Valor Econômico
Pandemia agravou trajetória que já era de
queda no país
Mesmo com recuperação neste ano, a mão de
obra brasileira ainda está com um custo bem barato em termos históricos.
Calculado pelo Banco Central, o chamado Custo Unitário do Trabalho (CUT) fechou
outubro em 90,6 pontos. A alta é de 26,3% em 2021, mas está bem abaixo da média
histórica (110,1 pontos) e também do período entre 2015 e a pandemia (118,4
pontos), quando esse indicador já teve um ajuste relevante para baixo.
O CUT é um dos elementos de análise do ambiente para as empresas em um país. Seu movimento reflete uma combinação de fatores. Um dos motivos para o indicador seguir abaixo dos seus níveis históricos é a taxa de câmbio, pois ele é calculado em relação ao dólar. A outra razão é a perda de renda de boa parte dos trabalhadores que segue em curso, mesmo parcialmente dissipada neste ano com o arrefecimento da pandemia.
Uma fonte da área econômica pondera que a
influência do dólar sobre o CUT demanda cuidado. Esse interlocutor cita dados
do Banco Mundial para mostrar que nos últimos anos, até 2019, o percentual de
custo do trabalho nas despesas das empresas caiu um pouco no Brasil, mas não
tanto como na estatística do BC.
A leitura da fonte é que, mesmo com o CUT
historicamente baixo, refletindo também a perda de renda do trabalhador, o país
não pode abrir mão de buscar reduzir outros elementos do custo Brasil, como
encargos sobre o trabalho. Também destaca que seria importante ampliar a
inserção internacional do Brasil, para aumentar a produtividade e a capacidade
de exportar bens e gerar empregos.
Julia Braga, economista da Universidade
Federal Fluminense (UFF), destaca que o quadro de estagnação econômica desde
2015 tem prejudicado o mercado de trabalho, situação agravada pela pandemia.
Além disso, as perdas geradas pela inflação, tanto para quem está como para
quem entra no mercado, também afetam a estatística.
Ela lembra que o efeito cambial não é só
estatístico, mas também se dá pelo impacto que a alta do dólar tem sobre os
preços. “Há uma relação inversa entre salário real e desvalorização cambial. De
fato, o trabalhador brasileiro está muito barato”, disse. Ela aponta a
necessidade de esforço para controlar a inflação e também de se promover
crescimento, com medidas na área fiscal, para melhorar a demanda por trabalho e
a renda do trabalho.
O economista-chefe do Banco Fator, José
Francisco Lima Gonçalves, disse que, embora esteja de fato muito baixo o custo
do trabalho, também houve queda na produção da indústria. Ele ressalta que a
recuperação parcial do CUT neste ano está relacionada com a escalada da
inflação. Para ele, dados os efeitos cambiais, é difícil nesse momento chegar à
conclusão se o quadro revelado pelo indicador é favorável às empresas. E
pondera ainda que, pela sua natureza, o indicador serve mais para comparar a
situação das empresas locais com o mundo e menos para se analisar a renda do
trabalhador.
Ex-diretor do Banco Central e
economista-chefe da CNC, Carlos Thadeu de Freitas salientou que, com o
reaquecimento da economia no fim de 2020, o custo do trabalho voltou a subir.
“Isso é indicativo de que os dissídios começaram a se recuperar, embora os salários
reais ainda estejam em queda”, disse. Ele reconhece que, com a mudança na lei
trabalhista em 2017 e a maior competição no mercado que ela gerou, o custo do
trabalho tem caído.
Para o assessor do Fórum das Centrais
Sindicais Clemente Ganz Lucio, os dados mostram que, se de fato o CUT mostra
uma redução de custo para as empresas, de outro também significa perda de
demanda na sociedade. Para ele, eventuais ganhos que isso represente não são
“virtuosos”. “É o que chamamos de produtividade espúria, pois reduz o custo do
trabalho na comparação internacional por meio de um empobrecimento relativo,
porque o câmbio desvalorizado produz arrocho na renda”, disse. “Essa
produtividade não é virtuosa porque não foi gerada pela inovação... Isso
desqualifica a qualidade do nosso desenvolvimento”, disse.
Ele diz não esperar grande recuperação na
renda do trabalhador com a atual estratégia econômica. “O empobrecimento real
não vai embora rápido... Parte do que se precisa fazer é reposicionar o câmbio
para um nível mais de equilíbrio, o que ajudaria a aliviar pressão de custo de
vida, e voltar a crescer, com ganho de produtividade. Não tem mágica.”
O economista e professor da FGV-SP Nelson
Marconi também concorda que o câmbio deveria estar em um patamar que machuca
menos a renda sem prejudicar a produção, entre R$ 4,8 e R$ 5. Para ele, é fato
que o CUT em níveis baixos melhora a competitividade do exportador, mas por
outro prejudica o poder de compra dos trabalhadores.
Além de um câmbio mais estável e próximo do
equilíbrio, Marconi aponta que o setor exportador precisa de medidas de
competitividade, como mais recursos do BNDES, com juros mais baixos, e uma
melhor política comercial e de desenvolvimento científico e tecnológico, que
melhorem o horizonte de investimentos.
Diante dos números e das análises acima, é
natural que se questione se o ajuste no mercado de trabalho não foi longe
demais. A pergunta vale até para quem se beneficia de mão de obra barata, cujo
reverso é um trabalhador com pouca capacidade de consumo. Começou-se a se falar
de uma nova rodada de reforma trabalhista. Será que é disso que o Brasil
precisa agora?
Nenhum comentário:
Postar um comentário