Folha de S. Paulo
Um país que não protege suas crianças, como
as de Belford Roxo, morre com elas
Eles se chamavam Lucas,
Alexandre e Fernando Henrique, tinham entre 8 e 11 anos de idade, moravam
em Belford Roxo, Baixada Fluminense. No
fim de 2020, saíram de casa para jogar bola. Nunca mais voltaram. Quase um
ano depois, a polícia informa que eles foram torturados e assassinados por
terem furtado dois passarinhos do tio de um traficante.
A história dos três meninos é de um grau tão desmedido de barbárie que é até difícil pensar e escrever sobre ela. Porque dói pensar sobre o Brasil em que Lucas, Alexandre e Fernando Henrique viviam. A brutalidade interrompeu a vida deles num cruzamento entre miséria, desigualdade, violência, crime, abandono, indiferença e tudo o mais que compõe o cenário onde parte da sociedade brasileira, majoritariamente pobre e negra, é largada aos deus-dará. "E se Deus não dá?", pergunta a canção de Chico Buarque.
Fica tudo como está, aliás, piora muito. Lá
pelos idos dos anos 1970, ainda distrito de Nova Iguaçu, Belford Roxo era tido
como o lugar mais violento do mundo. Em 1990, foi emancipado e uma campanha
tentou associar o lugar ao epíteto impossível de "cidade do amor".
Como sabemos, o marketing não muda a realidade. Entrou governo, saiu governo
(municipal, estadual e federal), Belford Roxo continuou sendo um inferno para
viver e criar filhos.
Segundo dados da plataforma Fogo Cruzado
(julho/2021), Belford Roxo é o município da Baixada com o maior número de
tiroteios e por motivos variados: operações policiais, homicídios, roubos e
disputa por controle de territórios entre traficantes e milicianos. Não
bastasse a ausência do Estado, as balas perdidas, as chacinas sem culpados
identificados, agora temos o tribunal do tráfico que condena crianças à morte,
supostamente, por causa de dois passarinhos.
Importante assinalar que as mães dos
meninos contestam a versão do furto. Um país que não protege suas crianças
morre com elas. Lucas, Alexandre, Fernando Henrique, Rebeca, Emily, João Pedro,
Ágatha, Marcos Vinicius… Quantos mais? Até quando?
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