terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Fabio Graner - Custo do trabalhador está muito baixo no Brasil

Valor Econômico

Pandemia agravou trajetória que já era de queda no país

Mesmo com recuperação neste ano, a mão de obra brasileira ainda está com um custo bem barato em termos históricos. Calculado pelo Banco Central, o chamado Custo Unitário do Trabalho (CUT) fechou outubro em 90,6 pontos. A alta é de 26,3% em 2021, mas está bem abaixo da média histórica (110,1 pontos) e também do período entre 2015 e a pandemia (118,4 pontos), quando esse indicador já teve um ajuste relevante para baixo.

O CUT é um dos elementos de análise do ambiente para as empresas em um país. Seu movimento reflete uma combinação de fatores. Um dos motivos para o indicador seguir abaixo dos seus níveis históricos é a taxa de câmbio, pois ele é calculado em relação ao dólar. A outra razão é a perda de renda de boa parte dos trabalhadores que segue em curso, mesmo parcialmente dissipada neste ano com o arrefecimento da pandemia.

Uma fonte da área econômica pondera que a influência do dólar sobre o CUT demanda cuidado. Esse interlocutor cita dados do Banco Mundial para mostrar que nos últimos anos, até 2019, o percentual de custo do trabalho nas despesas das empresas caiu um pouco no Brasil, mas não tanto como na estatística do BC.

A leitura da fonte é que, mesmo com o CUT historicamente baixo, refletindo também a perda de renda do trabalhador, o país não pode abrir mão de buscar reduzir outros elementos do custo Brasil, como encargos sobre o trabalho. Também destaca que seria importante ampliar a inserção internacional do Brasil, para aumentar a produtividade e a capacidade de exportar bens e gerar empregos.

Julia Braga, economista da Universidade Federal Fluminense (UFF), destaca que o quadro de estagnação econômica desde 2015 tem prejudicado o mercado de trabalho, situação agravada pela pandemia. Além disso, as perdas geradas pela inflação, tanto para quem está como para quem entra no mercado, também afetam a estatística.

Ela lembra que o efeito cambial não é só estatístico, mas também se dá pelo impacto que a alta do dólar tem sobre os preços. “Há uma relação inversa entre salário real e desvalorização cambial. De fato, o trabalhador brasileiro está muito barato”, disse. Ela aponta a necessidade de esforço para controlar a inflação e também de se promover crescimento, com medidas na área fiscal, para melhorar a demanda por trabalho e a renda do trabalho.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves, disse que, embora esteja de fato muito baixo o custo do trabalho, também houve queda na produção da indústria. Ele ressalta que a recuperação parcial do CUT neste ano está relacionada com a escalada da inflação. Para ele, dados os efeitos cambiais, é difícil nesse momento chegar à conclusão se o quadro revelado pelo indicador é favorável às empresas. E pondera ainda que, pela sua natureza, o indicador serve mais para comparar a situação das empresas locais com o mundo e menos para se analisar a renda do trabalhador.

Ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da CNC, Carlos Thadeu de Freitas salientou que, com o reaquecimento da economia no fim de 2020, o custo do trabalho voltou a subir. “Isso é indicativo de que os dissídios começaram a se recuperar, embora os salários reais ainda estejam em queda”, disse. Ele reconhece que, com a mudança na lei trabalhista em 2017 e a maior competição no mercado que ela gerou, o custo do trabalho tem caído.

Para o assessor do Fórum das Centrais Sindicais Clemente Ganz Lucio, os dados mostram que, se de fato o CUT mostra uma redução de custo para as empresas, de outro também significa perda de demanda na sociedade. Para ele, eventuais ganhos que isso represente não são “virtuosos”. “É o que chamamos de produtividade espúria, pois reduz o custo do trabalho na comparação internacional por meio de um empobrecimento relativo, porque o câmbio desvalorizado produz arrocho na renda”, disse. “Essa produtividade não é virtuosa porque não foi gerada pela inovação... Isso desqualifica a qualidade do nosso desenvolvimento”, disse.

Ele diz não esperar grande recuperação na renda do trabalhador com a atual estratégia econômica. “O empobrecimento real não vai embora rápido... Parte do que se precisa fazer é reposicionar o câmbio para um nível mais de equilíbrio, o que ajudaria a aliviar pressão de custo de vida, e voltar a crescer, com ganho de produtividade. Não tem mágica.”

O economista e professor da FGV-SP Nelson Marconi também concorda que o câmbio deveria estar em um patamar que machuca menos a renda sem prejudicar a produção, entre R$ 4,8 e R$ 5. Para ele, é fato que o CUT em níveis baixos melhora a competitividade do exportador, mas por outro prejudica o poder de compra dos trabalhadores.

Além de um câmbio mais estável e próximo do equilíbrio, Marconi aponta que o setor exportador precisa de medidas de competitividade, como mais recursos do BNDES, com juros mais baixos, e uma melhor política comercial e de desenvolvimento científico e tecnológico, que melhorem o horizonte de investimentos.

Diante dos números e das análises acima, é natural que se questione se o ajuste no mercado de trabalho não foi longe demais. A pergunta vale até para quem se beneficia de mão de obra barata, cujo reverso é um trabalhador com pouca capacidade de consumo. Começou-se a se falar de uma nova rodada de reforma trabalhista. Será que é disso que o Brasil precisa agora?

 

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