O Globo
Nas últimas semanas, a América Latina
assistiu à ascensão de duas novas lideranças populistas de extrema direita:
Javier Milei, na Argentina, e José Antonio Kast, no Chile. A coalizão de Milei
conseguiu 17% dos votos nas eleições parlamentares em Buenos Aires,
consagrando-se como a terceira força política da região. Kast desponta como
favorito para vencer o primeiro turno das eleições presidenciais no Chile
amanhã. Ambos tiveram um desempenho política fulminante, num movimento que
lembra muito Bolsonaro em 2018.
Milei é um economista de 51 anos que se
autodenomina anarcocapitalista e que concorreu pela primeira vez a um cargo
público. Ele ganhou projeção nacional como comentarista e polemista em
programas de TV — um pouco como Bolsonaro, que ganhou notoriedade em aparições
nos programas de Luciana Gimenez, Pânico e CQC. Também como Bolsonaro, sua
postura desrespeitosa e um pouco ultrajante despertou a simpatia da juventude,
que o transformou num ícone politicamente incorreto e rebelde.
Ao contrário de Bolsonaro, suas convicções antiestatais são antigas, enraizadas e muito radicais. Ele defende a extinção do Banco Central, o corte de impostos e a pluralidade de moedas, levando a uma eventual dolarização da economia. Milei expressa sua postura antiestatal numa linguagem populista agressiva, prometendo expulsar a “casta” política a patadas.
É predominantemente liberal nos costumes: a
favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da legalização das drogas e se
diz praticante do amor livre. Por outro lado, é contrário ao aborto, que vê
como a interrupção de uma vida. É também a favor da posse de armas e contrário
à “ideologia de gênero”. Enquanto as lideranças políticas tradicionais da
extrema direita costumam temperar o conservadorismo moral com liberalismo
econômico, Milei tempera seu anarcocapitalismo com pitadas de conservadorismo —
tudo em linguagem populista anticomunista e antielitista.
Kast é uma liderança mais típica do novo
populismo de extrema direita. Ele vem de uma família tradicional católica, com
muitos políticos (seu irmão foi ministro e presidente do Banco Central no
governo de Pinochet). Fez sua carreira na União Democrática Independente,
partido de direita, lançou-se depois como candidato independente à Presidência
em 2017 (chegando a surpreendentes 8% dos votos) e concorre agora com sua
própria agremiação, o Partido Republicano.
Kast reivindica o legado econômico do
governo Pinochet, propondo desregulamentar os mercados e promover privatizações.
Embora tente matizar seu apoio à ditadura com o reconhecimento pontual de
crimes contra os direitos humanos, gosta de lembrar que Pinochet conduziu o
país à democracia. Seu slogan “Atreva-se a fazer do Chile um grande país” é
obviamente inspirado no “Make America Great Again” de Donald Trump. Em 2018,
quando visitou o Brasil, presenteou o então candidato Jair Bolsonaro com uma
camisa da seleção chilena de futebol.
No campo dos costumes, Kast é
ultraconservador como Bolsonaro. Fortemente ligado ao conservadorismo católico,
denuncia a “ideologia de gênero”, é contrário ao casamento entre pessoas do
mesmo sexo e se opõe à legalização do aborto. Defende o endurecimento da
política de segurança pública, com a militarização de certas regiões do país.
Adota também uma postura fortemente anti-imigração, prometendo fechar as
fronteiras para conter a chegada de venezuelanos.
Como Bolsonaro, Kast denuncia o
“globalismo” e propõe abandonar instituições internacionais como o Conselho de
Direitos Humanos da ONU, a que acusa de “ativismo ideológico”.
As semelhanças entre Milei, Kast e Bolsonaro mostram que vivemos uma onda internacional conservadora e que esses fenômenos políticos devem ser compreendidos para além de seus contextos nacionais. Há uma raiz comum desse novo populismo de extrema direita que se assenta na mão firme para combater a criminalidade, nas campanhas das igrejas contra a ideologia de gênero e no combate ao “marxismo cultural” e ao “globalismo” que estariam impregnando instituições.
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