quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Maria Cristina Fernandes - Terrivelmente derrotados

Valor Econômico

Alcolumbre e Bolsonaro são, nesta ordem, os maiores perdedores da aprovação de André Mendonça

Com a tramitação mais longa da história das indicações para o Supremo Tribunal Federal, em relação à qual o presidente da República lavou as mãos, André Mendonça assumirá uma cadeira na Corte com uma dívida já bem amortizada com Jair Bolsonaro. O presidente, por óbvio, vai tentar faturar a aprovação junto a seu eleitorado evangélico, mas pouco fez para obtê-la e ninguém mais do que o novo ministro sabe disso.

Na lista de derrotados com a aprovação de Mendonça, o presidente só perde para o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que só o recebeu horas antes da sabatina. Na segunda-feira, o presidente da CCJ do Senado ligou para um senador do MDB, que se recuperava de uma intervenção cirúrgica, sondando se sua saúde permitiria deslocamento.

Em seguida, o senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) repetiu o gesto. A preocupação dos senadores com o esforço que o colega faria para estar presente chegou aos ouvidos do ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça, que, em seguida, ligou para o filho do presidente cobrando-lhe o gesto. Ao avistar o senador emedebista na CCJ no início da sabatina Mendonça não deixou passar a oportunidade de saudar sua presença.

A saudação inopinada, que só foi entendida por meia dúzia naquela sala, além da tímida defesa pública que lhe fez Flávio Bolsonaro revelaram o grau de tensão que precedeu a sessão. O filho do presidente chegou a dizer que o apoio do ex-procurador Deltan Dallagnol deu a Mendonça teria selado sua derrota.

A tensão se reproduziu no placar mais apertado da história das sabatinas (19x8) e o mais estreito no plenário do Senado dos últimos 20 anos.

Ao longo dos 141 dias durante dos quais o nome do ex-AGU ficou congelado, os sinais da política se embaralharam tanto que nem as tentativas do sabatinado de acender velas a deuses e demônios lhe fizeram concorrência.

Da indicação de Mendonça para cá, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) virou ministro da Casa Civil e Bolsonaro filiou-se ao PL de Valdemar Costa Neto. Na cerimônia de filiação o presidente enfiou até os cotovelos na pia. Ao nomeá-lo, honrou compromisso com a bancada evangélica, mas deixou claro que sua aprovação caberia ao Senado.

Acenou, dessa forma, ao Centrão, que preferia o procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre quem não pesam suspeitas de lavajatismo. Bolsonaro fez dobradinha com Arthur Lira ao mencionar, na cerimônia de filiação ao PL, que “alguns” extrapolam na Praça dos Três Poderes e devem ser enquadrados por aqueles que “têm votos” e são responsáveis por conduzir o país.

Mais do que fazer um ministro do Supremo, Bolsonaro se moveu por dubiedades que visaram a não desagradar seus novos aliados. O sobrenome “terrivelmente evangélico” que impôs a Mendonça acabou por aumentar a resistência a seu nome, bem como a proximidade pessoal que o presidente alardeou ter com seu escolhido.

Se o presidente fingia que apoiava Mendonça, o Congresso também fez de conta que resistia ao bolsonarismo com o argumento de que um mandatário que pretende fechar a Corte não merecia escolher um ministro.

Imaginou-se até mesmo que a indicação poderia ficar congelada até o próximo presidente, como o fez o lendário senador republicano Mitch McConnell com a indicação do atual procurador-geral da República nos Estados Unidos, Merrick Garland, à Suprema Corte pelo ex-presidente Barack Obama. Depois de nove meses a indicação caducou e a vaga acabou preenchida pelo ex-presidente Donald Trump.

Mais do que a Bolsonaro, a operação-tartaruga foi uma afronta ao próprio Supremo. O tom do Congresso subiu ainda mais com a aprovação de um projeto de resolução que desobedece decisão do plenário da Corte, por 8 votos a 2, contra as emendas de relator.

O que se decidiu não foi a indicação de um representante da igreja presbiteriana mas a correlação de forças entre os Poderes da República e, internamente, no Supremo. O Senado sabatinou Mendonça num momento em que o presidente da Câmara dá curso a um projeto que visa a reverter a PEC da Bengala para abreviar o mandato da ministra que liderou o embate das emendas de relator.

A oposição do Centrão e do presidente, além da demora na indicação, que desprezou as contingências de uma Corte com um integrante a menos ao longo de metade de seu ano útil, acabou unindo os ministros ou, no mínimo, minimizando a oposição que ainda havia a Mendonça por parte daqueles que preferiam ver Aras na vaga.

O ministro que mais trabalhou por Mendonça foi seu ex-chefe na AGU, Dias Toffoli, mas Kassio Nunes Marques aderiu, nas últimas semanas, à campanha. Com a provável ida de Mendonça para a Segunda Turma, presidida por Nunes Marques, o ministro parece ter apostado na condição de credor do novo integrante da Corte.

Ainda que os ministros mantenham posicionamentos mais próximos dos presidentes que os indicaram no início de seus mandatos, tendem a se desgarrar para assumir posições no jogo de forças no tribunal. E esse jogo envolve concessões de lado a lado e composições que muitas vezes se sobrepõem à pressão do Executivo. Pelo desgaste, a lua-de-mel de Mendonça com Bolsonaro pode ser ainda mais breve.

Ao longo da tramitação de Mendonça, foram tantos os obstáculos erguidos que sua rejeição passou a ser um imperativo para parlamentares como Alcolumbre que temiam represália de um futuro ministro do Supremo.

Essas tensões ficaram contidas às entrelinhas da sabatina. A civilidade pública do presidente da CCJ foi inversamente proporcional à humilhação à qual submeteu Mendonça. Com um tom de pastor presbiteriano, tentou desmontar a resistência mais pela humildade do que pela consistência de seus argumentos.

Comprometeu-se com o respeito à união civil do mesmo sexo, criticou a criminalização da política e chegou até mesmo a pedir desculpas por ter dito que a luta pela democracia não custou vidas. Voltou atrás, mas na nominata de lutas com vítimas entrou até o voto feminino mas não a ditadura militar.

Foi escolhido porque o conluio entre Alcolumbre e Bolsonaro se esgotou. Terá 26 anos para depurar os 141 dias em que foi largado na chuva.

 

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