O Globo
O próximo presidente encontrará um país
desarrumado, com retrocessos institucionais na política econômica e mais frágil
estruturalmente
A economia brasileira exibe sinais precoces
de estagnação; e isso sem ter sentido ainda a força contracionista da alta de
juros do Banco Central, contratada para 2022. Contrariando a visão de muitos de
que o avanço da vacinação, bem como a alta de preços de commodities, traria ímpeto à
atividade econômica, a medida de PIB mensal do BC (IBC-Br) está praticamente
estável desde março.
Como já discutido neste espaço, esse quadro
não surpreende, tendo em vista os erros de política econômica que alimentam a
inflação. Esta chegou mais cedo e mais forte ao Brasil: em meados do ano passado,
a taxa estava próxima da média de Chile, Colômbia, México e Peru, na casa de
2,5% na variação anual, mas em outubro atingiu 10,7%, ante média de 6% nesses
países. Não surpreendem as previsões tão distantes para a taxa de juros no
final de 2022: 11,25% ao ano no Brasil e cerca de 5% na média do grupo.
Somam-se a isso as incertezas políticas. Sabe-se lá qual será a agenda econômica deste fim de governo e do próximo presidente, e sua força política. As incertezas vão além de temas mais elaborados, como as reformas estruturais. Há dúvidas sobre assuntos que deveriam estar mais consolidados, como a política de preços da Petrobras e o compromisso com a disciplina fiscal.
Tudo somado, turva-se o cenário econômico,
prejudicando decisões de contratação de mão de obra e investimento, o que
compõe o quadro de estagnação.
Uma mostra da confusão atual é que as
projeções dos analistas do mercado financeiro para a inflação em prazos mais
longos descolaram-se das metas estabelecidas, o que não ocorria desde a gestão
de Alexandre Tombini à frente do BC, no governo Dilma Rousseff. As estimativas
para 2023 e 2024 estão em 3,42% e 3,10%, respectivamente, acima das metas de
3,25% e 3%. A ironia é que isso ocorre sob do manto de um BC com independência
formal e com o mandato de Roberto Campos Neto expirando apenas no fim de 2023.
Os desvios são pequenos, mas dizem muito sobre o grau de incertezas, a ponto de
afetar a confiança no regime de metas.
Não apenas os fatores conjunturais acima
pesam, mas também os estruturais. O baixo potencial de crescimento — fruto de
falta de mão de obra qualificada, parque produtivo defasado tecnologicamente e
gargalos de infraestrutura — torna o país mais sensível a choques adversos e
erros de política econômica, sendo sua superação e a correção de rumos também
mais difíceis. Ventos favoráveis, por sua vez, tendem a ajudar menos do que no
passado.
Um sinal da fragilidade é o aumento da
participação dos produtos importados na economia, após o recuo em 2020 causado
pelo abalo no comércio mundial. A razão entre volume importado e produção
industrial (ou consumo aparente de bens industriais = produção – exportação +
importação) retomou trajetória de alta e atinge novos recordes.
Não que importar seja algo ruim, pelo
contrário. O comércio internacional permite que países explorem suas vantagens
comparativas e tenham acesso a produtos mais sofisticados, o que implica maior
crescimento econômico. O Brasil, porém, não se encaixa bem nesse contexto. O
país é pouco aberto ao comércio e o aumento da importação tem sido mais marcado
nos bens de consumo — em que pese a elevação em alguns bens de capital e
insumos mais elaborados, como equipamentos elétricos e de informática e
produtos químicos —; é o caso de alimentos, bebidas, têxtil, perfumaria e
mobiliário.
O ponto a destacar é que a participação das
importações só faz crescer, ao contrário do esperado tendo em vista a alta do
câmbio em termos reais (acima da inflação) e a queda do custo da mão de obra em
dólar, contrariando o padrão histórico de correlação entre essas variáveis. De
quebra, eleva-se a contaminação da alta do dólar sobre a inflação, pois há mais
importados na cesta de consumo.
O próximo presidente encontrará um país
desarrumado na macroeconomia, com retrocessos institucionais no arcabouço de
política econômica e mais frágil estruturalmente. Um alento é que, nas relações
diplomáticas e na questão ambiental, não é o país que está com imagem abalada,
mas sim o atual governo.
Muitos problemas poderão ser superados pelo
próximo presidente, desde que não seja desperdiçado o primeiro ano de governo
para avançar com reformas estruturais. A arrumação da casa demandará grande
esforço.
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