Merkel assumiu o posto de chanceler alemã
em 2005, após ter sido Ministra do Meio Ambiente do governo Helmut Kohl e líder
da oposição no governo da socialdemocracia alemã subsequente. Sendo química
quântica, logo revelou seu talento para decifrar a “química da política”. Foi a mais destacada estadista global dos
últimos anos, ao lado de Barack Obama, e a mais longeva.
Foi a grande responsável pela consolidação
da União Europeia e da Zona do Euro, com destacado papel no Tratado de Lisboa e
na Declaração de Berlim.
Embora seu partido, a União
Democrata-Cristã (CDU), seja classificado como de centro-direita conservadora,
tomou posições extremamente progressistas na crise financeira global de 2008;
na reforma do sistema de saúde alemão; nas discussões sobre a matriz
energética, fontes renováveis e aquecimento global; e, na crise migratória, se
diferenciado dos líderes mundiais de extrema-direita como Trump. Ao invés de
muros, construiu pontes humanitárias.
Merkel teve papel destacado no G7 e na
manutenção de uma posição de equilíbrio no mundo globalizado. Tinha fobia de
cães, traço adquirido na infância, e enfrentou a incivilidade de Putin, numa
coletiva conjunta, quando o líder russo, para a intimida-la, apareceu com seu
Labrador Retriever. Sua personalidade marcante e seu caráter ficaram claros em
declaração posterior: “Eu entendo que ele tem que fazer isso – para provar que
ele é homem – ele tem medo da própria fraqueza”. Sua austeridade pessoal sempre
encantou os alemães.
Nas eleições de 2021, há uma semana, mais
uma vez esboçou-se a complexa pulverização da representação partidária no
Bundestag. A socialdemocracia fez 25,7% dos votos e 206 cadeiras. A aliança
CDU/CSU fez 24,1% e 196 deputados. O Partido Verde roubou da extrema-direita a
posição de terceiro maior partido, com 14,8% dos votos e 118 cadeiras. O
Partido Democrático Liberal (FDP) totalizou 11,5% dos votos e conquistou 92
postos no parlamento. A extrema direita representada pela AFD caiu para 10,3%
dos votos e terá 83 deputados. A Esquerda foi salva pelo gongo. Fez 4,9% dos
votos, mas mesmo não cumprindo a cláusula de barreira de 5%, elegeu 3 deputados
distritais, carregando 39 representantes para o parlamento.
Tudo indica que o candidato da SPD, Olaf
Scholz, será o novo chanceler, mas terá que organizar maioria estável com
Verdes e Liberais, deixando a CDU na oposição. Scholz, apesar de oposição a
Merkel, era seu Ministro das Finanças. Coisas do parlamentarismo para
embaralhar a cabeça dos brasileiros entretidos como a polarização radical e
estéril. Aliás, três dos quatro mandatos de Merkel foram baseados em acordos
programáticos entre a CDU e a Socialdemocracia alemã.
O que temos a aprender? Primeiro, que um verdadeiro estadista tem que
ter convicções, posições claras, firmeza e liderança. Segundo, a superioridade
do parlamentarismo e do voto distrital misto, que sempre defendi no Congresso
brasileiro, para a estabilidade institucional e a construção do futuro.
Terceiro, que o diálogo, a negociação e o respeito aos diferentes é a matéria
prima essencial da política.
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