Folha de S. Paulo
Candidatura de Moro completa a brasilidade
do absurdo
A anulação de 13 condenações aplicadas
por Sergio Moro, entre as quais as de Antonio Palocci e Marcelo Odebrecht,
situa-se entre duas explicações possíveis.
Ou Moro ignorava que irregularidades de
cunho eleitoral competem à específica Justiça Eleitoral ou suas sentenças nos
13 processos confirmam má-fé e parcialidade na apropriação desses casos.
A anulação e suas razões pulverizam todos
os questionamentos e ressalvas, sobretudo as do próprio Moro, à recente
imputação de julgamentos parciais e suspeitos
que lhe fez o Supremo Tribunal Federal (na 2ª Turma e em confirmação
pelo pleno).
Todos os atos desses processos na Lava Jato
foram anulados no Superior Tribunal de Justiça. Caberá à Justiça Eleitoral
decidir se os recupera, se inicia novos procedimentos ou não.
Em qualquer decisão, sem o principal acusável, que é o autor da absurda ilegalidade judicial, aliás preservada pelo Tribunal Regional Federal-Sul em decisões não menos parciais e suspeitas.
Mas nem assim a brasilidade do absurdo se
completa. O que só se dá, por ora, com a candidatura de tal acusável a
presidente do país ao qual ludibriou.
Autor de escutas ilegais de advogados de
defesa, de parentes de acusados, até da presidente da República —entre
incontáveis ilegalidades—, Sergio Moro tem um bordão de uso diário: "Não
cometi nenhum ato ilegal".
Vê-se que deseja competir com Bolsonaro
também em outros campos, valendo-se, inclusive, de um auxiliar distante da sua
intimidade: considerada
a forma física, um livro.
Com o bordão aí espichado em afirmações
assim: a respeito de Lula, "jamais se atuou com parcialidade com
ele". Com ele, não mesmo. Contra ele, sempre.
No Judiciário, Moro se esvai como suas
verdades. E nem faz diferença que Bolsonaro aumente de 10%, como disse, para
18% sua intromissão no Supremo.
Primeiro, porque ainda haverá nove
magistrados, apesar de nem todos o serem sempre. Depois, pela chegada ao
tribunal, não de um deslocado pastor, mas só de um caco.
É o que resta de André
Mendonça depois da quase unânime comparação entre suas afirmações aos
senadores, para ver-se aprovado ao Supremo, e os atos e palavras do seu passado
conhecido. O Senado talvez nunca tenha visto alguém contradizer-se tanto e com
tanta desfaçatez.
O auge da autenticidade de André Mendonça
viria, porém, na sua comemoração com Bolsonaro, já antiética por si só.
Fotografada e distribuída à imprensa pela própria Presidência, mas muito pouco
reproduzida para leitores e espectadores.
Bocas escancaradas em riso de cafajeste,
caras debochadas, enlaçados em mais do que um abraço, parecem dois bêbados
desequilibrados e se amparando mutuamente, para diversão dos circunstantes.
O Supremo passou por muitas vergonhas, mas
nunca viu, com certeza nunca viu, tamanha falta de compostura em nome da sua
toga.
Humilhação e prenúncio que o Senado
de Rodrigo Pacheco lançou ao Supremo, como presente natalino a
Bolsonaro e aos antidemocratas.
Tudo muito próprio, no entanto, para um
país em que mais de 50 milhões pessoas estavam abaixo da linha de pobreza no
ano passado e no atual só veem aumentar sua desgraça e sua fome.
Um a cada quatro brasileiros na população
em 2020, por verificação do IBGE, e a caminho de um a cada três em 2022 já
preparado pela recessão afinal denunciada.
E pelo apoio, já definido, do poder
econômico e dos seus meios de interferência eleitoral a um sucedâneo de
Bolsonaro, pelo mesmo primarismo obtuso, pela mesma arrogância perigosa e pela
também reconhecida, até por seus pares, falta de escrúpulo.
Ficará bem, suponho, interromper aqui com a
citação de uma frase banal e recente de Aécio Neves: "Eu não faço política
com o fígado". É com o bolso.
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