quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Fernando Exman - Falha na identificação da nova face tucana

Valor Econômico

Diálogo e ponderação devem começar na pré-campanha

Simbólico o erro na função de autenticação facial do aplicativo das prévias tucanas.

O PSDB enfrenta dificuldades para apresentar ao eleitor a sua nova cara. Tornou-se uma legenda em que alguns de seus integrantes não se identificam mais e tampouco se reconhecem.

E não foi só o aplicativo. O partido também entrou em pane, mas não uma pane tecnológica. Travou porque há uma disputa política pelo seu sistema operacional.

De um lado, está um grupo considerável de técnicos mais antigos, representado por aqueles que formataram o sistema por muito tempo, e, portanto, possui mais força entre votos com maior peso relativo na disputa interna. Eles estão com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. E do outro lado se apresenta uma ala que tem grande capacidade de processamento e demonstrou força na campanha. Ela aposta na capilaridade proporcionada pelo aplicativo de votação. É o grupo do governador de São Paulo, João Doria.

Hoje, os problemas técnico e político dividem as atenções. E ambos acabam por atrapalhar os planos do partido de transformar as prévias em uma grande vitrine.

O evento de domingo, frustrado pela falha no aplicativo e esvaziado após os desentendimentos entre os pré-candidatos, tinha uma boa estrutura e um roteiro interessante, capazes de manter o partido em local de destaque na imprensa. Mas imaginava-se um noticiário positivo, aproveitando que a sigla voltara aos holofotes ao promover um processo democrático interno não visto entre seus concorrentes.

Ao fim do processo, a ideia era começar de imediato um movimento de reunificação. O ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio, terceiro postulante, até insistiu na necessidade de união ao entrar no evento. Ao ser perguntado se achava viável, alertou: “A burrice não tem limites. A inteligência tem limites, até a inteligência de Albert Einstein tinha. A burrice não tem”.

Mas, retomando. Todos os três postulantes discursariam ao fim do encontro, juntos, independentemente do resultado. Na sequência, o vencedor receberia da direção nacional um documento que serviria de base para a formulação do programa de governo. Assim, estariam no palco a nova cara do PSDB, na plateia o corpo de militantes e, por fim, a alma do partido representada no livro que fora formulado com a ajuda de especialistas de diversas áreas.

Era para ser uma imagem forte. Na visão de alguns de seus dirigentes, o partido perdeu o discurso depois das eleições de 2018 e precisa urgentemente recuperar o terreno perdido.

Seria a hora de tentar se reconectar com o eleitor que viu em Jair Bolsonaro a forma mais efetiva de afastar o PT do poder central em 2018 e pode novamente preterir um presidenciável tucano para executar esta mesma tarefa no ano que vem. A entrada na campanha do ex-juiz Sergio Moro, que deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública após romper com Bolsonaro, é um risco real para a legenda.

Com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos palanques, o PSDB terá também o desafio de se apresentar como a legenda capaz de dialogar e compreender as preocupações daqueles que passam por maiores dificuldades. Os tucanos precisarão ir além da tradicional argumentação de que diversos programas sociais começaram durante as gestões de Fernando Henrique Cardoso e foram recauchutados pelo PT. Esta parcela do eleitorado enfrenta a fome e quer mais.

A recuperação da economia estará no centro do debate e, neste caso, os integrantes da sigla podem bater no peito e dizer que desempenharam num passado remoto papel fundamental na recuperação da credibilidade do país no exterior e entre os agentes econômicos. Mas, por outro lado, a atual crise hídrica e energética passou a ser um tema mais delicado. Não haverá debate em que o pré-candidato deixará de ser lembrado do apagão de 2001.

Esses, aliás, são alguns dos temas abordados pelo documento que o PSDB formulou para municiar seu futuro candidato. Intitulado “O Brasil pós-pandemia: uma proposta para a reconstrução do futuro”, ele ainda deve ser entregue para o escolhido. Talvez com menos pompa, mas mesmo assim deve ser lido.

Em um capítulo assinado pelo economista e ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, um exercício é apresentado para demonstrar que se pode economizar, de forma gradual e em até dez anos, três pontos percentuais do Produto Interno Bruno (PIB) com funcionalismo, outros três com Previdência e mais três com a redução de subsídios e gastos tributários. Esses nove pontos do PIB poderiam, em tese, se destinar ao aumento do saldo primário fiscal por um determinado período, a elevação dos investimentos sociais (saúde, educação e saneamento, por exemplo), a promoção de investimentos em infraestrutura e pesquisa e, também, à redução da carga tributária.

Em outro texto, o economista José Roberto Afonso aponta a necessidade de se reconstruir a governança pública, depois de a atual administração federal ter abdicado de liderar politicamente e coordenar administrativamente a federação. “De nada adianta formular planos para reconstruir a saúde, a sociedade e a economia se não houver quem os assuma e os implemente de forma crível e responsável”, anota, apresentando a proposta do que seria uma espécie de gabinete de guerra que não fique apenas limitado às questões fiscais, como se debateu recentemente no país. “Um dos maiores ensinamentos a se tirar da tragédia brasileira no enfrentamento da crise é a descoordenação entre governos e entre Poderes e a incapacidade gerencial de dar resposta à altura do desafio.”

Só a retomada de um diálogo civilizado entre partes discordantes e as diversas instituições republicanas já seria uma vitória do próximo presidente. E um dos objetivos das prévias tucanas, segundo integrantes do próprio partido, era justamente convencer o eleitor de que vale a pena deixar o conflito político de lado para debater ideias para o país. Até agora, contudo, o exemplo ainda precisa ser dado nesta pré-campanha.

 

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