O Globo
Bolsonaro não para de dizer que pretende
jogar “dentro das quatro linhas”. Repete isso como quem precisa do apoio de um
mantra (no caso, um clichê futebolístico) para disfarçar as vozes da sua
cabeça, que o incitam diuturnamente a partir para um rompimento institucional.
Deveria jogar não nas quatro, mas na metade
disso — nas duas linhas da Constituição proposta por Capistrano de Abreu, no
início do século passado:
“Artigo 1º —Todo brasileiro é obrigado a
ter vergonha na cara.
Artigo 2º —Revogam-se as disposições em
contrário.”
Desde que assumiu o cargo para o qual foi
eleito por quase 58 milhões de brasileiros, o presidente não fez outra coisa
senão descumprir o Artigo 1º dessa (infelizmente) nunca promulgada
Constituição.
Ignorou as promessas de campanha (é estelionato eleitoral que chama?). Interferiu na política de preços da Petrobras, não levou adiante a agenda de privatizações, não fez as reformas tributária e administrativa, transformou o combate à corrupção numa batalha sem trégua para livrar a si e à sua família de uma enxurrada de escândalos e, claro, abortou a ideia de acabar com a reeleição.
No discurso de posse, propôs construir uma
“sociedade sem discriminação ou divisão” e não tem poupado esforços na direção
contrária. Prometeu montar uma equipe técnica e sem viés político, e olhaí o
Centrão no centro das decisões. Disse que uma das suas prioridades era
“proteger e revigorar a democracia” e instiga seus apoiadores — a pretexto de
uma hipotética “ditadura da toga” — a autorizá-lo a instalar uma ditadura sem
locução adjetiva. Some-se a isso sua responsabilidade direta por grande parte
das mortes em decorrência da demora (deliberada e criminosa) na vacinação
anti-Covid.
Bolsonaro não representa o Brasil profundo,
mas o fundo do poço do Brasil. Porque lhe faltam compostura, decoro,
princípios. Falta-lhe maturidade política, psíquica e sexual (prisioneiro da
puberdade, sua fixação fálica e seu “humor” homofóbico de 5ª série ainda hão de
ser objeto de estudo).
Insiste em querer tomar posse novamente em
2022, mesmo que perca as eleições — bem ao contrário de Capistrano de Abreu,
que, eleito para a Academia Brasileira de Letras — com mandato vitalício e
direito à imortalidade —, recusou a honraria.
Já que não cabe nas duas linhas da
Constituição de Capistrano e mal se contém nas quatro do campo de futebol,
melhor seria se Bolsonaro dobrasse a meta e mudasse logo o discurso, assumindo
que fará tudo dentro das oito linhas. Porque é no octógono que rola a
pancadaria do MMA e do UFC, com golpes de todos os feitios. Mas há uma ressalva:
as artes marciais impõem limites. Não vale bater cabeça, atacar a região
genital, usar linguagem abusiva, desrespeitar decisões do árbitro.
Talvez, na sua recorrente metáfora,
Bolsonaro não se refira ao futebol — que tem regras claras, penalidades e fair
play —, mas às rinhas de galo (onde só há barbárie), aos ringues de telecatch
(onde é tudo feique)
e aos de vale-tudo (onde vale tudo). Quando percebermos que é dentro dessas
quatro linhas que ele quer jogar, pode ser tarde demais.
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