O Globo
Era uma vez um país em que o ensino público
era de qualidade. Crianças iam para a escola para aprender e saíam de lá
plenamente alfabetizadas. Havia disciplina, rigor e respeito à autoridade do
professor. Mas daí vieram Paulo Freire e seus seguidores e arruinaram tudo,
levando à situação em que hoje nos encontramos.
O parágrafo acima é obviamente uma
caricatura, mas é triste constatar que não difere muito do típico pensamento da
extrema-direita que chegou ao poder no Brasil. Basta lembrar de algumas declarações
recentes de Bolsonaro, como a de que “o PT, via método Paulo Freire, nos
colocou em último lugar do Pisa” ou que os resultados do Brasil no exame da
OCDE são um “sinal de que a política do Paulo Freire não deu certo”.
Antes de falar de Freire, é importante
desmentir a falsa tese do passado glorioso da educação brasileira. Na década de
30, como demonstrado pelos trabalhos de Teixeira de Freitas a partir das
estatísticas de época, mais da metade das crianças que se matriculavam no
primeiro ano do antigo ensino primário (hoje ensino fundamental) eram
reprovadas e não avançavam à série seguinte.
É a partir da década de 60 que Freire começaria a se tornar conhecido no Brasil. Mas, antes de suas ideias terem alguma influência nos corações e mentes de professores, o quadro geral do ensino continuava trágico. Otaíza de Oliveira Romanelli, no livro História da Educação no Brasil, mostra que de cada 1.000 alunos que frequentavam o primeiro ano do primário em 1961, apenas 446 sobreviviam ao segundo ano, e somente 64 chegariam em 1972 ao equivalente na época ao atual ensino médio.
Veio a Ditadura Militar, Paulo Freire foi
exilado, e o que aconteceu com o ensino ao final da década de 80? As matrículas
continuaram se expandindo, mas a reprovação seguia sendo a regra para mais da
metade das crianças na primeira série, conforme comprovam os trabalhos de
Sérgio Costa Ribeiro, Ruben Klein e Phillip Fletcher. Para a maioria da
população, portanto, a escola brasileira foi, durante praticamente todo o
século passado, uma grande máquina de exclusão em massa.
Se houvesse um exame como o Pisa em
qualquer período do século XX, não há dúvida de que ficaríamos em situação
vexatória caso a totalidade de nossa população em idade escolar fosse comparada
com a de nações desenvolvidas, ou mesmo frente a vizinhos como Chile, Uruguai
ou Argentina. Nunca tivemos um sistema educacional de qualidade para todos. Nem
antes, nem depois de Paulo Freire.
Mostrar como é tosco o argumento que coloca
em Freire a culpa pelo atual quadro da educação brasileira não significa que
sua obra tenha que ser colocada num pedestal. Como já escrevi aqui, seus textos
obviamente não precisam ser lidos como um conjunto de verdades incontestáveis.
Mas um educador de inegável relevância e influência mundial merecia, em seu
centenário, que seu legado fosse debatido no Brasil em tempos de menos
intolerância, ignorância e estupidez.
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