EDITORIAIS
Lava Jato, 2014-2021
Folha de S. Paulo
Entre decisões do STF e conveniência de
Bolsonaro, operação merecia final melhor
A frase do ex-senador Romero Jucá (MDB-RR)
sobre fazer um pacto para "estancar a sangria" da Operação Lava Jato,
de 2016, rende até hoje má fama ao Legislativo.
Jucá, afinal, era o protótipo do
parlamentar bem instalado nos esquemas de poder em governos de qualquer matiz
ideológico. A sangria foi
efetivamente estancada, e a Lava Jato, se não está morta,
encontra-se em coma profundo.
O Legislativo, entretanto, não é o
principal responsável por isso, ainda que parlamentares possam ter participado
de articulações contra a operação, iniciada em 2014.
No plano objetivo dos projetos aprovados e
rejeitados, a atuação do Congresso nessa seara pode ser descrita como bastante
adequada. Os parlamentares modernizaram a legislação sobre abuso de autoridade,
o que era uma necessidade real e antiga, e derrubaram os excessos da proposta
anticrime do ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro.
O principal responsável pela cauterização
generalizada, por bons e maus motivos, é o Supremo Tribunal Federal —com a
contribuição espúria de Jair Bolsonaro, que tratou de proteger os seus e nomeou
um procurador-geral amigável.
Não há como afirmar que a reação do STF tenha sido imotivada. As conversas vazadas entre Moro e procuradores mostraram abusos que necessitavam de respostas jurídicas. Exposta a parcialidade do magistrado, justificou-se a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A corte, porém, procedeu a essa correção de
forma atabalhoada. Curiosamente, ministros que apoiavam com veemência a Lava
Jato acabaram contribuindo para seu enfraquecimento.
Foi o caso de Edson Fachin, que, na
tentativa de evitar que a 2ª Turma declarasse a suspeição de Moro, decretou que
os processos de Lula não deveriam ter corrido na 13ª Vara Federal de Curitiba.
No entanto a discussão sobre a parcialidade não foi deixada de lado.
A suspeição atingiria apenas os processos
de Lula e talvez de mais alguns poucos réus. Já a incompetência da 13ª Vara
abriu uma avenida para anulações, que advogados souberam aproveitar. Hoje, réus
que se mantiveram em silêncio estão em situação melhor do que a dos que optaram
por colaborar com a Justiça.
A Lava Jato, em que pese ter cometido seu
quinhão de abusos, desbaratou grandes esquemas de corrupção, recuperando
bilhões de reais para os cofres públicos e condenando políticos e empresários
que sempre operaram sob o manto da impunidade. Seu legado merecia tratamento
melhor.
É renúncia
Folha de S. Paulo
Mudança na classificação do Simples ameaça
ampliar distorção do benefício fiscal
Em mais um passo para cristalizar subsídios
a setores e atividades, o Congresso definiu que o Simples, regime tributário
aplicado a empresas de menor porte, não será tratado como renúncia fiscal.
As pessoas jurídicas inscritas nesse regime
contam com impostos reduzidos e exigências de recolhimento facilitadas —um
tratamento mais favorável comum em diversos países e, no Brasil, previsto na
Constituição e concretizado por uma legislação de 2006.
O problema, como de costume, é que um
incentivo de início moderado logo mobiliza grupos de pressão que encontram
notável facilidade para ampliá-lo. O Simples foi desvirtuado ao longo de anos,
passando a incorporar empresas não tão pequenas. Atualmente, negócios com
faturamento de até R$ 4,8 milhões anuais são elegíveis.
Do modo como está desenhada, a norma
desincentiva a expansão dos empreendimentos, e muitos se dividem em vários
CNPJs para manter o benefício. Além disso, há uma enorme confusão entre
tributação de pessoas jurídicas e do que deveria ser considerado como renda de
pessoas físicas.
Na prática, profissionais liberais de todo
o tipo se organizam como PJ e distribuem (e recebem) dividendos isentos de
impostos.
A Receita Federal calcula, não sem
controvérsias, que a perda de arrecadação com o Simples chega a R$ 76,6 bilhões
ao ano, cerca de 22% do total dos incentivos tributários federais. O critério
do fisco para a classificação como renúncia é tratar-se de um benefício
especial para alguns setores.
Embora seja correto o argumento de que há
previsão constitucional para tratamento diferenciado a pequenas empresas, a
redução de impostos não deixa de ser uma renúncia. Não considerá-la como tal,
longe de ser questão apenas semântica, traz consequências.
O efeito prático da mudança aprovada no
Congresso é que não será mais necessário avaliar o impacto orçamentário e criar
medidas compensatórias para ampliar o programa. O caminho está aberto para
novos aumentos dos limites de faturamento, agravando a distorção e
comprometendo ainda mais as contas públicas.
A vitória na linguagem solidifica um
benefício que se tornou excessivo. Será mais difícil, doravante, conter novas
benesses.
A solução para o problema deve ser sistêmica,
por meio de uma reforma tributária coerente —que, no âmbito da pessoa jurídica,
crie um imposto sobre valor agregado para todos e, no caso da pessoa física,
equalize a tributação da renda oriunda de salários e dividendos.
Um país conivente com a pobreza
O Estado de S. Paulo.
PIB per capita levará anos para retomar o nível observado em 2013.
O PIB per capita, que mede o nível de
bem-estar médio da população, levará anos para retornar ao nível observado em
2013
O empobrecimento da população, que se
observa desde meados da década passada, deve se estender até o fim desta – isso
se tudo correr bem. Numa projeção otimista, só em 2028 o Produto Interno Bruto
(PIB) per capita do País – medida que indica qual parcela de tudo o que se
produz num ano caberia a cada habitante se a distribuição fosse perfeita –
deverá voltar ao nível observado em 2013. Terão sido 15 anos em que o
brasileiro ficou mais pobre e lentamente conseguiu se recuperar para então
retornar ao ponto de onde havia saído. Em uma década e meia, o nível de
bem-estar médio do brasileiro não terá avançado nada.
Não faz muito tempo, as estatísticas
econômicas e sociais sugeriam que o Brasil tinha optado por se tornar um país
de renda média, situando-se entre as nações mais ricas e as que não conseguiram
sair da pobreza e do subdesenvolvimento. Parecia uma opção medíocre para o
potencial de que o País dispõe, como disponibilidade de fatores naturais que
estimulam o crescimento ambientalmente responsável e densidade populacional que
asseguraria um mercado interno invejável, entre outros. Números mostrados
recentemente pelo Estado indicam que nem isso estamos conseguindo ser.
Mesmo que, nos próximos anos, a economia
retome o crescimento firme e vigoroso – cenário não visível no momento –, a
melhora do padrão de vida dos brasileiros será lenta. O Instituto Brasileiro de
Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) estima que o PIB per capita
deve fechar 2021 em R$ 36.661, com alta de 3,8% sobre o de 2020. O aumento
expressivo deve ser relativizado, pois em 2020 a economia encolheu fortemente.
O resultado de 2021 será cerca de 1% menor do que o de 2019.
Para que até 2028 o PIB per capita alcance
o nível observado em 2013, o PIB precisa crescer, em média, 2,1% ao ano entre
2023 e 2028 (o resultado de 2022 deve ser igual ao de 2021), observa a
economista do IBRE/FGV Silvia Mattos. Com o aumento estimado para a população,
esse ritmo de crescimento propiciaria o aumento anual médio de 1,5% do PIB per
capita no período.
É possível que essa evolução seja
alcançada. Na década de 2000, o País conseguiu crescer nesse ritmo. Mas esse é
um cenário otimista. Uma situação internacional altamente favorável, inflação e
contas públicas sob controle e, em alguns momentos, o andamento de reformas
sustentaram um ciclo de crescimento que não se observou nos anos posteriores.
Desde 2015, quando começou a recessão decorrente do fracasso da política
econômica lulopetista, o desempenho tem sido medíocre, com o crescimento mal
ultrapassando 1% ao ano.
Talvez a cautela recomende que se projete a
recuperação do PIB per capita para 2030 ou ainda mais tarde.
A estagnação do PIB per capita vem
acompanhada da piora da distribuição de renda, uma chaga social com que o País
aceitou conviver. A crise provocada pela pandemia tornou esse quadro ainda mais
sombrio. Passou-se a produzir menos por habitante e o pouco que a economia
produz a mais é apropriado por um número menor de pessoas.
O alto desemprego, que a pandemia piorou,
deve persistir por alguns anos. Observam-se melhoras nos indicadores do mercado
de trabalho, mas elas são lentas. A taxa de desemprego no Brasil estava em
torno de 5% nas décadas de 1980 e 1990. Em meados da década de 2010, havia
chegado a cerca de 9%; a recessão causada pelo governo Dilma Rousseff a elevou
para acima de 10%. A mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
(Pnad) Contínua mostrou que ela está em 12,6% da força de trabalho. Aos cerca
de 13,5 milhões de brasileiros sem ocupação somam-se os que trabalham em
condições precárias e os que, por falta de oportunidades, saíram da população
economicamente ativa.
Pobreza é assunto de que o presidente Jair
Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, querem distância, pois não
sabem o que fazer com ela. A insensata transformação do Bolsa Família, de êxito
reconhecido, em Auxílio Brasil, de frágil sustentação fiscal, mostra quanto
falta para o País dispor de políticas sociais condizentes com suas imensas
necessidades.
O uso eleitoreiro da corrupção
O Estado de S. Paulo.
Reduzir a corrupção é muito mais do que
mera questão de repressão penal. Tratar de forma simplista um problema complexo
é ineficiente, além de frustrante para a população
Poucos temas suscitam tantas paixões – e
reviravoltas – como a corrupção. Até chegar ao Palácio do Planalto, o PT sempre
apresentou a questão da ética na política como um dos aspectos centrais do seu
discurso. A promessa era de que a legenda de Lula traria uma nova moralidade
pública ao País. Após os escândalos de corrupção, o PT não apenas abandonou o
discurso de uma nova ética na política, como tem desqualificado qualquer menção
ao tema. O combate à corrupção tornou-se uma espécie de pauta maldita para o
PT.
Fenômeno semelhante ocorreu com o
bolsonarismo. Há um antes e um depois da chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio
do Planalto. Na campanha de 2018, a luta contra a corrupção foi a grande
bandeira do candidato do PSL, que, depois de eleito, convidou para o governo a
figura mais proeminente da Lava Jato, o então juiz da 13.ª Vara Federal de
Curitiba, Sérgio Moro. No entanto, depois de Jair Bolsonaro assumir a
Presidência da República, o tema foi despido de qualquer relevância. É
especialmente constrangedor o silêncio de Bolsonaro em relação às suspeitas de
rachadinha envolvendo sua família e às revelações da CPI da Pandemia sobre as
negociações de vacinas no entorno do Ministério da Saúde.
Nota-se, assim, uma lógica perversa, de
manipulação de expectativas para fins eleitorais. E o problema não é apenas a
atitude após as eleições, com o abandono das promessas de campanha sobre o
combate à corrupção. Há um desequilíbrio nas próprias campanhas, quando
apresentam a corrupção como sendo o grande problema nacional. Infelizmente, o
Brasil ainda está muito longe de ter como principal desafio o combate à
corrupção: há outros problemas mais graves e mais difíceis de serem resolvidos
do que negociações indevidas envolvendo o público e o privado.
Obviamente, o tema da corrupção deve entrar
em uma campanha eleitoral. Não cabe, por exemplo, o PT ignorar, como se nada
tivesse ocorrido, os muitos escândalos de corrupção dos governos Lula e Dilma.
Conduta ilibada é requisito indispensável para quem deseja ocupar o mais alto
posto do Executivo federal – e não há conduta ilibada quando as suspeitas não
são devidamente esclarecidas.
O tema da corrupção deve permear
especialmente o debate das eleições para o Congresso. Afinal, é o Legislativo
federal que define o tratamento jurídico a ser dado às condutas inadequadas
envolvendo a administração pública. Seria muito benéfico para o País que o tema
fosse objeto de um debate maduro, numa avaliação rigorosa das experiências e
estratégias disponíveis para melhorar o trato da coisa pública.
Trata-se de discussão que vai muito além do
clamor por aumento das penas ou por “menos impunidade”. Como lembrou Laura
Karpuska, em sua coluna no Estado ( Corrupção, dia 19.11.2021), “a corrupção
acontece porque existem distorções na distribuição de poder de um país que
propiciam atividades ilícitas. Instituições accountable, inclusivas e
transparentes são mais importantes do que o combate demagógico à corrupção”.
No uso eleitoreiro do tema, a corrupção é
reduzida a uma questão de repressão penal, em tratamento simplista de um
problema complexo que, como a história nacional tem mostrado com abundantes
exemplos, é rigorosamente ineficiente – e muito frustrante para a população.
Ao tratar da necessidade de um debate mais
profundo, a economista Laura Karpuska lembra que “ser anticorrupção é tornar
políticos e servidores responsáveis pelos próprios atos”. Entre outros pontos,
tal perspectiva de responsabilidade, mais abrangente do que apenas punir os
malfeitos – tática que é, muitas vezes, mero “enxugar gelo”–, ajuda a desvelar
a incompatibilidade do bolsonarismo e do lulopetismo com uma genuína agenda
anticorrupção. As táticas de Lula e de Bolsonaro para não responder por seus
atos – seja no mensalão, no petrolão, na rachadinha ou na pandemia – contribuem
diretamente para rebaixar o patamar de moralidade na vida pública.
Responsabilidade e transparência são atributos indispensáveis do exercício do
poder no regime democrático.
Atraso do mercado de trabalho freia queda
do desemprego
O Globo
É lenta, mas consistente, a queda no
desemprego constatada pelo IBGE nos últimos meses. A taxa, que atingiu o ápice
da pandemia perto dos 15%, no primeiro trimestre deste ano, tem caído mês a mês
e chegou a 12,1% no trimestre encerrado em outubro. Em nove meses, o total de
desocupados caiu de 15,3 milhões para 12,9 milhões. Quase 2,4 milhões de
brasileiros voltaram ao mercado de trabalho.
A boa notícia esconde, porém, dois senões.
O primeiro está na qualidade desses novos empregos. O rendimento médio dos
trabalhadores caiu ao menor nível desde 2012: R$ 2.449, já descontada a
inflação (11% abaixo do mesmo período de 2020). A informalidade continua a
crescer e alcança 40,7% da população ocupada, ou 38,2 milhões. Dos 3,3 milhões
que se empregaram no trimestre, 1,8 milhão só encontrou postos no mercado
informal, incluindo bicos eventuais ou trabalho por conta própria. A única
categoria que cresceu no país é a dos que ganham até um salário mínimo.
De acordo com uma análise do economista
Bruno Ottoni publicada pelo GLOBO, quase metade da população ocupada (45,8
milhões de trabalhadores) está em empregos de baixa qualidade, levando em conta
salário, condições de trabalho, estabilidade e acesso a seguridade social e
Previdência. Trata-se da maior proporção e quantidade desde 2016, ano em que
ele começou a levantar os dados.
O segundo senão é consequência do primeiro.
Apesar da minirreforma trabalhista do governo Michel Temer, a legislação
brasileira ainda está cheia de obstáculos à geração de empregos. É a explicação
para a reação lenta do nosso mercado de trabalho nos momentos de recuperação,
na comparação com outros países. Nos Estados Unidos, a pandemia levou a
desocupação também a perto de 15% em abril de 2020. Mas a taxa caiu rapidamente
com a recuperação da atividade — e já estava em 4,2% em novembro. Nos países da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o desemprego
caiu de 8,8% em abril do ano passado para 5,7% em outubro deste ano, pouco
acima dos 5,3% de antes da pandemia.
No Brasil, a desocupação também está pouco
acima do patamar anterior à pandemia (era de 11,8%). Mas nossa queda é menos
intensa que nos países onde as empresas têm mais facilidade para contratar e
demitir. E o desemprego estrutural é mais alto. Economistas estimam em mais de
9% a desocupação natural da força de trabalho. Isso significa que, se a taxa
cair abaixo disso, a economia estará superaquecida, com pressão constante por
salários mais altos, maior demanda, portanto mais inflação.
Reduzir essa taxa natural de desemprego não
inflacionária ao patamar dos países mais desenvolvidos é o principal desafio do
mercado de trabalho brasileiro. A receita para isso é conhecida: é preciso
reduzir o custo de empregar, por meio de uma legislação trabalhista mais
flexível, e qualificar a mão de obra para ocupar as posições de maior
produtividade e maior valor no mercado.
Não existe mágica em economia. Enquanto o
país tiver uma legislação engessada e a força de trabalho sem a formação
necessária para atividades que gerem mais riqueza, o Brasil continuará refém da
informalidade, com desemprego estrutural altíssimo e distante do grupo dos
países mais avançados da OCDE, a que tanto almeja pertencer.
Governo fluminense acerta ao adotar câmeras
para monitorar a polícia
O Globo
É bem-vindo o anúncio do governador
fluminense, Cláudio Castro (PL), sobre o uso de câmeras nos uniformes de
agentes de segurança a partir deste final de ano. Os aparelhos gravarão 12
horas sem interrupção. As imagens de ações corriqueiras ficarão armazenadas por
60 dias. As de incursões complexas, por até um ano. No primeiro momento, só
parte da força usará as câmeras. A decisão é consequência de uma lei aprovada
em maio na Alerj. Viaturas da Polícia Militar já tiveram equipamentos de
filmagem entre 2013 e 2017. Com o tempo, deixaram de funcionar e não foram
trocados.
Se usado com rigor e transparência, esse é
um instrumento que pode: 1) ajudar bons policiais com evidências contra
suspeitos ou criminosos que reagem com violência quando abordados; 2) ajudar
instâncias e órgãos de fiscalização a punir maus policiais, que abusam da força
ou até matam suspeitos desarmados; 3) ajudar departamentos responsáveis pelo
treinamento das forças policiais a reforçar boas práticas e a identificar
procedimentos que precisam ser melhorados. É esperado que as câmeras sejam
decisivas para tirar o Rio dos primeiros lugares no ranking das polícias que
mais matam no país (ao lado de Amapá, Goiás, Sergipe e Bahia). Basta lembrar o
impacto da filmagem do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos em 2020.
Pesquisas sobre os efeitos em outros países
e estados comprovam duas tendências opostas. A reação nefasta é a resistência
de policiais, que tentam burlar a tomada de imagens ou pressionar para que as
instâncias responsáveis não as usem para punições. Caso o governo deixe de
adotar medidas para evitar isso, o investimento será jogado no lixo. A reação
benévola é justamente a contrária. Cientes de que as imagens serão usadas
contra maus comportamentos, policiais violentos ou assassinos mudam sua
conduta.
Santa Catarina decidiu pelo uso de câmeras
em parte da Polícia Militar em 2019. Foi o primeiro estado no país a fazer
isso. Estudo liderado por Thiemo Fetzer, da universidade britânica de Warwick,
publicado em setembro, mostra que houve redução de até 61% no uso de força
pelos agentes, principalmente por policiais mais novos, melhora na qualidade
dos dados reportados e maior produção de boletins de ocorrência. Em São Paulo,
terceiro estado a seguir esse caminho (o segundo foi Rondônia), 500 câmeras
foram adotadas em 2020, outras 2.500 em 2021. Foi um dos fatores que ajudaram a
reduzir em 6,1% as mortes decorrentes de intervenção policial em 2020. Nos
primeiros dez meses de 2021, houve queda mais expressiva, de 30%, na comparação
com o período do ano anterior, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O Rio tem obtido queda consistente nos índices de homicídio nos últimos anos. Se souber aproveitar as câmeras para reduzir a letalidade da polícia, dará outro salto no combate à violência.
Dominado pelo Centrão, Legislativo perde
prestígio
Valor Econômico
O orçamento tornou-se aquilo que os grupos
que dominam o Congresso querem que ele seja
A avaliação do governo de Jair Bolsonaro
foi de mal a pior até o fim do ano e a do Congresso, sob o comando de seu
aliado, o deputado Arthur Lira (PP-PI), na Câmara dos Deputados, e de Rodrigo
Pacheco, no Senado, foi apenas um pouco menos ruim. O Senado ainda fez
contraponto vital às aprovações à jato de Lira, nem sempre fiéis ao regimento
interno. Barrou, por exemplo, reforma torta da tributação apresentada pelo
ministro Paulo Guedes, e talvez a tenha sepultado de vez. No entanto, para o
público, os congressistas só se preocupam com eles mesmos e esta percepção,
ainda que imprecisa, tem uma acachapante base factual.
Pesquisa Datafolha (13 a 16-12) indicou que
apenas 10% dos entrevistados classificam o trabalho do Congresso de ótimo ou
bom (inferior à nota de Bolsonaro) e 41% o consideram francamente ruim ou
péssimo. Ainda que a avaliação positiva tenha superado só uma vez a negativa
(em 2003), o julgamento público piorou no decorrer da atual legislatura,
especialmente no final. Não por acaso foi quando vieram à tona o escândalo das
emendas secretas, que talvez tenham revelado mais uma vez como e com que
finalidade o processo orçamentário é manipulado para fins particulares e
deixado, há algum tempo, de ser público.
A atual legislatura é pior que a anterior,
e não por falta de renovação - menos da metade dos deputados da anterior foram
reeleitos. Um dos problemas foi que os novos deputados eram em boa parte
bolsonaristas radicais e representantes do Centrão, denominação para um monte
de legendas que não tem princípios e, na maior parte do tempo, só interesses.
Na maior parte do tempo nas últimas três
décadas o Executivo conduziu, aos trancos e barrancos, o Congresso em direção a
interesses que coincidiram muitas vezes com os da população. A fragmentação
partidária em legendas inexpressivas de aluguel complicou essa tarefa, até que
a primeira investida ao orçamento foi bem-sucedida em 2015. De lá para cá o
Congresso ampliou emendas e seu valores e, com Bolsonaro, atingiu seu nirvana.
O presidente entregou a coordenação política a Ciro Nogueira (PP-PI). Ao lado
de Lira, com seus golpes de mão na Câmara, e de legendas que têm crescido ao
longo do tempo, como o PL do mensaleiro Valdemar Costa Neto (PL, ao qual Bolsonaro
se afiliou), produziram a fina flor do toma lá-dá cá: uma versão secreta. O STF
impediu a continuidade da farsa, até pelo menos que o Centrão descubra novos
subterfúgios.
O orçamento é a peça vital de um governo:
permite que os projetos de governos eleitos se tornem viáveis. Como Bolsonaro
não só parece interessado em causar tumultos e em sua reeleição, o orçamento
tornou-se aquilo que os grupos que dominam o Congresso querem que ele seja.
O teto de gastos foi uma tentativa, ainda
que defeituosa, de quebrar um vício anterior: a superestimação de receitas pelo
Congresso, que permitia aumentar as despesas sem lastro. O teto, ao indexar as
despesas, tornou inútil inflar receitas. Mas não resistiu a um ataque
concentrado do Centrão com apoio do presidente e do ministro da Economia. Antes
de ser furado, a Câmara já havia tentado uma saída que nada tinha de criativa e
muito de desfaçatez - o corte de despesas obrigatórias. Para garantir o
presidente no cargo, vieram depois as emendas clandestinas do relator,
distribuídas pela Casa Civil e a elite do Centrão e partidos que apoiam o
governo.
PP, PL, PSD, as principais legendas do
grupo, sempre estiveram menos preocupadas em chegar ao poder do que em aumentar
suas bancadas no Legislativo, que decide o destino de verbas públicas. Tiveram
sucesso na empreitada, e com a guinada conservadora, marcada pela chegada de
Bolsonaro ao poder, possivelmente terão representação maior na próxima
legislatura. O orçamento saiu do controle do Executivo, o que é uma enorme dor de
cabeça para o próximo presidente, seja ele quem for.
A representação política tornou-se um
enorme problema. Não basta pedir aos eleitores que escolham bem seus candidatos
porque máquinas partidárias sem princípios dominam a oferta - que é péssima e
em grande quantidade, atraindo uma leva de aventureiros e oportunistas, sem o
menor espírito público. A diminuição do número de partidos, pela cláusula de
barreira, é um princípio tímido para corrigir os desvios, embora lenta e
sujeita a retrocessos - sendo o Congresso o que tem sido.
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