quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Lava Jato, 2014-2021

Folha de S. Paulo

Entre decisões do STF e conveniência de Bolsonaro, operação merecia final melhor

A frase do ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) sobre fazer um pacto para "estancar a sangria" da Operação Lava Jato, de 2016, rende até hoje má fama ao Legislativo.

Jucá, afinal, era o protótipo do parlamentar bem instalado nos esquemas de poder em governos de qualquer matiz ideológico. A sangria foi efetivamente estancada, e a Lava Jato, se não está morta, encontra-se em coma profundo.

O Legislativo, entretanto, não é o principal responsável por isso, ainda que parlamentares possam ter participado de articulações contra a operação, iniciada em 2014.

No plano objetivo dos projetos aprovados e rejeitados, a atuação do Congresso nessa seara pode ser descrita como bastante adequada. Os parlamentares modernizaram a legislação sobre abuso de autoridade, o que era uma necessidade real e antiga, e derrubaram os excessos da proposta anticrime do ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro.

O principal responsável pela cauterização generalizada, por bons e maus motivos, é o Supremo Tribunal Federal —com a contribuição espúria de Jair Bolsonaro, que tratou de proteger os seus e nomeou um procurador-geral amigável.

Não há como afirmar que a reação do STF tenha sido imotivada. As conversas vazadas entre Moro e procuradores mostraram abusos que necessitavam de respostas jurídicas. Exposta a parcialidade do magistrado, justificou-se a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A corte, porém, procedeu a essa correção de forma atabalhoada. Curiosamente, ministros que apoiavam com veemência a Lava Jato acabaram contribuindo para seu enfraquecimento.

Foi o caso de Edson Fachin, que, na tentativa de evitar que a 2ª Turma declarasse a suspeição de Moro, decretou que os processos de Lula não deveriam ter corrido na 13ª Vara Federal de Curitiba. No entanto a discussão sobre a parcialidade não foi deixada de lado.

A suspeição atingiria apenas os processos de Lula e talvez de mais alguns poucos réus. Já a incompetência da 13ª Vara abriu uma avenida para anulações, que advogados souberam aproveitar. Hoje, réus que se mantiveram em silêncio estão em situação melhor do que a dos que optaram por colaborar com a Justiça.

A Lava Jato, em que pese ter cometido seu quinhão de abusos, desbaratou grandes esquemas de corrupção, recuperando bilhões de reais para os cofres públicos e condenando políticos e empresários que sempre operaram sob o manto da impunidade. Seu legado merecia tratamento melhor.

É renúncia

Folha de S. Paulo

Mudança na classificação do Simples ameaça ampliar distorção do benefício fiscal

Em mais um passo para cristalizar subsídios a setores e atividades, o Congresso definiu que o Simples, regime tributário aplicado a empresas de menor porte, não será tratado como renúncia fiscal.

As pessoas jurídicas inscritas nesse regime contam com impostos reduzidos e exigências de recolhimento facilitadas —um tratamento mais favorável comum em diversos países e, no Brasil, previsto na Constituição e concretizado por uma legislação de 2006.

O problema, como de costume, é que um incentivo de início moderado logo mobiliza grupos de pressão que encontram notável facilidade para ampliá-lo. O Simples foi desvirtuado ao longo de anos, passando a incorporar empresas não tão pequenas. Atualmente, negócios com faturamento de até R$ 4,8 milhões anuais são elegíveis.

Do modo como está desenhada, a norma desincentiva a expansão dos empreendimentos, e muitos se dividem em vários CNPJs para manter o benefício. Além disso, há uma enorme confusão entre tributação de pessoas jurídicas e do que deveria ser considerado como renda de pessoas físicas.

Na prática, profissionais liberais de todo o tipo se organizam como PJ e distribuem (e recebem) dividendos isentos de impostos.

A Receita Federal calcula, não sem controvérsias, que a perda de arrecadação com o Simples chega a R$ 76,6 bilhões ao ano, cerca de 22% do total dos incentivos tributários federais. O critério do fisco para a classificação como renúncia é tratar-se de um benefício especial para alguns setores.

Embora seja correto o argumento de que há previsão constitucional para tratamento diferenciado a pequenas empresas, a redução de impostos não deixa de ser uma renúncia. Não considerá-la como tal, longe de ser questão apenas semântica, traz consequências.

O efeito prático da mudança aprovada no Congresso é que não será mais necessário avaliar o impacto orçamentário e criar medidas compensatórias para ampliar o programa. O caminho está aberto para novos aumentos dos limites de faturamento, agravando a distorção e comprometendo ainda mais as contas públicas.

A vitória na linguagem solidifica um benefício que se tornou excessivo. Será mais difícil, doravante, conter novas benesses.

A solução para o problema deve ser sistêmica, por meio de uma reforma tributária coerente —que, no âmbito da pessoa jurídica, crie um imposto sobre valor agregado para todos e, no caso da pessoa física, equalize a tributação da renda oriunda de salários e dividendos.

Um país conivente com a pobreza

O Estado de S. Paulo.

PIB per capita levará anos para retomar o nível observado em 2013.

O PIB per capita, que mede o nível de bem-estar médio da população, levará anos para retornar ao nível observado em 2013

O empobrecimento da população, que se observa desde meados da década passada, deve se estender até o fim desta – isso se tudo correr bem. Numa projeção otimista, só em 2028 o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do País – medida que indica qual parcela de tudo o que se produz num ano caberia a cada habitante se a distribuição fosse perfeita – deverá voltar ao nível observado em 2013. Terão sido 15 anos em que o brasileiro ficou mais pobre e lentamente conseguiu se recuperar para então retornar ao ponto de onde havia saído. Em uma década e meia, o nível de bem-estar médio do brasileiro não terá avançado nada.

Não faz muito tempo, as estatísticas econômicas e sociais sugeriam que o Brasil tinha optado por se tornar um país de renda média, situando-se entre as nações mais ricas e as que não conseguiram sair da pobreza e do subdesenvolvimento. Parecia uma opção medíocre para o potencial de que o País dispõe, como disponibilidade de fatores naturais que estimulam o crescimento ambientalmente responsável e densidade populacional que asseguraria um mercado interno invejável, entre outros. Números mostrados recentemente pelo Estado indicam que nem isso estamos conseguindo ser.

Mesmo que, nos próximos anos, a economia retome o crescimento firme e vigoroso – cenário não visível no momento –, a melhora do padrão de vida dos brasileiros será lenta. O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) estima que o PIB per capita deve fechar 2021 em R$ 36.661, com alta de 3,8% sobre o de 2020. O aumento expressivo deve ser relativizado, pois em 2020 a economia encolheu fortemente. O resultado de 2021 será cerca de 1% menor do que o de 2019.

Para que até 2028 o PIB per capita alcance o nível observado em 2013, o PIB precisa crescer, em média, 2,1% ao ano entre 2023 e 2028 (o resultado de 2022 deve ser igual ao de 2021), observa a economista do IBRE/FGV Silvia Mattos. Com o aumento estimado para a população, esse ritmo de crescimento propiciaria o aumento anual médio de 1,5% do PIB per capita no período.

É possível que essa evolução seja alcançada. Na década de 2000, o País conseguiu crescer nesse ritmo. Mas esse é um cenário otimista. Uma situação internacional altamente favorável, inflação e contas públicas sob controle e, em alguns momentos, o andamento de reformas sustentaram um ciclo de crescimento que não se observou nos anos posteriores. Desde 2015, quando começou a recessão decorrente do fracasso da política econômica lulopetista, o desempenho tem sido medíocre, com o crescimento mal ultrapassando 1% ao ano.

Talvez a cautela recomende que se projete a recuperação do PIB per capita para 2030 ou ainda mais tarde.

A estagnação do PIB per capita vem acompanhada da piora da distribuição de renda, uma chaga social com que o País aceitou conviver. A crise provocada pela pandemia tornou esse quadro ainda mais sombrio. Passou-se a produzir menos por habitante e o pouco que a economia produz a mais é apropriado por um número menor de pessoas.

O alto desemprego, que a pandemia piorou, deve persistir por alguns anos. Observam-se melhoras nos indicadores do mercado de trabalho, mas elas são lentas. A taxa de desemprego no Brasil estava em torno de 5% nas décadas de 1980 e 1990. Em meados da década de 2010, havia chegado a cerca de 9%; a recessão causada pelo governo Dilma Rousseff a elevou para acima de 10%. A mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua mostrou que ela está em 12,6% da força de trabalho. Aos cerca de 13,5 milhões de brasileiros sem ocupação somam-se os que trabalham em condições precárias e os que, por falta de oportunidades, saíram da população economicamente ativa.

Pobreza é assunto de que o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, querem distância, pois não sabem o que fazer com ela. A insensata transformação do Bolsa Família, de êxito reconhecido, em Auxílio Brasil, de frágil sustentação fiscal, mostra quanto falta para o País dispor de políticas sociais condizentes com suas imensas necessidades.

O uso eleitoreiro da corrupção

O Estado de S. Paulo.

Reduzir a corrupção é muito mais do que mera questão de repressão penal. Tratar de forma simplista um problema complexo é ineficiente, além de frustrante para a população

Poucos temas suscitam tantas paixões – e reviravoltas – como a corrupção. Até chegar ao Palácio do Planalto, o PT sempre apresentou a questão da ética na política como um dos aspectos centrais do seu discurso. A promessa era de que a legenda de Lula traria uma nova moralidade pública ao País. Após os escândalos de corrupção, o PT não apenas abandonou o discurso de uma nova ética na política, como tem desqualificado qualquer menção ao tema. O combate à corrupção tornou-se uma espécie de pauta maldita para o PT.

Fenômeno semelhante ocorreu com o bolsonarismo. Há um antes e um depois da chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Na campanha de 2018, a luta contra a corrupção foi a grande bandeira do candidato do PSL, que, depois de eleito, convidou para o governo a figura mais proeminente da Lava Jato, o então juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro. No entanto, depois de Jair Bolsonaro assumir a Presidência da República, o tema foi despido de qualquer relevância. É especialmente constrangedor o silêncio de Bolsonaro em relação às suspeitas de rachadinha envolvendo sua família e às revelações da CPI da Pandemia sobre as negociações de vacinas no entorno do Ministério da Saúde.

Nota-se, assim, uma lógica perversa, de manipulação de expectativas para fins eleitorais. E o problema não é apenas a atitude após as eleições, com o abandono das promessas de campanha sobre o combate à corrupção. Há um desequilíbrio nas próprias campanhas, quando apresentam a corrupção como sendo o grande problema nacional. Infelizmente, o Brasil ainda está muito longe de ter como principal desafio o combate à corrupção: há outros problemas mais graves e mais difíceis de serem resolvidos do que negociações indevidas envolvendo o público e o privado.

Obviamente, o tema da corrupção deve entrar em uma campanha eleitoral. Não cabe, por exemplo, o PT ignorar, como se nada tivesse ocorrido, os muitos escândalos de corrupção dos governos Lula e Dilma. Conduta ilibada é requisito indispensável para quem deseja ocupar o mais alto posto do Executivo federal – e não há conduta ilibada quando as suspeitas não são devidamente esclarecidas.

O tema da corrupção deve permear especialmente o debate das eleições para o Congresso. Afinal, é o Legislativo federal que define o tratamento jurídico a ser dado às condutas inadequadas envolvendo a administração pública. Seria muito benéfico para o País que o tema fosse objeto de um debate maduro, numa avaliação rigorosa das experiências e estratégias disponíveis para melhorar o trato da coisa pública.

Trata-se de discussão que vai muito além do clamor por aumento das penas ou por “menos impunidade”. Como lembrou Laura Karpuska, em sua coluna no Estado ( Corrupção, dia 19.11.2021), “a corrupção acontece porque existem distorções na distribuição de poder de um país que propiciam atividades ilícitas. Instituições accountable, inclusivas e transparentes são mais importantes do que o combate demagógico à corrupção”.

No uso eleitoreiro do tema, a corrupção é reduzida a uma questão de repressão penal, em tratamento simplista de um problema complexo que, como a história nacional tem mostrado com abundantes exemplos, é rigorosamente ineficiente – e muito frustrante para a população.

Ao tratar da necessidade de um debate mais profundo, a economista Laura Karpuska lembra que “ser anticorrupção é tornar políticos e servidores responsáveis pelos próprios atos”. Entre outros pontos, tal perspectiva de responsabilidade, mais abrangente do que apenas punir os malfeitos – tática que é, muitas vezes, mero “enxugar gelo”–, ajuda a desvelar a incompatibilidade do bolsonarismo e do lulopetismo com uma genuína agenda anticorrupção. As táticas de Lula e de Bolsonaro para não responder por seus atos – seja no mensalão, no petrolão, na rachadinha ou na pandemia – contribuem diretamente para rebaixar o patamar de moralidade na vida pública. Responsabilidade e transparência são atributos indispensáveis do exercício do poder no regime democrático.

Atraso do mercado de trabalho freia queda do desemprego

O Globo

É lenta, mas consistente, a queda no desemprego constatada pelo IBGE nos últimos meses. A taxa, que atingiu o ápice da pandemia perto dos 15%, no primeiro trimestre deste ano, tem caído mês a mês e chegou a 12,1% no trimestre encerrado em outubro. Em nove meses, o total de desocupados caiu de 15,3 milhões para 12,9 milhões. Quase 2,4 milhões de brasileiros voltaram ao mercado de trabalho.

A boa notícia esconde, porém, dois senões. O primeiro está na qualidade desses novos empregos. O rendimento médio dos trabalhadores caiu ao menor nível desde 2012: R$ 2.449, já descontada a inflação (11% abaixo do mesmo período de 2020). A informalidade continua a crescer e alcança 40,7% da população ocupada, ou 38,2 milhões. Dos 3,3 milhões que se empregaram no trimestre, 1,8 milhão só encontrou postos no mercado informal, incluindo bicos eventuais ou trabalho por conta própria. A única categoria que cresceu no país é a dos que ganham até um salário mínimo.

De acordo com uma análise do economista Bruno Ottoni publicada pelo GLOBO, quase metade da população ocupada (45,8 milhões de trabalhadores) está em empregos de baixa qualidade, levando em conta salário, condições de trabalho, estabilidade e acesso a seguridade social e Previdência. Trata-se da maior proporção e quantidade desde 2016, ano em que ele começou a levantar os dados.

O segundo senão é consequência do primeiro. Apesar da minirreforma trabalhista do governo Michel Temer, a legislação brasileira ainda está cheia de obstáculos à geração de empregos. É a explicação para a reação lenta do nosso mercado de trabalho nos momentos de recuperação, na comparação com outros países. Nos Estados Unidos, a pandemia levou a desocupação também a perto de 15% em abril de 2020. Mas a taxa caiu rapidamente com a recuperação da atividade — e já estava em 4,2% em novembro. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o desemprego caiu de 8,8% em abril do ano passado para 5,7% em outubro deste ano, pouco acima dos 5,3% de antes da pandemia.

No Brasil, a desocupação também está pouco acima do patamar anterior à pandemia (era de 11,8%). Mas nossa queda é menos intensa que nos países onde as empresas têm mais facilidade para contratar e demitir. E o desemprego estrutural é mais alto. Economistas estimam em mais de 9% a desocupação natural da força de trabalho. Isso significa que, se a taxa cair abaixo disso, a economia estará superaquecida, com pressão constante por salários mais altos, maior demanda, portanto mais inflação.

Reduzir essa taxa natural de desemprego não inflacionária ao patamar dos países mais desenvolvidos é o principal desafio do mercado de trabalho brasileiro. A receita para isso é conhecida: é preciso reduzir o custo de empregar, por meio de uma legislação trabalhista mais flexível, e qualificar a mão de obra para ocupar as posições de maior produtividade e maior valor no mercado.

Não existe mágica em economia. Enquanto o país tiver uma legislação engessada e a força de trabalho sem a formação necessária para atividades que gerem mais riqueza, o Brasil continuará refém da informalidade, com desemprego estrutural altíssimo e distante do grupo dos países mais avançados da OCDE, a que tanto almeja pertencer.

Governo fluminense acerta ao adotar câmeras para monitorar a polícia

O Globo

É bem-vindo o anúncio do governador fluminense, Cláudio Castro (PL), sobre o uso de câmeras nos uniformes de agentes de segurança a partir deste final de ano. Os aparelhos gravarão 12 horas sem interrupção. As imagens de ações corriqueiras ficarão armazenadas por 60 dias. As de incursões complexas, por até um ano. No primeiro momento, só parte da força usará as câmeras. A decisão é consequência de uma lei aprovada em maio na Alerj. Viaturas da Polícia Militar já tiveram equipamentos de filmagem entre 2013 e 2017. Com o tempo, deixaram de funcionar e não foram trocados.

Se usado com rigor e transparência, esse é um instrumento que pode: 1) ajudar bons policiais com evidências contra suspeitos ou criminosos que reagem com violência quando abordados; 2) ajudar instâncias e órgãos de fiscalização a punir maus policiais, que abusam da força ou até matam suspeitos desarmados; 3) ajudar departamentos responsáveis pelo treinamento das forças policiais a reforçar boas práticas e a identificar procedimentos que precisam ser melhorados. É esperado que as câmeras sejam decisivas para tirar o Rio dos primeiros lugares no ranking das polícias que mais matam no país (ao lado de Amapá, Goiás, Sergipe e Bahia). Basta lembrar o impacto da filmagem do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos em 2020.

Pesquisas sobre os efeitos em outros países e estados comprovam duas tendências opostas. A reação nefasta é a resistência de policiais, que tentam burlar a tomada de imagens ou pressionar para que as instâncias responsáveis não as usem para punições. Caso o governo deixe de adotar medidas para evitar isso, o investimento será jogado no lixo. A reação benévola é justamente a contrária. Cientes de que as imagens serão usadas contra maus comportamentos, policiais violentos ou assassinos mudam sua conduta.

Santa Catarina decidiu pelo uso de câmeras em parte da Polícia Militar em 2019. Foi o primeiro estado no país a fazer isso. Estudo liderado por Thiemo Fetzer, da universidade britânica de Warwick, publicado em setembro, mostra que houve redução de até 61% no uso de força pelos agentes, principalmente por policiais mais novos, melhora na qualidade dos dados reportados e maior produção de boletins de ocorrência. Em São Paulo, terceiro estado a seguir esse caminho (o segundo foi Rondônia), 500 câmeras foram adotadas em 2020, outras 2.500 em 2021. Foi um dos fatores que ajudaram a reduzir em 6,1% as mortes decorrentes de intervenção policial em 2020. Nos primeiros dez meses de 2021, houve queda mais expressiva, de 30%, na comparação com o período do ano anterior, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O Rio tem obtido queda consistente nos índices de homicídio nos últimos anos. Se souber aproveitar as câmeras para reduzir a letalidade da polícia, dará outro salto no combate à violência.

Dominado pelo Centrão, Legislativo perde prestígio

Valor Econômico

O orçamento tornou-se aquilo que os grupos que dominam o Congresso querem que ele seja

A avaliação do governo de Jair Bolsonaro foi de mal a pior até o fim do ano e a do Congresso, sob o comando de seu aliado, o deputado Arthur Lira (PP-PI), na Câmara dos Deputados, e de Rodrigo Pacheco, no Senado, foi apenas um pouco menos ruim. O Senado ainda fez contraponto vital às aprovações à jato de Lira, nem sempre fiéis ao regimento interno. Barrou, por exemplo, reforma torta da tributação apresentada pelo ministro Paulo Guedes, e talvez a tenha sepultado de vez. No entanto, para o público, os congressistas só se preocupam com eles mesmos e esta percepção, ainda que imprecisa, tem uma acachapante base factual.

Pesquisa Datafolha (13 a 16-12) indicou que apenas 10% dos entrevistados classificam o trabalho do Congresso de ótimo ou bom (inferior à nota de Bolsonaro) e 41% o consideram francamente ruim ou péssimo. Ainda que a avaliação positiva tenha superado só uma vez a negativa (em 2003), o julgamento público piorou no decorrer da atual legislatura, especialmente no final. Não por acaso foi quando vieram à tona o escândalo das emendas secretas, que talvez tenham revelado mais uma vez como e com que finalidade o processo orçamentário é manipulado para fins particulares e deixado, há algum tempo, de ser público.

A atual legislatura é pior que a anterior, e não por falta de renovação - menos da metade dos deputados da anterior foram reeleitos. Um dos problemas foi que os novos deputados eram em boa parte bolsonaristas radicais e representantes do Centrão, denominação para um monte de legendas que não tem princípios e, na maior parte do tempo, só interesses.

Na maior parte do tempo nas últimas três décadas o Executivo conduziu, aos trancos e barrancos, o Congresso em direção a interesses que coincidiram muitas vezes com os da população. A fragmentação partidária em legendas inexpressivas de aluguel complicou essa tarefa, até que a primeira investida ao orçamento foi bem-sucedida em 2015. De lá para cá o Congresso ampliou emendas e seu valores e, com Bolsonaro, atingiu seu nirvana. O presidente entregou a coordenação política a Ciro Nogueira (PP-PI). Ao lado de Lira, com seus golpes de mão na Câmara, e de legendas que têm crescido ao longo do tempo, como o PL do mensaleiro Valdemar Costa Neto (PL, ao qual Bolsonaro se afiliou), produziram a fina flor do toma lá-dá cá: uma versão secreta. O STF impediu a continuidade da farsa, até pelo menos que o Centrão descubra novos subterfúgios.

O orçamento é a peça vital de um governo: permite que os projetos de governos eleitos se tornem viáveis. Como Bolsonaro não só parece interessado em causar tumultos e em sua reeleição, o orçamento tornou-se aquilo que os grupos que dominam o Congresso querem que ele seja.

O teto de gastos foi uma tentativa, ainda que defeituosa, de quebrar um vício anterior: a superestimação de receitas pelo Congresso, que permitia aumentar as despesas sem lastro. O teto, ao indexar as despesas, tornou inútil inflar receitas. Mas não resistiu a um ataque concentrado do Centrão com apoio do presidente e do ministro da Economia. Antes de ser furado, a Câmara já havia tentado uma saída que nada tinha de criativa e muito de desfaçatez - o corte de despesas obrigatórias. Para garantir o presidente no cargo, vieram depois as emendas clandestinas do relator, distribuídas pela Casa Civil e a elite do Centrão e partidos que apoiam o governo.

PP, PL, PSD, as principais legendas do grupo, sempre estiveram menos preocupadas em chegar ao poder do que em aumentar suas bancadas no Legislativo, que decide o destino de verbas públicas. Tiveram sucesso na empreitada, e com a guinada conservadora, marcada pela chegada de Bolsonaro ao poder, possivelmente terão representação maior na próxima legislatura. O orçamento saiu do controle do Executivo, o que é uma enorme dor de cabeça para o próximo presidente, seja ele quem for.

A representação política tornou-se um enorme problema. Não basta pedir aos eleitores que escolham bem seus candidatos porque máquinas partidárias sem princípios dominam a oferta - que é péssima e em grande quantidade, atraindo uma leva de aventureiros e oportunistas, sem o menor espírito público. A diminuição do número de partidos, pela cláusula de barreira, é um princípio tímido para corrigir os desvios, embora lenta e sujeita a retrocessos - sendo o Congresso o que tem sido.

 

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