domingo, 5 de dezembro de 2021

Merval Pereira - Contrastes brasileiros

O Globo

O desmonte do Teto de Gastos, que vai passando no Congresso com a aprovação da PEC dos Precatórios para financiar um programa social que nasce em ano eleitoral sem sustentabilidade financeira nem projeto definido, implode a última âncora fiscal vigente, contrapondo a esta desastrada gestão das contas públicas na esfera federal uma realidade subnacional caracterizada pela boa gestão das contas de diversos governos e que não expressa subserviência a ideologias - passa pela tradição de bons governos tucanos em São Paulo e pela mudança pela qual está passando Alagoas sob a gestão emedebista; vai desde Goiás, comandada pelo DEM, até governos do PT na Bahia, no Ceará e no Piauí.

Olhar para estas experiências com lupa foi a proposta que deu vida ao livro organizado pelos economistas Fabio Giambiagi, Guilherme Tinoco e Victor Pina - “O Destino dos Estados Brasileiros -Liderança, responsabilidade fiscal e políticas públicas” (editora Lux). A obra apresenta uma coletânea de artigos, assinados por 21 especialistas, com foco na realidade fiscal de doze estados com diversidade de situações ( RJ, SP, MG, RS , ES, CE, RN, AC, BA, GO, AL + DF).

O livro busca distinguir cada experiência individual, para dela extrair lições diversas para o caminho do sucesso ou do fracasso na gestão dos recursos públicos. Entre alguns dos casos bem sucedidos, São Paulo exibe o resultado de um quarto de século de compromisso com a austeridade fiscal.

Na mesma linha, já com duas décadas de adesão, em maior ou menor medida às melhores práticas fiscais, estão o Ceará e o Espírito Santo. No caminho oposto estão estados como Minas Gerais e, principalmente, o Rio de Janeiro, que de grau de investimento internacional foi à penúria fiscal.

A partir de 2016, importantes mudanças da institucionalidade federal apoiaram o esforço dos estados em sua tentativa de “arrumar a casa”. Diversas medidas foram promovidas na legislação nacional para propiciar uma melhoria estrutural da situação dos estados, como a criação do Regime de Recuperação Fiscal, a modernização do sistema para a contração de empréstimos e fornecimento de garantias da União, o aprimoramento da metodologia de classificação de risco do Tesouro e o investimento na transparência das informações, entre eles o Boletim dos Entes Subnacionais, um excelente "Raio X" da situação fiscal dos Estados.

Em 2020, na sequência da PEC da reforma federal, diversos estados implementaram planos de previdência e, em contrapartida ao auxílio da União aos estados, foi vedada a concessão de reajustes aos servidores estaduais em 2020 e 2021, o que levou a uma significativa melhoria das finanças estaduais.

Finalmente, a Lei Complementar 178 - a versão atualizada do "Plano Mansueto" - permitiu a contratação de crédito, na condição de os estados adotarem contrapartidas - e uma Emenda Constitucional aprovada no contexto da pandemia criou o estado de emergência fiscal, permitindo o acionamento automático de gatilhos quando a relação entre despesas e receitas correntes supera 95%.

O economista Fabio Giambiagi ainda destaca dados apresentados no final do livro apontando que, em 2016, somente um estado obteve nota A na classificação de risco do Tesouro e dez, nota B. Já em 2020, cinco receberam nota A e 15, B. Essa realidade regional pode ser afetada, no entanto, por uma decisão liminar recente do ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que permitiu que estados e municípios façam concursos públicos para preencher vagas existentes, o que estava proibido pela Lei de Recuperação Fiscal.

O ministro defende a autonomia dos entes federativos para manterem seus quadros de servidores estáveis, mas pode ter aberto uma brecha na legislação de contrapartidas fiscais. Com este pano de fundo, os analistas da obra expõem como alguns governos estaduais conseguiram transformar um cenário de crise em um de recuperação fiscal, enquanto outros trilharam um caminho de maior risco. “Sem a competência e o compromisso da elite política dirigente do Estado em relação à responsabilidade fiscal, não é possível construir um projeto de desenvolvimento de longo prazo”, aponta Fabio Giambiagi.

 

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