EDITORIAIS
Inflação dá lucro para o governo
O Estado de S. Paulo
Alta de preços engorda a arrecadação e
amplia o espaço para gastos federais em ano de eleição.
Cruel para os trabalhadores, especialmente
para os mais de 13 milhões de desempregados, a inflação tem sido grande
colaboradora do Tesouro Nacional, importante fonte de arrecadação mesmo em
tempo de economia emperrada. Pela nova estimativa, incluída no quinto relatório
bimestral de receitas e despesas, o poder federal deve arrecadar neste ano R$
1,913 trilhão, R$ 57 bilhões a mais que o valor projetado em abril, R$ 1,856
trilhão. Vinte bilhões, mais que um terço desse acréscimo, devem provir da
combinação de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e inflação superior à
prevista no início do ano.
A receita da União normalmente cresce mais
que o produto. Esse é um dado conhecido há muito tempo. Neste ano, a
arrecadação recebe também o impulso especial de um dos maiores surtos
inflacionários já registrados, no Brasil, no século 21. Em 12 meses a alta de
preços ao consumidor já ultrapassou 10%. A variação prevista no mercado para o
período de janeiro a dezembro chegou a 10,12%, segundo a última pesquisa Focus.
A arrecadação tende a engordar, portanto, mesmo com negócios em marcha muito lenta, desemprego elevado e consumidores empobrecidos. Neste ano, a produção da indústria recuou em sete dos nove meses de janeiro a setembro, na comparação de cada mês com o imediatamente anterior. O consumo também tem oscilado, assim como a atividade do setor de serviços. No terceiro trimestre o desempenho econômico foi muito fraco, a julgar pelos números já publicados, e no segundo o PIB foi inferior ao do primeiro.
Não há, portanto, como vincular o aumento
da arrecadação a um renovado dinamismo econômico. As comparações com os dados
de 2020 mostram avanços econômicos mais sensíveis, por causa da base de
referência muito baixa. Mas o desempenho registrado neste ano, desde o começo do
segundo trimestre, tem sido medíocre. Os consumidores estão empobrecidos, o
desemprego é um dos mais altos do mundo e a indústria, além de prejudicada
pelas más condições do mercado interno, tem sido afetada por um fenômeno
global, os desarranjos nas cadeias de suprimento de insumos.
Com receita maior e alguma contenção de
gastos, o Ministério da Economia reduziu de R$ 139,43 bilhões para R$ 95,82
bilhões o déficit primário – saldo calculado sem a conta de juros – estimado
para 2021. Mas, para avaliar as despesas possíveis, o Executivo continua a
depender da aprovação da PEC dos Precatórios e da decisão final do Congresso a
respeito do auxílio aos pobres. Se aprovada no atual formato, a PEC dos
Precatórios autorizará um novo cronograma de pagamentos de compromissos
sacramentados pela Justiça. Será um calote avalizado pelo Legislativo contra
uma decisão final do Judiciário.
Além disso, o teto de gastos dependerá da
inflação de janeiro a dezembro deste ano, em vez de ser determinado, de acordo
com o critério ainda em vigor, pela variação de preços entre julho de 2020 e
junho de 2021. Os novos cálculos apontam uma folga de R$ 106,1 bilhões, R$ 14,5
bilhões superior à da previsão anterior. A diferença decorre da nova taxa de
inflação tomada como referência, 9,6% em vez de 8,7%. Mas a diferença poderá
ser ainda maior, porque a nova estimativa do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) ultrapassa 10%.
A inflação beneficia duplamente o poder
federal, engordando a base tributária e elevando o teto de gastos de 2022,
quando o presidente Jair Bolsonaro poderá influenciar as despesas de acordo com
seus objetivos eleitorais.
As manobras para ampliar os gastos pioram
as expectativas inflacionárias e afetam as projeções para 2023 (3,42%) e 2024
(3,10%). Todas as previsões da pesquisa Focus superam as metas oficiais. Já se
fala, no mercado, em desancoragem das expectativas, e especialistas discutem se
vale a pena apertar a política monetária, elevando ainda mais os juros e
prejudicando o crescimento para controlar as expectativas de longo prazo.
Pode-se discutir esse ponto, mas é preciso, sem dúvida, cuidar do desastroso
cenário de 2022, já contaminado pela explosão de preços de 2021.
As bravatas e suas consequências
O Estado de S. Paulo
Ameaças do presidente de intervenção na
política de preços de combustíveis são levadas a sério e afastam investidores
em terminais portuários
Desde que Jair Bolsonaro venceu a eleição,
lideranças políticas e da área econômica aguardam ansiosamente o dia em que
haverá moderação no discurso do mandatário. Passados quase três anos de sua
posse, é possível afirmar com certa segurança que isso não vai acontecer. Dada
a realidade dos fatos, com o tempo, auxiliares mudaram de estratégia: passaram
a diminuir a importância dos arroubos que o presidente dispara diariamente.
Seria o “jeito” do capitão, e, embora sua incontinência verbal não encontre
limites, suas palavras poucas vezes se materializariam em atos.
Se essa versão não convence nem mesmo a
sociedade civil, não deveria surpreender que tampouco seja aceita pelos
investidores. O resultado pode ser visto no leilão de arrendamentos portuários
realizado na semana passada pelo Ministério da Infraestrutura. Na licitação,
considerada a maior dos últimos 20 anos, o governo ofereceu dois terminais para
movimentação de combustíveis no Porto de Santos, o principal do País e o maior
da América Latina. Os terrenos se conectam ao sistema de dutos que interligam a
região da Alamoa à rede da Transpetro, subsidiária da Petrobras, e se destinam
à movimentação, armazenagem e distribuição de granéis líquidos.
Era de esperar uma intensa concorrência
pelos arrendamentos, já que essas áreas atendem o Estado de São Paulo, um dos
maiores mercados consumidores do País, além das Regiões Sudeste e Centro-oeste.
Paradoxalmente, um deles recebeu uma única proposta, da Petrobras, que já
operava a área por meio da Transpetro. O outro não contou com nenhum interessado.
Para evitar problemas de abastecimento, a operação deve ser mantida de forma
transitória pela empresa até que o governo reavalie as condições da licitação e
coloque a área novamente em disputa.
A ausência de lances reflete as
consequências diretas das falas de Bolsonaro sobre o setor de combustíveis, um
de seus alvos mais recentes. Para o presidente, a culpa pelos aumentos
recorrentes é da Petrobras, empresa que, em sua opinião, deveria ter maior
controle sobre os preços. A privatização da Petrobras, disse Bolsonaro, “entrou
no radar”, porque a companhia “lucra muito” e “só dá dor de cabeça”. Não houve
nenhuma declaração sobre o fato de a exploração de petróleo ser uma atividade
que pode perfeitamente ser exercida por outras companhias nem sobre a
necessidade de o Estado priorizar seus recursos no atendimento adequado dos
cidadãos em áreas como saúde e educação.
Reportagem do Estadão/broadcast mostrou que
a percepção de risco sobre o setor e o temor de que o governo atue para acabar
com o preço de paridade de importação (PPI) adotado pela Petrobras afugentaram
investidores. Na fase de estudos da licitação, diversas empresas teriam
demonstrado interesse na área, mas a desconfiança predominou com a proximidade
do período eleitoral, que tem incentivado ações cada vez mais populistas na
busca por votos em 2022. Ninguém pode culpar os empresários pelo receio. Quem
estaria disposto a desembolsar milhões para arrematar um terminal a fim de
usálo para importar combustíveis e, depois, arriscar ter de vendê-lo com
prejuízo no mercado interno?
Com proposta única, por sua vez, a
Petrobras arrematou o outro arrendamento do Porto de Santos por R$ 558,2
milhões. A área já era operada pela companhia, que domina o segmento, e se
conecta à refinaria Presidente Bernardes e a um terminal em Cubatão e às demais
refinarias existentes no Estado. A previsão de investimentos é de R$ 678,3
milhões em 25 anos.
Para as advogadas Marcela Graça Aranha e Lívia Amorim, sócias do escritório Souto Correa, existe um grande ceticismo em relação à abertura do mercado de combustíveis como um todo no País no longo prazo. O resultado do leilão é apenas mais um exemplo das políticas contraditórias deste governo. Embora técnicos se esforcem para dar andamento a medidas que reduzam o poder da Petrobras no País e ampliem a concorrência no setor, não há como essas ações prosperarem quando o presidente trabalha diariamente para boicotá-las.
As piruetas de Lula para seduzir o
eleitorado
O Globo
Favorito nas pesquisas para as eleições de
2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma turnê pela Europa em
que agiu e falou como se já estivesse eleito. Foi recebido com pompa por
líderes como o presidente francês, Emmanuel Macron, o futuro premiê alemão,
Olaf Scholz, e o premiê espanhol, Pedro Sánchez, além de ter sido ovacionado no
Parlamento Europeu. Ficaram em segundo plano as explicações sobre os casos de
corrupção ou a tragédia fiscal que os governos petistas legaram aos sucessores.
Sua entrevista ao jornal espanhol El País é
um ótimo exemplo do que o brasileiro deve esperar de Lula na campanha
eleitoral. Mesmo sem assumir a candidatura explicitamente, ele deixou claro que
se apresentará como único antídoto capaz de salvar o Brasil do bolsonarismo e
resgatar a pretensa glória dos anos petistas. Tentou posar de vítima de
perseguição política e distorceu os fatos para construir uma narrativa apoiada
em falácias, sofismas e na eterna cantilena de autocomiseração com que sempre
seduziu o eleitor.
Duas comparações ilustram o estilo Lula de
lidar com a realidade. Questionado sobre a Nicarágua, ele se saiu com um
paralelo estapafúrdio para defender Daniel Ortega, um dos ditadores de
estimação do PT: “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel
Ortega não?”. Diante de tamanho absurdo, uma entrevistadora reagiu dizendo que
Ortega mandara prender opositores para garantir sua reeleição, enquanto Merkel
sempre foi reeleita dentro das regras da democracia. Lula deu então nova
pirueta retórica e, noutro desafio à realidade, comparou o período que passou
na cadeia ao arbítrio de Ortega contra políticos da oposição. “Não sei o que as
pessoas fizeram para ser presas”, afirmou. “Sei que eu não fiz nada. Se Daniel
Ortega prendeu líderes da oposição para não disputar eleição, como fizeram no
Brasil contra mim, ele está totalmente errado.”
Em sua lógica torta, Lula considera que foi
preso não em virtude das inúmeras provas recolhidas nas investigações do
petrolão — notas fiscais, documentos, extratos bancários, fotografias,
confissões em texto, áudio, vídeo etc. —, mas apenas para ser impedido de
concorrer na eleição de 2018. “Fiquei 580 dias na cadeia para que Bolsonaro
fosse eleito presidente da República”, afirmou. Como se tudo o que importasse
nas investigações da Operação Lava-Jato, que revelou o submundo das negociações
espúrias no meio político em diversos partidos, fosse atingir o PT e impedi-lo
de concorrer.
O mais intrigante no malabarismo retórico
de Lula é sua capacidade de ser, ao mesmo tempo, contra e a favor de Ortega
quando convém. E de, em ambas as situações, dar um jeito de levar a vitória
moral. Na primeira comparação, ele está ao lado de Ortega, visto como um
injustiçado da esquerda que só paga o preço de ficar no poder tanto quanto
Merkel ou outros líderes de democracias consolidadas. Na segunda, está ao lado
da oposição a Ortega, vista como injustiçada — como ele, claro — por ir para a
prisão sem fazer nada. Nas duas, Lula está com a razão. O erro é de quem o
perseguiu. E só o retorno dele ao poder poderá repará-lo.
Lá pela tantas, Lula deixou escapar a
seguinte frase: “Todo político que começa a se achar imprescindível ou
insubstituível começa a virar um pequeno ditador”. Se Lula se julga mesmo tão
infalível assim, talvez fosse o caso de começar a ouvir os conselhos do próprio
Lula.
É frustrante a omissão dos partidos nos
testes das urnas eletrônicas
O Globo
A dez meses das eleições de 2022, o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu início na segunda-feira à sexta edição do
teste público de segurança do sistema eletrônico de votação. Reunidos em
Brasília, 26 investigadores da sociedade civil, entre eles professores
universitários e especialistas em segurança digital, passarão a semana tentando
fraudar os equipamentos e programas de votação. Num ambiente vigiado e em
equipamentos fornecidos pelo TSE, esses hackers são incentivados a encontrar
vulnerabilidades para ajudar a aperfeiçoar o sistema.
O entusiasmo dos participantes do teste
contrasta com o desinteresse demonstrado até agora pelos partidos políticos, em
princípio os maiores interessados em assegurar melhorias no sistema. Em
outubro, o TSE abriu, para inspeção das legendas, os códigos internos que fazem
funcionar a urna eletrônica e o sistema de votação, conhecidos tecnicamente
como “códigos-fonte”. Até ontem, só o Partido Verde (PV) se credenciara para
examiná-los. Em 25 anos, foi o segundo partido a se interessar pelo assunto (o
outro foi o PT, até 2002). É notável que nenhum dos bolsonaristas que vivem
atacando o sistema digital de votação e espalhando desinformação a respeito
jamais tenha se dignado a tentar entendê-lo, inspecionando o código.
Seria dever não apenas deles, mas de todas
as demais agremiações políticas seguir o exemplo dos verdes. É certo que,
politicamente, os principais partidos têm reafirmado confiar piamente na lisura
das eleições. Tal confiança precisa, contudo, decorrer da análise técnica. Daí
a importância de participar da fase de testes. Isso sempre foi verdade nos 25
anos de urna eletrônica, mas ganhou maior relevância com a chegada de Jair
Bolsonaro ao Planalto.
O TSE tem feito sua parte. Para ampliar a
transparência, aumentou em seis meses o prazo de inspeção do código e convidou
instituições como as Forças Armadas e organismos internacionais a acompanhá-la.
Aparentemente, o movimento tem surtido efeito. Tanto que, em declaração
recente, o próprio Bolsonaro moderou o tom no ataque às urnas, dizendo que a
participação das Forças Armadas nos testes torna as eleições de 2022 mais
confiáveis. “O ideal é o voto no papel, impresso. Mas agora fica quase
impossível uma fraude”, afirmou.
É uma declaração notável para alguém que
sempre tentou deslegitimar o processo eleitoral sem nenhuma prova, com a
intenção de justificar reações ilegítimas em caso de derrota em 2022, a exemplo
de Donald Trump nos Estados Unidos.
Como a campanha bolsonarista deixou
sequelas na sociedade brasileira, é preciso eliminar quaisquer dúvidas sobre a
lisura do sistema eleitoral. Por isso, a participação de todos os partidos
políticos na fase de testes não é apenas desejável, mas fundamental. Ainda há
tempo para que mais legendas se credenciem, mandem representantes e acompanhem
de perto esse importante período preparatório do pleito. Elas deveriam fazer
isso o mais rápido possível.
Democrata flexível
Folha de S. Paulo
A defesa de ditadores amigos por Lula e
pelo PT vem de longe e não vai mudar
Quem tem memória dos 13 anos de governo
petista, e da trajetória de mais de quatro décadas do Partido dos
Trabalhadores, não estranhou a argumentação escalafobética do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva para defender
ditaduras amigas da esquerda brasileira.
Questionado pelo jornal espanhol El País
sobre a situação da Nicarágua do ditador Daniel Ortega, reconduzido pela
terceira vez seguida num processo eleitoral de fancaria, o líder do PT saiu-se
com um repisado sofisma: se governantes europeus como a alemã Angela Merkel
podem ficar 16 anos no poder, por que Ortega ou o venezuelano Nicolás Maduro
não podem?
O brasileiro foi rebatido instantaneamente
pelas entrevistadoras, que lembraram que Merkel não prende opositores, como
fazem caudilhos em Cuba, Nicarágua e Venezuela. Pego no contrapé —pois não está
acostumado a ser contraditado por seu círculo de bajuladores— saiu-se com uma
emenda que piorou o soneto.
"Se o Daniel Ortega prendeu a oposição
para não disputar a eleição como fizeram no Brasil contra mim, ele está
totalmente errado", disse Lula. Outra frase que entra para o bestialógico
de quem já afirmou, sobre a Venezuela chavista, que ali há excesso de
democracia.
Ditaduras negam aos encarcerados o direito
de apelar pela liberdade e a inocência até a última instância perante juízes
independentes. Essa é uma prerrogativa exclusiva do Estado democrático de
Direito, de que tem usufruído à plenitude o ex-presidente brasileiro.
Outra cortina de fumaça do velho repertório
esquerdista lançada por Lula, capaz de despistar apenas os incautos, é a
confusão entre os princípios de não ingerência e autodeterminação dos povos, de
um lado, e o da defesa dos direitos humanos e da democracia, do outro.
Não há nenhuma contradição entre condenar
os abusos cometidos em território estrangeiro e respeitar a autonomia das
nações para resolverem elas próprias os seus problemas. Um democrata convicto,
e não um flexível como o líder petista, faria exatamente isso.
Tampouco o imperativo de denunciar em foros
adequados as violações dos direitos humanos em Cuba colide com a obrigação de
criticar o embargo dos EUA, que acaba agravando a precária situação da
população da ilha.
Não há, infelizmente, nenhuma evolução na
retrógrada posição petista nesse terreno. O partido pensa e age como Lula —vide
nota congratulando Ortega e o elogio da
ex-presidente Dilma Rousseff à autocracia chinesa—
e não vai mudar.
Agrada-se assim à militância fiel e
ideológica, correndo-se o risco de suscitar a repulsa dos demais eleitores. De
maneira mais tosca, é o que faz Bolsonaro também.
Rotina macabra
Folha de S. Paulo
Nova chacina em operação policial no Rio
deixa pouca esperança de esclarecimento
Seis meses após o morticínio causado por
uma operação policial na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que deixou
quase três dezenas de vítimas, uma nova investida das forças de segurança,
desta vez no complexo do Salgueiro, custou ao
menos oito vidas.
Mais uma vez a incursão ocorreu depois da
morte de um policial na região, caracterizando um padrão de represália.
Repetiu-se também o conhecido desprezo por procedimentos legais básicos, que
deveriam nortear a ação da polícia —como a preservação dos locais para a
realização de perícia.
Atirados numa área de mangue, os corpos
foram resgatados por parentes e membros da comunidade, num episódio pungente e
cruel, fruto da barbárie que tem caracterizado a atuação do poder estadual na
área de segurança.
Segundo dados da Rede de Observatórios de
Segurança, que articula entidades dedicadas ao monitoramento de confrontos, de
janeiro a outubro deste ano aconteceram 38 chacinas (homicídios de três ou mais
pessoas) em território fluminense, das quais 27 resultaram da ação da polícia.
Apenas de janeiro a julho deste ano,
segundo dados da Universidade Federal Fluminense, registraram-se 811 mortes
decorrentes de intervenção policial no Rio, cifra que representa 38% do total
de homicídios —a maior porcentagem em 15 anos.
Apesar dos eventuais esforços do Ministério
Público e de entidades de direitos humanos, é difícil crer que o caso será
esclarecido, e os abusos, punidos.
Há décadas o confronto armado é o método
escolhido pelos governantes para enfrentar quadrilhas do narcotráfico, quase
sempre de maneira indiscriminada, com danos irreversíveis para a população de
favelas e bairros pobres, constituída majoritariamente por negros.
A lógica do proibicionismo transformada em
guerra contra as drogas perdura diante da inércia dos Poderes, que se omitem
quanto à necessidade de reorientar as políticas públicas de modo mais eficaz.
Note-se que os descalabros têm contrariado
liminar concedida pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal,
sobre o caráter excepcional de incursões da polícia em favelas durante a
pandemia. A decisão já obteve maioria no plenário, mas o julgamento arrasta-se
desde que Alexandre de Moraes pediu vistas do processo.
A corte deve retomar o caso nesta semana,
mas o dano está feito.
Petróleo sobe mais após intervenção
americana
Valor Econômico
2022 é ano de eleições e a pressão para
mostrar serviço ao eleitor é a trilha mais curta para se chegar a respostas
erradas
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden,
está perdendo a paciência com a alta do petróleo e com os estragos que ela traz
à popularidade de seu governo. Ontem, ele anunciou uma medida que só havia sido
tomada em três ocasiões, motivadas por guerras e desastres naturais, e anunciou
que os Estados Unidos vão liberar nos próximos meses 50 milhões de barris de
suas reservas estratégicas. Aderem à iniciativa a China, com mais 5 milhões de
barris, Índia, com outros 5 milhões, Reino Unido, com 1,5 milhão, além do Japão
e Coreia do Sul. A reação à medida foi sintomática: os preços do petróleo
subiram.O WTI encosta nos US$ 80 o barril, com variação em um ano de 80,8%.
Os presidentes americanos atuam na gangorra
dos preços, tanto na alta quanto na baixa. Diante da derrocada das cotações com
a pandemia, Donald Trump instou a aliada Arábia Saudita e demais membros da
Opep, o cartel dos produtores, a reduzirem a produção. Nos últimos meses, Biden
tenta sem sucesso fazer o contrário, que o cartel aumente a oferta. A Opep não
reagiu à decisão de Biden e não se sabe se manterá seu cronograma de aumento de
400 mil barris/dia em dezembro ou se deixará de fazê-lo em sinal de
desaprovação da manobra americana.
A arma usada por Biden é fraca para mover
um mercado que consome 100 milhões de barris diários e considerada inadequada
por seus objetivos, dentre os quais não estão os estratégicos de suprir o
abastecimento em situações extremas. Biden quis ao agir dar uma resposta aos
críticos, que atribuem a sua agenda ambiental à elevação dos preços, e aos
consumidores da nação com o maior número de carros per capita do mundo.
Os ventos do mercado causaram o furacão dos
preços. As oscilações violentas tiveram reflexos nas cotações dificilmente
contornáveis a curto prazo. Em 2020, com a pandemia, a demanda americana caiu
10 milhões de barris/dia. Em 2021, com a recuperação robusta, ela subiu 12
milhões de barris/dia. A produção americana teve seu pico em 2019, com 13
milhões de barris/dia e agora em novembro, é de 11,1 milhões.
Não há um interesse febril em ativar a
produção de shale porque os sinais dos preços futuros ainda não são firmes e há
a perspectiva bastante real de um freio na onda altista, com a perda de fôlego
natural das economias dos EUA, Europa e China, além da quase certeza do início
de aumento dos juros pelo Federal Reserve diante de uma inflação alta, embalada
também pelos preços dos energéticos.
O cenário de recuo dos preços é o mais
otimista. Há um outro, que parte da premissa que a pressão da demanda global
ainda mal apareceu - e sequer chegou ao nível pré-pandemia. O principal ator no
mercado foi a queda dos investimentos das empresas do setor, motivadas por um
ciclo de baixos preços, o que é normal, mas desta vez por uma mudança radical,
com a descarbonização global se acelerando e as chances de os ativos em
petróleo perderem muito valor.
Além de diversificar, as grandes
petrolíferas concentraram os investimentos em exploração nos alvos mais seguros
e mais rentáveis. O resultado é que o aumento da oferta poderá não ser tão
vigoroso quanto a do “business as usual”, com um horizonte de preços altos por
anos a fio.
Biden tentou um atalho que não deve levar a
lugar nenhum. Os 50 milhões de barris das reservas estratégicas equivalem a 2,5
dias do consumo americano (FT, ontem) e a um aumento de 137 mil barris/dia por
um ano, ou seja, gotas em um oceano de petróleo. O presidente Jair Bolsonaro
tem um problema ainda maior a resolver com a alta dos combustíveis, porque elas
não estão sendo aparadas pela valorização do real. Aos aumentos exuberantes do
óleo (no ano, 53%) se soma a alta sucessiva do dólar (7,8% no ano).
Bolsonaro primeiro reclamou que a alta da
gasolina e do diesel era culpa dos impostos estaduais, depois colocou a
Petrobras na lista dos vilões e enfim sancionou um auxílio-gás, subsídio de 50%
no valor do botijão, e quer dar um auxílio aos caminhoneiros para aliviar os
efeitos dos reajustes do diesel. Sob inspiração do presidente da Câmara, Arthur
Lira, os deputados flertaram com a fixação de preço nominal do ICMS que não
variaria por 12 meses. O Senado foi por outra via, com a proposta de taxar as
exportações de petróleo para que seus recursos constituam um fundo de
equalização dos preços.
2022 é ano de eleições e a pressão para mostrar
serviço ao eleitor é a trilha mais curta para se chegar a respostas erradas. O
certo é que do governo Bolsonaro não virá a luz sobre a questão.
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