O Globo
Não é normal nem aceitável que um
brutamontes, ostentando uma arma no coldre, ameace bater em jornalistas porque
eles estão tentando entrevistar o presidente da República. Não é normal nem
aceitável que uma repórter seja agarrada pelo pescoço por um segurança
presidencial, naquele golpe chamado “mata-leão”. São servidores com salários
pagos com os nossos impostos e só estão em torno de Jair Bolsonaro em atos de
campanha antecipada porque ele exerce a Presidência. Proteger o presidente não
é o mesmo que atacar os jornalistas. E os seguranças têm essa liberdade porque
são estimulados pela violência do próprio presidente da República.
Vai começar um ano tenso, em que Bolsonaro vai escalar as agressões, porque ele é assim e porque ele está em desvantagem nas intenções de voto. Já sabemos que usará a encenação de valentia contra repórteres desarmados para animar os seus seguidores mais destemperados.
É preciso que esse episódio contra os
repórteres Camila Marinho e Cleriston Santana, da TV Globo, e Xico Lopes e Dário
Cerqueira, da TV Aratu, afiliada do SBT, seja esclarecido e haja punição para
os agressores. Quem era o homem armado ao lado do presidente que ameaçou um
jornalista com a frase: “Vou enfiar a mão na tua cara?” Quem era o segurança
que deu a gravata na repórter?
Eles agem assim porque são estimulados a
isso pelo presidente da República. O Palácio não vai puni-los nem adverti-los.
Os valentões continuarão soltos, com salários pagos pelos nossos impostos para
agredir jornalistas, porque o chefe gosta e aplaude. É preciso que as
instituições do país reflitam sobre isso. Quando isso vai parar? Quando matarem
um jornalista?
A escalada das agressões vem desde sempre e
os seus seguidores seguem o mesmo método. Como foi com o repórter fotográfico
Dida Sampaio, que cobria para o “Estado de S.Paulo” uma manifestação
antidemocrática convocada pelo presidente no começo da pandemia, em abril do
ano passado. Ele foi derrubado de uma escada, levou chutes e soco no estômago.
Orlando Brito, também fotógrafo, foi derrubado quando tentou ajudá-lo. O
presidente desculpou os agressores. “Vi apenas a alegria de um povo”,
referindo-se aos atos que pediam a volta da ditadura.
A ONG Repórteres Sem Fronteiras
contabilizou 469 ataques da família Bolsonaro a jornalistas em 2020. O Brasil
ocupou a 107º lugar no ranking mundial de liberdade de imprensa. Um repórter do
GLOBO ouviu do próprio presidente que estava com “vontade de encher a sua boca
de porrada”. Nas redes, muitos apoiadores do presidente disseram que o repórter
merecia sofrer agressões.
As calúnias contra jornalistas, feitas
pessoalmente pelo presidente, têm as mulheres como alvo preferencial. Pelo
menos uma de nós, Patrícia Campos Mello, conseguiu vitória na Justiça, que não
repara o mal causado a ela e à família pelos absurdos sexistas ditos pelo
presidente e o deputado Eduardo Bolsonaro. Em Dallas, ao ser perguntado pela
repórter Marina Dias, da “Folha”, sobre corte no Orçamento, ele disse que ela
deveria voltar para a universidade e estudar de novo, depois, publicou o vídeo
na rede, dizendo que havia “explicado” à jornalista. Na Itália, mês passado,
jornalistas foram agredidos pelos seguranças.
Tudo é para atingir a imprensa como um
todo. Agressões verbais e físicas, constrangimentos, estímulos aos seguidores
para o ataque aos jornalistas, mentiras, calúnias, limitação de acesso aos
locais de trabalho têm sido fatos diários desde o começo desta Presidência.
Chegou-se num ponto que não pode ser
ultrapassado. As agressões na Bahia não podem ser vistas como mais um episódio
a mais. Se não houver punição para esses truculentos — o presidente e os seus
seguranças — durante o ano que vem pode haver alguma tragédia. Eles não têm
limites e seguem ordens do chefe. É fácil para o valentão autoritário que ocupa
a Presidência ficar atacando pessoas que ele sabe que não revidarão e cercado
de seguranças sustentados por recursos públicos.
Uma ação foi proposta ontem ao Supremo
Tribunal Federal pela Rede Sustentabilidade para garantir a segurança dos
jornalistas, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, imediatamente
defendeu o presidente. Disse que não foram explicitados quais atos do
presidente são incompatíveis com os preceitos fundamentais. Que mais Augusto
Aras quer que aconteça? Em que momento o procurador-geral da República entenderá
qual é o seu papel?
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