da reforma não
serem imediatos e estes dependerem de medidas subsequentes à eventual aprovação
da PEC.
No Congresso, contudo, até o que começa a
ser discutido corretamente pode ser desvirtuado. E este risco aumenta quando o
projeto em questão afeta interesses de importantes grupos de pressão ou
corporações, como é o caso da reforma administrativa.
Ela foi enviada ao Legislativo com o
objetivo de transformar a administração pública e melhorar os índices de
produtividade do Executivo, o que, em tese, asseguraria ao cidadão que paga
seus impostos em dia serviços de melhor qualidade a um custo mais baixo. Em sua
concepção original, as alterações valeriam para todos os entes da federação -
União, Estados e Distrito Federal, além dos municípios - e servidores dos três
Poderes.
Concebida para os futuros servidores, ela
não afetaria direitos dos atuais funcionários públicos e criaria novos tipos de
vínculos com a administração, como os cargos típicos de Estado, vínculo de
experiência, cargos com prazo indeterminado, cargos com prazo determinado (em
substituição à contratação temporária) e funções de liderança. A proposta
precisaria ser regulamentada depois por diversos projetos de lei, mas, antes
disso, o pior começou a acontecer no Parlamento: a pressão das corporações do
funcionalismo contaminou as discussões.
Em uma versão de seu relatório, o deputado
Arthur Maia (DEM-BA) ampliou os benefícios para as carreiras policiais,
diminuiu a extensão dos contratos temporários para o serviço público e
inadmitiu as emendas que pretendiam incluir juízes e promotores na reforma.
Além disso, evidenciou-se uma disputa interna entre os policiais. Um dos pontos
que causou mais protestos era a transferência da Polícia Federal de órgão da
segurança pública para órgão judiciário, mudança criticada pelas demais forças
policiais.
O relator também decidiu alterar as regras
de avaliação de desempenho dos servidores públicos, fazendo com que os
funcionários que tivessem avaliação insuficiente fossem alvo de abertura de um
procedimento administrativo. O julgamento se daria por servidores da própria
carreira, sonho de qualquer defensor do corporativismo e da ineficiência do
processo de avaliação de desempenho do funcionalismo.
Em paralelo, foram declaradas
inconstitucionais as emendas que impediriam que os novos concursados tivessem
direito a privilégios como férias de mais de 30 dias, aumentos retroativos e
progressão na carreira exclusivamente por tempo de serviço. Foi abandonada,
também, a possibilidade de redução dos salários dos servidores em 25%, com
diminuição proporcional da jornada de trabalho. Com isso, conseguiu-se o
inimaginável: até quem era a favor passou a trabalhar contra a PEC. Em vez de
combater privilégios e injustiças, a atual formatação do texto acabou afastando
do horizonte mais uma chance de o país discutir o tamanho do Estado e suas
ineficiências.
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