Folha de S. Paulo
Há a nação dos povos originários, dos
trabalhadores, dos pretos e pardos e dos que desfrutam de privilégios e se
julgam no direito de tudo
Entre outras coisas, uma nação é definida
por suas tradições, costumes e características sociais, políticas e culturais
que compõem a identidade do povo. No caso brasileiro, nunca esteve tão claro
que somos uma mesma nação na qual coexistem muitos Brasis.
Há o Brasil dos povos originários,
que há
mais de 500 anos lutam para defender o próprio direito à vida e seus
territórios constantemente invadidos, ocupados e explorados
ilegalmente.
Há a pátria dos trabalhadores que por mais que se esforcem não conseguem garantir uma vida digna aos seus frente a uma inflação galopante e prestes a alcançar a casa dos dois dígitos ano.
Tem também o país dos mais de 14 milhões de desempregados, que sonham em receber ao menos o salário mínimo, dos 5,6 milhões de desalentados, que desistiram de procurar uma recolocação, e da população em situação de rua, que aumentou na pandemia.
Existe a terra natal dos milhões de pretos
e pardos descendentes de africanos escravizados e depois largados à própria
sorte a perambular sem destino pelas ruas de uma pátria que há séculos
criminaliza quem anda por aí a “vadiar”, mas nunca soube oferecer alternativas
reais de desenvolvimento social como contrapartida pela usurpação da
liberdade.
Há o território dos que se sentem
superiores e se julgam no direito de condenar e até de fazer justiça com as
próprias mãos, amarrando,
arrastando e agredindo um quilombola a pontapés. Esse é o país no qual uma
Câmara de Vereadores, a de Santarém, no Pará, considera aceitável render
homenagem a descendentes de confederados, os racistas escravocratas sulistas
dos EUA que se instalaram aqui depois de perderem a Guerra Civil no século 19.
E há o Brasil dos
que desfrutam de privilégios, defendem a meritocracia, falam que
preconceito racial é “mimimi”, são contra ações afirmativas, acreditam em “racismo
reverso”, não veem problema em pagar mais caro pela conta de luz e defendem
a educação para poucos.
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