O Globo
O surgimento de criaturas exóticas em
eleições nas últimas décadas tem se tornado tão rápido quanto o de variantes do
novo coronavírus.
Esses transgênicos que aparecem a cada
quatro anos podem resultar ou não em vitórias nas urnas, mas geralmente são
renegados por seus doutores Frankenstein logo em seguida ao experimento.
Lulécio, Bolsodoria, Dilmasia, as
combinações políticas são tão desprovidas de sentido quanto o resultado
linguístico das aproximações.
Agora, quando começam a esquentar as
especulações para 2022, um novo ser de proveta vai sendo gestado: o Lulalckmin.
Representantes do que pode haver de mais
distante no pensamento político e nas práticas de governo nas últimas décadas, o
ex-presidente Lula e o ex-governador de São Paulo pelo PSDB Geraldo Alckmin
ensaiam uma chapa presidencial.
O que pegou muitos aliados de ambos de
surpresa vai avançando à base de muito constrangimento e desculpa dos dois
lados para negar o passado de pesadas críticas recíprocas e até o confronto
direto entre ambos na campanha de 2006.
Na ocasião, Alckmin sentou a pua na corrupção petista revelada um ano antes nos escândalos do mensalão, da casa do lobby de Palocci e dos aloprados com dinheiro vivo em sacos para atingir José Serra — tucano como o próprio Alckmin.
Do lado de lá, sob a batuta de João
Santana, que estreava no comando do marketing petista, Lula dizia que Alckmin
acabaria com o Bolsa Família se eleito e, num programa de TV, mostrava o mapa
do Brasil como um tabuleiro de Banco Imobiliário, em que as empresas públicas
iam sumindo, numa simulação do que seria a volta do PSDB ao poder.
O ataque levou Alckmin ao mico de aparecer
com uma jaqueta e um boné com os logotipos do Banco do Brasil, da Caixa, dos
Correios e de outras estatais para negar que fosse vendê-las.
Um desejo maior, de combater a ameaça de
reeleição de Jair Bolsonaro, justifica que se passe uma borracha no passado?
Pode ser. Resta saber se essa justificativa é a real mola propulsora das
conversas e se o eleitorado de ambos vai engolir essa junção de última hora.
Alckmin tem se mostrado movido por um
desejo de vingança em relação ao PSDB e a seu sucessor, João Doria. Para dar
vazão a isso, seu plano A era voltar a disputar o governo de São Paulo, depois
de ter sido derrotado em casa em 2018.
O flerte com Lula lhe dá a chance de sonhar
de novo com Brasília, ainda que aceitando trocar o Alvorada pelo Jaburu,
residência oficial do vice, e mantém acesa a chama da revanche, uma vez que
Doria é um potencial candidato no ano que vem.
Lula, por sua vez, sabe que um vice que o
aproxime do centro e até de uma parcela do eleitorado conservador é importante
numa eleição que pode contar com nomes desse campo, como Bolsonaro, Sergio Moro
e Doria.
Mas o eleitor petista — e, antes dele, a
máquina do partido — topará que se estenda um tapete vermelho a um adversário
histórico em nome desse pragmatismo?
Isso parece menos problemático que imaginar
que o eleitor conservador do interior paulista (praticamente o espólio que
restou a Alckmin), onde ainda impera o antipetismo, vá votar em Lula porque o
ex-tucano é seu companheiro de chapa.
O raciocínio segundo o qual essas criaturas
de laboratório da política agregam num passe de mágica os eleitores dos dois lados
deixa de lado o discernimento do eleitor e sua ojeriza a arranjos que parecem
(e são) fake.
O casamento entre Dilma Rousseff e Michel
Temer, outra dessas composições, até durou bastante. Afinal, naquela época,
tudo que Lula tocasse virava ouro. Mas terminou da forma como acabou, com os
petistas bradando “golpe” até hoje, justamente porque não era algo orgânico,
baseado em princípios comuns e sólidos.
Lulalckmin, na proveta, parece uma ideia
genial de tão improvável. Na prática, ainda precisa passar na prova das ruas e
pelo crivo dos caciques. Não é pouca coisa.
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