O Estado de S. Paulo
Um país que ostenta números declinantes e ideias envelhecidas precisa de ideias novas. Temos de acolhê-las como se fossem uma safra vital
Com um gesto largo, um tanto italianado, o
jornalista perguntou-me dramaticamente, escandindo as sílabas: “Ideias, o que
você traz de ideias?”. Antes de construir a resposta, pensei que a pergunta
tinha razão de acontecer. O Brasil, nos últimos anos, tem sido um deserto de
ideias, povoado por demagogos e fanfarrões que propõem ideias arcaicas,
superadas, mas edulcoradas de populismo para enganar o povo e atrair a sua
atenção. Comecei a responder ao jornalista – que ideias proponho?
Minha primeira ideia é prioridade total no combate às desigualdades, e não só a de renda. Não concebo que alguém queira ser presidente da República no Brasil e não se comova com a questão da desigualdade de renda, de cidadania e de acesso aos serviços básicos. Não se comover, não se emocionar, não se engajar de coração nesta causa não é um esquecimento, é uma perversão, é um gesto de profunda alienação política. A principal bandeira do próximo presidente da República tem de ser um projeto robusto e frontal para fazer do Brasil um país mais igual na renda, nas oportunidades e na vida.
Para não ficar na utopia, proponho, de um
lado, organizar uma atuação transversal, com metas claras e focalizadas; assim
como temos metas na economia, precisamos tê-las no combate à desigualdade.
Quero focar na pobreza infantil, a mais desvalida, a mais desprotegida, a mais
cruel. No Brasil, hoje, 17 milhões de jovens de até 14 anos vivem abaixo da
linha da miséria – isso é uma vergonha nacional que pode ser eventualmente
mitigada pelo Bolsa Família ou outros programas assistenciais, mas, a continuar
assim, boa parte desse contingente de futuros trabalhadores se transformará
numa tropa de futuros párias ou soldados do crime.
Um programa para atender esses jovens
custaria em torno de R$ 35 bilhões (um outro Bolsa Família), ou 10% de todos os
subsídios dados pelo governo federal a diversos setores da economia. Esses
jovens precisam, em primeiro lugar, sair da miséria; e, em segundo lugar, ser
incorporados ao mundo maravilhoso da educação e preparados para integrar, no
futuro, o contingente do bem, que contribui para o Brasil crescer, desenvolver-se
e desenvolver seus cidadãos.
Nas últimas duas décadas o Brasil atingiu o
auge do seu bônus demográfico, o período generoso em que o número de pessoas em
idade ativa supera o grupo de pessoas em idade inativa. O bônus é o período da
decolagem, quando os países aproveitam o impulso demográfico para crescer mais,
acumular riquezas e ajustar a economia para o futuro. A verdade lamentável é
que o Brasil está envelhecendo antes de enriquecer. Embicamos para baixo.
Cabe-nos descobrir como sair deste mergulho vertiginoso.
Precisamos dar saltos virtuosos, pois o
bônus demográfico se extinguiu e não voltará mais. Tem razão o meu amigo
jornalista. Um país que ostenta números declinantes e ideias envelhecidas
precisa desesperadamente de ideias novas. Temos de acolher as ideias novas como
se fossem uma safra vital e descartar as velhas, antiquadas, ineficazes,
superadas, que têm circulado em nossa arena política.
A primeira chave para nossa decolagem é decretar
a produtividade como nossa prioridade número um. Entre 1997 e 2017, o PIB no
Brasil cresceu a uma média de 2,2% ao ano (ante uma média mundial de 3,7% ao
ano), mas 77% desse crescimento vêm do bônus demográfico e apenas 23%, do
aumento de produtividade. Na década atual, a contribuição média do aumento da
força de trabalho para o PIB deve ter uma queda expressiva em relação às duas
décadas passadas, por culpa da nossa rápida transição demográfica.
Num momento logo após 2030, a contribuição
demográfica atingirá zero e, em seguida, passará a operar negativamente para o
crescimento econômico brasileiro. Quando isso acontecer – e vai acontecer logo
ali –, restará ao Brasil apenas a força do crescimento da produtividade para
elevar o seu PIB. São números desafiadores: para crescer 2% ao ano na próxima
década, teremos de triplicar o crescimento da produtividade total da economia.
Com o passar dos anos, isso ficará mais
difícil.
Não cabem hesitações. Melhorar a
produtividade é a nossa boia de salvação. O Brasil tem uma escolha: melhorar a
produtividade ou comprar um escafandro. E o primeiro passo para aumentar
velozmente a produtividade é aperfeiçoar a qualidade da educação dada aos
jovens brasileiros, futuros trabalhadores das décadas vindouras. Nossos números
atuais são ruins. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de
2019, num universo de 79 países, o Brasil ficou em 59.º em leitura, 67.º em
Ciências e 73.º em Matemática. Então, cabenos destinar investimentos maciços à
educação e preparar os brasileiros dignos do futuro.
Combate focado às desigualdades,
enfrentamento da pobreza infantil, esforço para aumentar a produtividade da
nossa economia e investimentos maciços na educação. Tudo isso com
responsabilidade fiscal, consensos estratégicos sobre as reformas necessárias e
equilíbrio nas relações sociais, econômicas, jurídicas e políticas que fazem
uma democracia ser o pilar estruturante que sustenta e ergue todos os outros de
uma nação. Eis aí algumas de minhas ideias.
*Governador do Rio Grande do Sul
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