Valor Econômico
Alcolumbre e Bolsonaro são, nesta ordem, os
maiores perdedores da aprovação de André Mendonça
Com a tramitação mais longa da história das
indicações para o Supremo Tribunal Federal, em relação à qual o presidente da
República lavou as mãos, André Mendonça assumirá uma cadeira na Corte com uma
dívida já bem amortizada com Jair Bolsonaro. O presidente, por óbvio, vai
tentar faturar a aprovação junto a seu eleitorado evangélico, mas pouco fez
para obtê-la e ninguém mais do que o novo ministro sabe disso.
Na lista de derrotados com a aprovação de
Mendonça, o presidente só perde para o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que só
o recebeu horas antes da sabatina. Na segunda-feira, o presidente da CCJ do
Senado ligou para um senador do MDB, que se recuperava de uma intervenção
cirúrgica, sondando se sua saúde permitiria deslocamento.
Em seguida, o senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ)
repetiu o gesto. A preocupação dos senadores com o esforço que o colega faria
para estar presente chegou aos ouvidos do ex-advogado-geral da União e
ex-ministro da Justiça, que, em seguida, ligou para o filho do presidente
cobrando-lhe o gesto. Ao avistar o senador emedebista na CCJ no início da
sabatina Mendonça não deixou passar a oportunidade de saudar sua presença.
A saudação inopinada, que só foi entendida por meia dúzia naquela sala, além da tímida defesa pública que lhe fez Flávio Bolsonaro revelaram o grau de tensão que precedeu a sessão. O filho do presidente chegou a dizer que o apoio do ex-procurador Deltan Dallagnol deu a Mendonça teria selado sua derrota.
A tensão se reproduziu no placar mais
apertado da história das sabatinas (19x8) e o mais estreito no plenário do
Senado dos últimos 20 anos.
Ao longo dos 141 dias durante dos quais o
nome do ex-AGU ficou congelado, os sinais da política se embaralharam tanto que
nem as tentativas do sabatinado de acender velas a deuses e demônios lhe fizeram
concorrência.
Da indicação de Mendonça para cá, o senador
Ciro Nogueira (PP-PI) virou ministro da Casa Civil e Bolsonaro filiou-se ao PL
de Valdemar Costa Neto. Na cerimônia de filiação o presidente enfiou até os
cotovelos na pia. Ao nomeá-lo, honrou compromisso com a bancada evangélica, mas
deixou claro que sua aprovação caberia ao Senado.
Acenou, dessa forma, ao Centrão, que
preferia o procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre quem não pesam
suspeitas de lavajatismo. Bolsonaro fez dobradinha com Arthur Lira ao
mencionar, na cerimônia de filiação ao PL, que “alguns” extrapolam na Praça dos
Três Poderes e devem ser enquadrados por aqueles que “têm votos” e são
responsáveis por conduzir o país.
Mais do que fazer um ministro do Supremo,
Bolsonaro se moveu por dubiedades que visaram a não desagradar seus novos
aliados. O sobrenome “terrivelmente evangélico” que impôs a Mendonça acabou por
aumentar a resistência a seu nome, bem como a proximidade pessoal que o
presidente alardeou ter com seu escolhido.
Se o presidente fingia que apoiava
Mendonça, o Congresso também fez de conta que resistia ao bolsonarismo com o
argumento de que um mandatário que pretende fechar a Corte não merecia escolher
um ministro.
Imaginou-se até mesmo que a indicação
poderia ficar congelada até o próximo presidente, como o fez o lendário senador
republicano Mitch McConnell com a indicação do atual procurador-geral da
República nos Estados Unidos, Merrick Garland, à Suprema Corte pelo
ex-presidente Barack Obama. Depois de nove meses a indicação caducou e a vaga
acabou preenchida pelo ex-presidente Donald Trump.
Mais do que a Bolsonaro, a
operação-tartaruga foi uma afronta ao próprio Supremo. O tom do Congresso subiu
ainda mais com a aprovação de um projeto de resolução que desobedece decisão do
plenário da Corte, por 8 votos a 2, contra as emendas de relator.
O que se decidiu não foi a indicação de um
representante da igreja presbiteriana mas a correlação de forças entre os
Poderes da República e, internamente, no Supremo. O Senado sabatinou Mendonça
num momento em que o presidente da Câmara dá curso a um projeto que visa a
reverter a PEC da Bengala para abreviar o mandato da ministra que liderou o
embate das emendas de relator.
A oposição do Centrão e do presidente, além
da demora na indicação, que desprezou as contingências de uma Corte com um
integrante a menos ao longo de metade de seu ano útil, acabou unindo os
ministros ou, no mínimo, minimizando a oposição que ainda havia a Mendonça por
parte daqueles que preferiam ver Aras na vaga.
O ministro que mais trabalhou por Mendonça
foi seu ex-chefe na AGU, Dias Toffoli, mas Kassio Nunes Marques aderiu, nas
últimas semanas, à campanha. Com a provável ida de Mendonça para a Segunda
Turma, presidida por Nunes Marques, o ministro parece ter apostado na condição
de credor do novo integrante da Corte.
Ainda que os ministros mantenham
posicionamentos mais próximos dos presidentes que os indicaram no início de
seus mandatos, tendem a se desgarrar para assumir posições no jogo de forças no
tribunal. E esse jogo envolve concessões de lado a lado e composições que
muitas vezes se sobrepõem à pressão do Executivo. Pelo desgaste, a lua-de-mel
de Mendonça com Bolsonaro pode ser ainda mais breve.
Ao longo da tramitação de Mendonça, foram
tantos os obstáculos erguidos que sua rejeição passou a ser um imperativo para
parlamentares como Alcolumbre que temiam represália de um futuro ministro do
Supremo.
Essas tensões ficaram contidas às
entrelinhas da sabatina. A civilidade pública do presidente da CCJ foi
inversamente proporcional à humilhação à qual submeteu Mendonça. Com um tom de
pastor presbiteriano, tentou desmontar a resistência mais pela humildade do que
pela consistência de seus argumentos.
Comprometeu-se com o respeito à união civil
do mesmo sexo, criticou a criminalização da política e chegou até mesmo a pedir
desculpas por ter dito que a luta pela democracia não custou vidas. Voltou
atrás, mas na nominata de lutas com vítimas entrou até o voto feminino mas não
a ditadura militar.
Foi escolhido porque o conluio entre
Alcolumbre e Bolsonaro se esgotou. Terá 26 anos para depurar os 141 dias em que
foi largado na chuva.
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