O Globo
Depois de uma longa série de audiências
públicas na Câmara, o deputado Orlando Silva, relator do Projeto de Lei
2.630/20, conhecido como PL das Fake News, deverá apresentar seu relatório com
eventuais modificações no texto aprovado pelo Senado.
Um dos maiores desafios é a regulação dos
serviços de mensageria instantânea, como WhatsApp e Telegram. Ao contrário de
outros pontos do projeto, a regulação não dispõe de modelos internacionais
consagrados, em parte porque alguns dos problemas com o uso da mensageria
instantânea são criação original brasileira.
A mensageria instantânea foi criada para a comunicação interpessoal, mas logo se converteu em ferramenta de comunicação de massa, com a viralização de mensagens chegando a milhões de pessoas. Esse caráter híbrido do serviço (em parte interpessoal, em parte de massa) faz com que as proteções de opacidade e sigilo, virtuosas na comunicação “um a um”, se tornem deletérias quando estendidas à comunicação “um-muitos”.
Quando mensagens com conteúdo nocivo, como
desinformação sobre a Covid-19 ou ataques à democracia, viralizam, não é
possível descobrir de onde vêm, tornando esses crimes impunes. Essa opacidade
na comunicação de massa é um verdadeiro incentivo ao ilícito.
Por esse motivo, o Senado aprovou a criação
de um regime regulatório dual, em que a comunicação interpessoal e a conversa
em grupo são protegidas com sigilo e opacidade, mas o reencaminhamento de
mensagens virais (que têm o formato “um-muitos”) passa a ser rastreável —caso
um destinatário preste queixa, e um juiz reconheça indícios de ilícito. A
medida não atinge conversas privadas, não quebra a criptografia de ponta a
ponta e é cercada de limitações para o acesso aos dados.
Apesar desses cuidados, a medida gerou
resistência de alguns setores pela coleta de dados dos usuários que encaminham
mensagens. O deputado Orlando Silva tem agora de decidir se mantém e aprimora a
medida ou se a substitui por outra de eficácia equivalente.
Uma das medidas em debate é a proibição do
encaminhamento de mensagens para múltiplos usuários. Quando um usuário
encaminha mensagens alheias, ele atua como uma antena de retransmissão,
meramente ampliando o alcance de uma comunicação “um-muitos”.
Se não puderem ser reencaminhadas para
múltiplos destinatários, as mensagens dificilmente viralizarão, porque sua
difusão não terá crescimento exponencial. Na prática, tal medida desabilitaria
as funcionalidades de massa dos serviços de mensageria, acabando com seu
caráter híbrido.
Embora pareça um pouco drástica, a medida
não é muito diferente do que o próprio WhatsApp vem fazendo, restringindo o
encaminhamento de mensagens depois de crises, como os linchamentos na Índia em
2017 causados por correntes com informações falsas ou após a avalanche de
desinformação nas eleições brasileiras de 2018.
Seja como for, o que o relator não pode
fazer é deixar de tomar providências para enfrentar o grave problema de
desinformação na mensageria instantânea. Neste momento da História, não fazer
nada não deveria ser uma opção.
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