Correio Braziliense
Quando seu nome chegou à mesa
de Alcolumbre, era “terrivelmente” evangélico; ontem, na CCJ, pautou-se pela
moderação
Ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral
da União, o pastor da Igreja Presbiteriana Esperança André Mendonça teve o seu
nome aprovado, ontem, para uma vaga do Supremo Tribunal Federal (STF), que
estava aberta desde a aposentadoria do ex-ministro Marco Aurélio Mello. Em
votação secreta, obteve apoio de 47 senadores, seis a mais do que o necessário,
contra 32, que votaram contra sua indicação. Mendonça fora sabatinado durante
oito horas na Comissão de Constituição e Justiça, que o considerou tecnicamente
apto ao cargo por 18 votos a 9.
Relatora da indicação, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), evangélica como Mendonça, mas figura de destaque na oposição, teve papel decisivo para aprovação. Ela foi escolhida relatora pelo presidente da CCJ, o senador Davi Alcolumbre, que havia engavetado a indicação por quatro meses, em razão de uma insatisfação com o presidente Jair Bolsonaro. O ex-ministro da Justiça cavou a indicação por Bolsonaro à moda Pazuello (“ele manda, eu obedeço”).
Quando seu nome chegou à mesa de
Alcolumbre, era “terrivelmente” evangélico; ontem, na CCJ, pautou-se pela
moderação: “Ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver espaço
para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal. A
Constituição é e deve ser o fundamento para qualquer decisão por parte de um
ministro do Supremo, como tenho dito quanto a mim mesmo: na vida, a Bíblia; no
Supremo, a Constituição”, disse Mendonça.
Ninguém se iluda, Mendonça altera a
correlação de forças no Supremo Tribunal Federal (STF) a favor dos chamados
garantistas e será um aliado de Bolsonaro, que manteve sua indicação apesar de
todas as pressões, principalmente nas pautas associadas aos costumes e aos
privilégios das instituições religiosas, sobretudo evangélicas, que fizeram
fortíssimo lobby pela aprovação de seu nome.
Laicidade e conflito
A secularização da cultura e a defesa da
laicidade do Estado no Judiciário não são homogêneas. Para muitos magistrados,
a identidade entre delito e pecado, uma herança medieval, ainda persiste. A
maioria da magistratura é confessionalista, como Mendonça, mas procura
respeitar o caráter laico do Estado. Entretanto, há os que realmente misturam
as estações com sentenças desta ordem:
Em agosto de 2008, o juiz Éder Jorge, da 4ª
Vara Criminal de Goiânia, recomendou a Vânia Martins que frequentasse
“entidades religiosas de formação cristã” durante o gozo de liberdade
condicional que lhe concedera.
Ela havia sido condenada a 15 anos e 9
meses de prisão pelo sequestro de dois bebês, falsidade ideológica, parto
suposto e estelionato. Como havia cumprido um terço da pena, com bom
comportamento, ela teve direito à liberdade condicional. “Fizemos a
recomendação baseada no fato de que a esmagadora maioria da população
brasileira é cristã”, justificou.
Em 2014, o Ministério Público Federal pediu
à Justiça que mandasse retirar do YouTube 15 vídeos postados pela Igreja
Universal do Reino de Deus, considerados ofensivos às religiões
afrobrasileiras. O juiz Eugênio Rosa de Araújo, da 17ª Vara de Fazenda Federal,
negou o pedido. Alegou que a umbanda e o candomblé não teriam uma estrutura
hierárquica, um Deus a ser venerado e um texto-base, como a Bíblia ou o Corão.
Em abril de 2018, Marcelo Bretas, juiz do
Tribunal Regional Federal no Rio de Janeiro, frequentador da Comunidade
Evangélica Internacional da Zona Sul, destacou-se por citar a Bíblia na
dissertação de mestrado e nas suas sentenças, apoiou no Twitter a postagem do
“seu irmão em Cristo” Deltan Dallagnol.
O então procurador da República no Estado
do Paraná, famoso por causa da Operação Lava-Jato, frequentador de Igreja Batista
em Curitiba, no domingo de Páscoa daquele ano, havia anunciado, em rede social,
que estaria fazendo jejum, em oração, rogando pela rejeição do pedido de habeas
corpus em favor de um acusado pelo STF.
Entretanto, tanto o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) têm se destacado pela
defesa do Estado laico em várias decisões, do aborto em caso de estupro ao
casamento homoafetivo.
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