Valor Econômico
No Brasil, não existe diferença entre preço
à vista e a prazo
Tudo pela metade do dobro. Foi assim que
batizamos a versão nacional da “black friday”. Na Ilha de Vera Cruz, a solução
é rir de nossa compulsão ao fracasso, da consciência de que está tudo errado,
porquanto, é assim mesmo. Mas, afinal, por que nos Estados Unidos os descontos
de preços são reais e aqui, não?
A “black friday” foi idealizada por lojistas
americanos para desovar estoques antes do início de dezembro, mês de compras do
Natal. O evento está diretamente associado ao Dia de Ação de Graças
(“thanksgiving”, no inglês falado nos EUA e no Canadá), feriado que o Congresso
americano fixou na quarta quinta-feira de novembro. A “black friday” é no dia
seguinte.
No Brasil, o evento existe desde 2010. Em tese, o objetivo é o mesmo - uma oportunidade para o comércio oferecer descontos e, assim, vender tudo o que houver nas prateleiras e nos estoques com vistas às vendas do Natal, quando tradicionalmente se dá o ápice de consumo nos países onde a população “acredita” em Papai Noel.
A “black friday” é ação de marketing tanto
nos EUA quanto aqui. Mas, as retas paralelas dos dois eventos que
encontrar-se-iam no infinito tomam rumo distinto já na largada. Brasileiros,
temos muitas virtudes, mas um defeito é notório: adoramos copiar de maneira
ridícula e servil hábitos de nações que, historicamente, nos dominam política e
economicamente. De tão distantes de nossa cultura, as mimeses soam falsas como
a nota de R$ 3. Um exemplo: a comemoração do “halloween” (o dia das bruxas).
Pois, a “black friday” americana está
intimamente ligada ao “thanksgiving”. Este simboliza o agradecimento coletivo
da população por tudo de bom que lhe sucedeu no ano que passou. Antigamente,
gratificava-se a boa colheita do ano. A comemoração é assim: na quarta
quinta-feira de novembro, as famílias se reúnem e se refastelam em torno da
mesa, cujo prato principal é o peru.
No dia seguinte, multidões correm a
shoppings porque o dia é de pechincha. Descontos chegam a 90% - se as
prateleiras não esvaziarem, quem irá às compras no Natal? Vê-se que o marketing
da “black friday” é amparado em algo “real”, o fim de um ciclo, tanto para
lojistas quanto para os consumidores.
As empresas precisam livrar-se de produtos
encalhados nas gôndolas, mesmo que às custas da redução da margem de lucro.
Para o consumidor, o momento é especial porque, apenas na “black friday”, a
maioria consegue comprar alguns bens. Logo, a ideia de fim de ciclo e recomeço
casa-se à perfeição no imaginário da população. No Natal, a natureza das
compras é outra - o momento é de presentear filhos, familiares, amigos.
Na Ilha de Vera Cruz, o marketing da “black
friday” é desprovido do significado cultural existente nos EUA e no Canadá. Não
há, nem teria como haver porque não se trata de hábito originado entre nós, a
ideia de fim de ciclo nem mesmo de recomeço - neste momento, pensando como um
consumidor americano, é preciso estar, digamos, melhor equipado; nos tempos
atuais, mais atualizado tecnologicamente.
Aqui, ficamos só com o marketing, vazio, de
algo tão falso quanto a tese de que vivemos numa democracia racial. Nada contra
o marketing, mas é preciso entender que este não deveria ter o direito de
projetar como real algo inexistente. No Brasil, marqueteiro transforma corrupto
em político honesto, oligarca em caçador de marajás, populista em estadista,
ditador em pai dos pobres. Na campanha de 2014, um deles fez peça dizendo que,
se o Banco Central se tornasse independente, a comida desapareceria da mesa do
pobre.
Pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de
Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar) constatou que, antes da
pandemia, a confiança dos consumidores na “black friday” vinha crescendo. Em
2020, porém, em outro levantamento, o instituto descobriu que, um mês antes da
“black friday”, os preços de milhares de produtos subiram até 70%. Nos
primeiros anos da “promoção”, o patamar de reajuste girava em torno de 80%. O
estudo analisou 6.500 produtos em 30 categorias do varejo.
Então, podemos concluir que, no Brasil, os
empresários são tão “desonestos” quanto os banqueiros, aqueles malvados que, à
sorreita, decidem a taxa de juros fixada pelo Banco Central e, agora,
independente, vejam só, este vai tirar a comida da mesa do trabalhador? Não!
Olhe para Brasília antes de julgar o caráter da maioria dos empreendedores que,
em vez de aplicarem seu capital em títulos do governo, montam um negócio,
contratam pessoal, tornam-se contribuintes do inferno chamado sistema
tributário nacional - cuja missão precípua é financiar os gastos do Estado que
transfere mais renda aos ricos num país de maioria pobre e miserável - e, portanto,
correm riscos.
Empresários e banqueiros são bem maus -
porque seu poder de fixar preços e manipular mercados torna-se incomensurável -
quando a sociedade, dominada por interesses de poucos, subjuga a maioria.
Contribui para que vejamos a “black friday” como “black fraude” o seguinte:
1. Nossa economia é fortemente concentrada.
Isso reduz concorrência e busca por eficiência. No setor de bebidas, uma
empresa domina quase 80% do mercado de cerveja. No setor bancário, três bancos
privados detêm quase 50% do mercado;
2. Baixo grau de abertura do mercado
brasileiro ao exterior restringe concorrência, encarece custos de produção
internamente e, consequentemente, os preços dos produtos; além disso, eleva
custo de capital (ao dificultar importações de máquinas e equipamentos). Tudo
isso dificulta a obtenção de ganhos de escala, o que por sua vez limita a
possibilidade de queda de preços;
3. O custo de capital é excessivamente
alto, provocado pela concentração bancária e pelo desequilíbrio fiscal, que faz
o governo dragar poupança doméstica para cobrir despesas correntes e gastos
crescentes com juros. Por isso, é escasso e caro o crédito a empresas e
famílias;
4. Convivência com inflação alta e juros
amazônicos durante décadas criou situação que nem a estabilidade trazida pelo
Plano Real resolveu: preços de produtos no Brasil são fortemente indexados à
taxa de juros. Compras à vista e a prazo no varejo têm o mesmo valor;
5. Carga tributária alta (quase 35% do PIB)
e amparada mais na taxação do consumo do que na renda torna tudo no Brasil,
somando-se este aspecto aos mencionados, mais caro do que em qualquer país,
planeta, galáxia, buraco negro, enfim, na vastidão do infinito e além.
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