Folha de S. Paulo
Terceira via é difícil enquanto jantar de
Temer se satisfizer com Bolsonaro
O debate sobre “terceira via” tem um
problema de contagem de vias.
A segunda via é o PT, que conseguiu vencer
em 2002 após longo período na oposição.
A via número zero é Bolsonaro, que não quer
ganhar eleições. Quer
dar golpe de Estado para que a turma que tem dinheiro e armas volte a
não precisar fazer concessões para quem não tem nenhum dos dois. Como era antes
da democracia.
A maior parte dos candidatos da “terceira
via” não está tentando construir uma nova via. Está é tentando reconstruir a
primeira, a direita que jogava o jogo da democracia e governou o Brasil nas
primeiras décadas da Nova República.
O que impede essa reconstrução é que boa
parte da base social da direita —os empresários, os pastores, a classe média
tradicional— ainda não desistiu completamente da via, digamos, 0,5.
A turma acha o golpismo de Bolsonarismo meio desnecessário. Mas todo mundo ali gostou da ideia de que dá para ganhar voto de pobre só com igreja, sem essas coisas de Bolsa Família, negros na universidade etc.
O maior sinal dessa virada, na minha
lembrança, ocorreu logo depois do impeachment, quando Michel Temer e Gilmar
Mendes mataram a possibilidade de novas eleições. Na época, o MBL postou em
suas redes: “Nós não fizemos isso tudo pra vocês votarem na Marina”.
Marina Silva foi a candidata “terceira via”
mais forte da história eleitoral brasileira. Ela, sim, tentou fazer uma
“integração de legados” de PT e PSDB e reuniu uma aliança de dissidentes dos
dois lados.
Tinha muito mais direito de se reivindicar
como candidata anticorrupção do que Jair “Queiroz” Bolsonaro jamais teve.
Liderou as pesquisas presidenciais depois do impeachment.
Mas Marina vinha com concessões demais ao
progressismo —meio ambiente, tributação progressiva, política social— e, sem o
PT no quadro disputando com a gente, pensou a burguesia brasileira, pra que
isso tudo?
A questão para a terceira via em 2022 é a
seguinte: qual a proporção da base social da direita que, mesmo diante do
desastre que foi o governo Bolsonaro, tem interesse em voltar a fazer
concessões a quem não tem dinheiro nem armas?
Até o momento, bem menos do que seria
necessário para eleger um “terceira via”. O apoio a Bolsonaro entre empresários
ainda é muito maior do que no resto da população.
A atitude da elite brasileira diante de
Bolsonaro é a da turma
no jantar de Temer com Naji Nahas: para quem continua ganhando dinheiro, o
fascismo é até engraçado.
Tudo isso ficou claro na passeata do dia
12, quando o jantar do Temer pareceu dizer ao MBL: “Nós não fizemos isso tudo
pra ter que voltar a fazer passeata com vocês”.
Nenhum dos partidos de direita, de qualquer
matiz, investiu na manifestação. Os ricos, que pagaram anúncio contra Dilma em
toda a mídia em 2016, não pagaram dessa vez. A Força Sindical, que mandava
multidões para a Paulista em 2015, não foi.
Aplaudo a direita que está tentando se
organizar fora do fascismo, aplaudo a iniciativa do MBL de convocar a
manifestação.
Mas deixo meu aviso aos jovens liberais que se animaram durante a crise do PT: a média da direita brasileira é isso aí, o jantar do Temer. É difícil organizar um movimento forte para lutar em campo aberto quando tanta gente do seu lado já se dá bem só com jogo dos bastidores.
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