O Globo
O cenário econômico não poderia ser pior. O
país está estagnado, com inflação alta, desemprego elevado, e a renda
despencou. A semana passada nos trouxe esses dados, e na próxima quarta haverá
nova alta dos juros, o que levará Selic de 2% para 9,25% em poucos meses. O
nome disso é choque de juros numa economia combalida. Mas o Banco Central está
lutando sozinho contra a inflação. Os últimos dias também consagraram o ataque
às leis fiscais liderado pela própria equipe econômica e aprovado pelo Congresso
com votos até da oposição. O presidente que nos conduziu ao desastre econômico
recebeu três presentes na semana: a aprovação de um programa social
improvisado, dinheiro para gastar em ano eleitoral, um novo ministro submisso
no Supremo. O Congresso a tudo disse sim.
A Câmara deu carta branca ao presidente na proposta do calote e do fura-teto. O Senado atuou na redução de danos. Oposição e independentes, de fato, melhoraram a PEC, mas o projeto era horroroso. Torná-lo menos ruim não contorna o fato de que o governo propôs não pagar dívidas, fazer uma mudança casuística no teto para aproveitar a inflação e desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Um projeto assim não se salva, derruba-se. Até porque o governo fez toda essa lambança com um único objetivo: buscar capital político em ano eleitoral.
“Auxílio Brasil. O presidente que fez o
maior programa social do mundo agora é do PL.” Esses eram os dizeres que
estavam na parede do ato de filiação de Bolsonaro. Era mentira, porque ele não
fez o maior programa social do mundo. O que Bolsonaro fez foi extinguir o
melhor programa social que o Brasil já teve, o Bolsa Família, improvisar um
substituto cheio de defeitos e inconsistências. E viabilizá-lo derrubando
cercas fiscais do país. E teve a aprovação do Congresso.
A contenção de danos funcionou, em parte.
Em vez de o calote ir até 2036, a proposta da senadora Simone Tebet reduziu em
dez anos o estrago e fechou em 2026. A mudança do teto de gastos é considerada
por economistas bem pior, porque eles fazem um paralelo com o que houve quando
se mudou a meta de superávit primário. Começou alterando pouco até acabar em
déficit:
— Foi assim em 2014. Quando não se atingia
a meta, mudava-se a meta. Perdeu a credibilidade — disse um economista de
mercado.
E por que o mercado comemorou a aprovação
da PEC? Porque os investidores temiam uma alternativa ainda mais desastrosa.
Com as mudanças no Senado o buraco ficou mensurável e colocaram-se barreiras no
espaço aberto para gastar.
O melhor para o país teria sido fortalecer o Bolsa Família, mesmo que fosse
preciso colocar todo o precatório fora do teto, e encaminhar uma solução
definitiva. Mas o interesse politiqueiro falou mais alto. O que complica é ter
um ministro da Economia totalmente dócil à agenda eleitoral do presidente.
Paulo Guedes também está em campanha. Isso é o pior que pode acontecer com a
área econômica numa conjuntura perigosa como esta.
Como a inflação vai ficar acima dos 9,7%
que o governo está projetando, na verdade o espaço total, somados o calote e a
mudança no teto vai ser maior. Talvez de R$ 113 bilhões. No mercado se calcula
que R$ 60 bilhões vão para o auxílio Brasil.
O governo teve vitórias políticas na semana
passada, exatamente quando a primeira pesquisa registrou a intenção de votos
abaixo de 20%. É curiosa a incapacidade de a oposição ver a natureza
colaboracionista dos seus atos. No momento seguinte da sua aprovação, o
ministro André Mendonça derrubou as garantias laicas e de autonomia que tinha
feito na sabatina. As imagens falam por si. Bolsonaro tem agora 20% do STF. No
mínimo. Já que colaboracionistas há também no Supremo.
No caso do Auxílio, o Congresso, incluindo
alguns oposicionistas e independentes, deixaram-se enredar na armadilha que
colocou a isca de um programa social dentro de uma proposta fiscal inaceitável.
Tudo isso acontece na semana em que o país
entra em recessão técnica, a inflação está em dois dígitos, e a renda caiu 11%
em um ano. Parte é efeito da pandemia? Sim. Mas parte fundamental é a gestão
temerária da economia, e a administração por conflitos que o governo Bolsonaro
sempre manteve. O Congresso ajudou um presidente que deveria ser, a esta
altura, um pato manco. Está faltando visão política a quem quer defender a
ameaçada democracia brasileira.
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