quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Zeina Latif - Construindo a herança maldita

O Globo

O próximo presidente encontrará um país desarrumado, com retrocessos institucionais na política econômica e mais frágil estruturalmente

A economia brasileira exibe sinais precoces de estagnação; e isso sem ter sentido ainda a força contracionista da alta de juros do Banco Central, contratada para 2022. Contrariando a visão de muitos de que o avanço da vacinação, bem como a alta de preços de commodities, traria ímpeto à atividade econômica, a medida de PIB mensal do BC (IBC-Br) está praticamente estável desde março.

Como já discutido neste espaço, esse quadro não surpreende, tendo em vista os erros de política econômica que alimentam a inflação. Esta chegou mais cedo e mais forte ao Brasil: em meados do ano passado, a taxa estava próxima da média de Chile, Colômbia, México e Peru, na casa de 2,5% na variação anual, mas em outubro atingiu 10,7%, ante média de 6% nesses países. Não surpreendem as previsões tão distantes para a taxa de juros no final de 2022: 11,25% ao ano no Brasil e cerca de 5% na média do grupo.

Somam-se a isso as incertezas políticas. Sabe-se lá qual será a agenda econômica deste fim de governo e do próximo presidente, e sua força política. As incertezas vão além de temas mais elaborados, como as reformas estruturais. Há dúvidas sobre assuntos que deveriam estar mais consolidados, como a política de preços da Petrobras e o compromisso com a disciplina fiscal.

Tudo somado, turva-se o cenário econômico, prejudicando decisões de contratação de mão de obra e investimento, o que compõe o quadro de estagnação.

Uma mostra da confusão atual é que as projeções dos analistas do mercado financeiro para a inflação em prazos mais longos descolaram-se das metas estabelecidas, o que não ocorria desde a gestão de Alexandre Tombini à frente do BC, no governo Dilma Rousseff. As estimativas para 2023 e 2024 estão em 3,42% e 3,10%, respectivamente, acima das metas de 3,25% e 3%. A ironia é que isso ocorre sob do manto de um BC com independência formal e com o mandato de Roberto Campos Neto expirando apenas no fim de 2023. Os desvios são pequenos, mas dizem muito sobre o grau de incertezas, a ponto de afetar a confiança no regime de metas.

Não apenas os fatores conjunturais acima pesam, mas também os estruturais. O baixo potencial de crescimento — fruto de falta de mão de obra qualificada, parque produtivo defasado tecnologicamente e gargalos de infraestrutura — torna o país mais sensível a choques adversos e erros de política econômica, sendo sua superação e a correção de rumos também mais difíceis. Ventos favoráveis, por sua vez, tendem a ajudar menos do que no passado.

Um sinal da fragilidade é o aumento da participação dos produtos importados na economia, após o recuo em 2020 causado pelo abalo no comércio mundial. A razão entre volume importado e produção industrial (ou consumo aparente de bens industriais = produção – exportação + importação) retomou trajetória de alta e atinge novos recordes.

Não que importar seja algo ruim, pelo contrário. O comércio internacional permite que países explorem suas vantagens comparativas e tenham acesso a produtos mais sofisticados, o que implica maior crescimento econômico. O Brasil, porém, não se encaixa bem nesse contexto. O país é pouco aberto ao comércio e o aumento da importação tem sido mais marcado nos bens de consumo — em que pese a elevação em alguns bens de capital e insumos mais elaborados, como equipamentos elétricos e de informática e produtos químicos —; é o caso de alimentos, bebidas, têxtil, perfumaria e mobiliário.

O ponto a destacar é que a participação das importações só faz crescer, ao contrário do esperado tendo em vista a alta do câmbio em termos reais (acima da inflação) e a queda do custo da mão de obra em dólar, contrariando o padrão histórico de correlação entre essas variáveis. De quebra, eleva-se a contaminação da alta do dólar sobre a inflação, pois há mais importados na cesta de consumo.

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O próximo presidente encontrará um país desarrumado na macroeconomia, com retrocessos institucionais no arcabouço de política econômica e mais frágil estruturalmente. Um alento é que, nas relações diplomáticas e na questão ambiental, não é o país que está com imagem abalada, mas sim o atual governo.

Muitos problemas poderão ser superados pelo próximo presidente, desde que não seja desperdiçado o primeiro ano de governo para avançar com reformas estruturais. A arrumação da casa demandará grande esforço.

 

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