segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Mirtes Cordeiro*: Exclusão escolar cresce na pandemia

Nenhuma criança, nenhum aluno, nenhum professor ou professora é responsável pela delinquência praticada por determinados governantes em nosso país

No dia Internacional da Educação, 24 de janeiro, relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que, no mundo inteiro, crianças e adolescentes foram prejudicadas com o avanço da pandemia por dois anos e pelo fechamento das escolas, o que resultará que no mundo inteiro uma geração será afetada, com recuo no seu desenvolvimento.

No Brasil, a situação é muito mais complicada, porque já tentávamos de várias formas diminuir os efeitos nocivos de uma educação que não tem sido abrigo para parte considerável das crianças e, portanto, não consegue estruturar um bom caminho para a aprendizagem.

Estudo apresentado em documento do Unicef intitulado Cenário da Exclusão Escolar no Brasil nada mais é do que um alerta às autoridades e à sociedade sobre a situação da educação neste momento de pandemia.

Dados mostram que de 2016 a 2019 havia um crescimento do acesso de crianças e adolescentes de quatro a 17 anos à escola.

Por exemplo, segundo o documento, a exclusão escolar afetava principalmente quem já vivia em situação mais vulnerável. “A maioria fora da escola era composta por pretas(os), pardas(os) e indígenas. Proporcionalmente, a exclusão afetava mais as regiões norte e centro-oeste. E, de cada dez crianças e adolescentes fora da escola, seis viviam em famílias com renda familiar per capita de até ½ salário mínimo. A desigualdade social presente em nossa sociedade se reproduzia ao olhar para a exclusão escola”.

Bruno Carazza*: Disseram que eles não vinham, olhem eles aí

Valor Econômico

Com morte da Lava- Jato, velha guarda quer voltar a Brasília

No primeiro episódio do podcast “Minuto Roraima”, você fica sabendo como milhares de pessoas que trabalharam nos ex-territórios de Roraima, Rondônia e Amapá foram transformados em servidores públicos federais. Na sequência, conhece a história da Polícia Militar do Estado, e de como uma lei aprovada pelo Congresso em 2016 equiparou seus soldos com os do Distrito Federal, os maiores do país. No último programa, são apresentadas as políticas sociais e de transferência de renda da prefeitura da capital, Boa Vista.

O apresentador do podcast se diz responsável por todas essas benesses. Sumido dos holofotes desde o final de 2018, ele ressurge com a imagem renovada, tentando explorar as mídias modernas (está também no YouTube e nas principais redes sociais). Até o famoso bigode foi abandonado.

Alex Ribeiro: O Brasil sobrevive à alta de juros pelo Fed?

Valor Econômico

Selic de dois dígitos protege, mas não deixa país imune

O presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, não excluiu nenhuma possibilidade no combate à inflação muito alta que assola os Estados Unidos. Pode subir os juros em 0,25 ponto percentual nas sete reuniões do seu comitê de política monetária previstas para este ano e até lançar mão de movimentos mais fortes, de 0,5 ponto percentual. O Brasil vai sobreviver ao solavanco?

Os primeiros dias após a reunião do Fed, que ocorreu na quarta-feira passada, foram relativamente positivos. A bolsa subiu na semana, embora tenha oscilado um bocado. E a cotação do dólar caiu, fechando a R$ 5,39. Em parte, isso se deve à realocação de investimentos, que deixaram ações nos Estados Unidos, sobretudo de tecnologia, e foram para os emergentes, inclusive Brasil.

Denis Lerrer Rosenfield*: Apodrecimento político

O Estado de S. Paulo

Houve uma completa evacuação das noções de bem coletivo e de colocação dos verdadeiros problemas do País

A tessitura política brasileira tem hoje laços tênues com a arte de governar. Instalouse um desgoverno, voltado apenas para a reeleição do atual titular e para a defesa dos grupos encastelados no Poder. Os privilégios dos mais diferentes tipos são mantidos e, mesmo, fortalecidos, enquanto o País padece do desemprego, da ausência de expectativas, da baixa renda e da miséria visível nas ruas. A narrativa presidencial e governamental, procurando velar o que acontece, se compadece na criação de fatos midiáticos, quando não fantasiosos, de modo que a discussão se faça dentro de uma bolha artificialmente criada e propagandeada pelas redes sociais “amigas”.

Vacinas e campanhas de vacinação não deveriam, a rigor, ser objeto de discussão, salvo evidentemente as científicas, segundo seus critérios e protocolos. Aliás, o ambiente da sociedade é particularmente propício para que isto aconteça, visto que há adesão maciça da população à vacina, apesar de todas as tentativas governamentais para desacreditá-la. Vacinar não é um problema, salvo para pessoas em postos de comando que tergiversam sobre tudo, inclusive sobre a verdade. Mentiras ganham corpo no espaço público, produzindo o estilhaçamento do bem coletivo. O presidente empenha-se contra a vacinação de crianças, chegando inclusive a dizer que crianças não morreram devido à covid, quando os números oficiais remontam a mais de 300, uma enormidade. Isto é insano!

Marcus André Melo*: Presidente 'anormal'

Folha de S. Paulo

A volta do pessimismo na ciência política brasileira

Barry Ames, um dos maiores comparativistas da ciência política atual, fez o mais contundente diagnóstico sobre nossas instituições políticas. Mesmo lideranças hábeis e de grande competência não resistem a sua disfuncionalidade. Ames cita o historiador marxista britânico Perry Anderson, para quem FHC "podia ser considerado o chefe de Estado intelectualmente mais preparado da atualidade", e, em 2001, se perguntava: "Imagine-se o que teria de enfrentar um presidente mais ‘normal’?".

Ames referia-se a malogros na área da educação, previdência social e tributação, que não se deveram à resistência programática da oposição, e tinham apoio nominalmente majoritário. Pesquisando o Brasil, desde a década de 70, foi pioneiro em utilizar métodos quantitativos para investigar o sistema partidário, regras eleitorais e o Orçamento.

Celso Rocha de Barros: Olavo de Carvalho (1947-2022)

Folha de S. Paulo

Escritor morreu depois de anos ensinando a direita brasileira a desconfiar da democracia

Em um dado momento da vida, Olavo de Carvalho resolveu ir morar no lado burro da cultura ocidental. Tornou-se politicamente influente quando o Brasil se tornou seu vizinho.

Se Olavo de Carvalho tivesse morrido, digamos, em 2001, talvez tivesse entrado para a história como um agitador cultural de certo interesse. Já tinha defeitos seríssimos, mas formou alguns alunos bons, que depois abandonaram seu grupo. Divulgava autores conservadores que podem ter sido importantes para os jovens conservadores dos anos 90. Escrevia bem.

No começo dos anos 2000, Lula foi eleito presidente e Olavo foi morar nos Estados Unidos, em circunstâncias estranhíssimas. A partir daí, sua inserção no debate brasileiro muda. Conforme o PT se fortalece, aumenta a demanda por ideias que descrevessem o PT como um participante ilegítimo da democracia brasileira (um braço do Foro de São Paulo, por exemplo). E Olavo adquire o repertório do conspiracionismo reacionário americano, que exacerba seus piores defeitos.

Ana Cristina Rosa: A banalização da mentira

Folha de S. Paulo

Já se perguntou o quanto um ato corriqueiro pode estar impregnado de vilania e perversidade?

Já se perguntou o quanto um ato corriqueiro pode estar impregnado de vilania e perversidade? Em meio ao agravamento da pandemia no Brasil, não bastasse a ausência de uma campanha oficial de esclarecimento, um empresário gaúcho resolveu pagar para prestar um desserviço público. Colocou dois carros de som a fazer propaganda antivacinação infantil contra a Covid em Novo Hamburgo.

Dos alto-falantes, ouvia-se: "Atenção, pais. Nós todos temos o dever de saber que não é obrigatória a vacina experimental em nossos filhos. (...) E os fabricantes não garantem a eficácia (...). A escolha é sua, pai!". Mentiras deslavadas.

Fernando Gabeira: Quimicamente insustentável

O Globo

Em sintonia com a ciência, estamos focados no aquecimento global. Mas o planeta está sendo atacado em outros flancos. É bom saber, para efeito de sobrevivência. Um estudo realizado pelo Centro de Resiliência de Estocolmo concluiu que a poluição química passou dos limites. A produção aumentou 50 vezes nos últimos 50 anos e deve aumentar na mesma quantidade até 2050.

Tive notícia desse estudo no blog Mar sem Fim, de João Lara Mesquita. Mas ele foi publicado também na revista Environmental Science & Technology.

O que significa passar dos limites? O espaço operacional foi ultrapassado, superando a capacidade global de avaliação e monitoramento dos resíduos químicos.

Essa é uma história longa. O jornal inglês The Guardian falou sobre o perigo que os pesticidas produzem ao atingir insetos não alvos e desequilibrar o ambiente. Lá atrás, houve um livro seminal chamado “A primavera silenciosa”. Sua autora, Rachel Carson, abordou o tema do excesso de defensivos, no caso o DDT, por um ângulo extraordinário: a desaparição dos pássaros.

Miguel de Almeida: O genro, o bispo e o Rei James

O Globo

Numa noite perdida no tempo, em plena ditadura, estava numa casa de reggae com Júlio Barroso, ainda antes de ele criar o seminal grupo Gang 90 & As Absurdettes, quando a polícia entrou jogando cadeiras para o alto.

Era comum naquele período os camburões levarem para a delegacia, por puro sadismo, os artistas e sua plateia. Perda de tempo total, porque entre aquele povo, embora todos de oposição aos milicos, não havia qualquer tipo mais perigoso à ordem do regime. Nosso recurso era o deboche.

Em fila, naquela noite, os policiais faziam perguntas aos frequentadores da casa. Ao chegar a vez de Júlio Barroso, o policial, que deveria ter uns 30 anos, perguntou do nada:

— Você é comunista?

— Não, sou jornalista.

A gargalhada estourou na casa de reggae do baixo Pompeia, e a batida policial foi desmoralizada, porque logo se ouviram gritos de autoconfissões:

— Não sou comunista! Sou dentista.

— E eu sou balconista!

Partido Socialista vence eleição em Portugal e conquista maioria absoluta no Parlamento

O Globo

O Partido Socialista (PS), do primeiro-ministro António Costa, teve uma vitória contundente nas eleições gerais deste domingo em Portugal, obtendo quase 42% dos votos, mais do que o previsto nas pesquisas pré-eleitorais. O PS, que comanda o governo desde 2015, alcançou agora a maioria absoluta dos deputados na Assembleia da República, com ao menos 117 das 230 cadeiras legislativas.

O Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita e principal sigla da oposição, ficou com quase 28% dos votos e fez ao menos 71 cadeiras. As eleições também foram marcadas pelo avanço do partido de extrema direita Chega, que teve a terceira maior votação, com 7% dos votos, e pelo recuo das siglas à esquerda do PS, como o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP).

As eleições, antes previstas para 2023, foram antecipadas após o governo de Costa fracassar na aprovação do Orçamento de 2022, em outubro do ano passado.

— Esta noite é muito especial para mim. Depois de seis anos de exercício de funções como primeiro-ministro, depois dos últimos dois anos num combate sem precedentes contra uma pandemia, é com muita emoção que assumo esta responsabilidade que os portugueses me confiaram — disse António Costa. — Foi uma vitória da humildade, da confiança e pela estabilidade.

O premier comemorou a maioria absoluta para o PS:

— Uma maioria absoluta não é o poder absoluto. Não é governar sozinho. É uma responsabilidade acrescida.

Em setembro, antes da convocação das eleições, o PS sofreu uma dura derrota ao perder o comando da prefeitura de Lisboa depois de um domínio de 14 anos, um resultado considerado “frustrante” por Costa. Na semana passada, na reta final de campanha, pesquisas chegaram a apontar o PSD à frente, mas a tendência não se confirmou.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É positiva ideia de diversificar fontes de energia elétrica

O Globo

Investimentos na produção de energia elétrica costumam ser altos, exigir planejamento minucioso e demandar bastante tempo para entrar em funcionamento. Não é por outra razão que são sempre esperados com expectativa os relatórios do Plano Decenal de Energia, preparados pela Empresa de Pesquisa Energética, órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia.

Neles são traçados os cenários de demanda futura e as necessidades de expansão. Como demonstraram as repetidas crises de suprimento dos últimos anos, esse é um tema de amplo interesse. É importante para empresários preocupados com a produção e custos, para ambientalistas atentos aos impactos ambientais e também para o cidadão comum, muitas vezes surpreendido por contas de luz mais caras.

O último relatório, o que contém o planejamento até 2031, entrou em consulta pública na segunda-feira, 24. Um amplo debate do setor se faz necessário para apontar possíveis erros de avaliação, mas já é possível dizer que ele traz algumas boas novas. A principal é reconhecer que o país não pode ficar à mercê de repetidos sobressaltos, sempre na eminência de apagões e racionamentos. Os técnicos da Empresa de Pesquisa Energética parecem ter se dado conta de que é preciso dar uma atenção redobrada aos riscos impostos pelo aquecimento global.

A fonte hídrica responde por cerca de 62% da capacidade instalada de geração. Entre outubro de 2020 e setembro de 2021, os reservatórios das hidrelétricas registraram os níveis mais críticos em 91 anos. Nesse período de um ano, 9 meses ficaram entre os piores de todo o histórico. Foi um caso extremo, mas não isolado de estiagem. Há oito anos os reservatórios têm ficado com água abaixo da média. É possível que esteja em curso uma mudança no regime de chuvas. Como demonstram os casos recentes da Bahia e Minas Gerais, períodos de escassez hídrica seguidos de eventos extremos de temporais podem se consolidar como o novo normal.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: O vento no canavial

Não se vê no canavial
nenhuma planta com nome,
nenhuma planta maria,
planta com nome de homem.

É anônimo o canavial,
sem feições, como a campina;
é como um mar sem navios,
papel em branco de escrita.

É como um grande lençol
sem dobras e sem bainha;
penugem de moça ao sol,
roupa lavada estendida.

Música | Coral Edgard Moraes e Getúlio Cavalcanti - O bom Sebastião

 

domingo, 30 de janeiro de 2022

Thiago Prado: O nó eleitoral da terceira via

O Globo

Um fato inédito nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência desde a redemocratização indica o tamanho da dificuldade que a terceira via terá para romper a polarização entre Lula e Jair Bolsonaro: é a primeira vez em oito eleições que o líder e o segundo colocado chegam ao ano da disputa escolhidos por metade da população no chamado voto espontâneo, aquele em que o entrevistado diz quem prefere sem ser apresentado a nenhum nome previamente.

Na sua última pesquisa, em dezembro, o Datafolha aferiu que Lula tem 32% das intenções de voto contra 18% de Bolsonaro nesse item do questionário. A pergunta espontânea sempre precede a estimulada, quando o eleitor aponta o seu preferido vendo uma cartela com os nomes dos candidatos. A soma de 50% dos índices do petista e do presidente está entre 20 e 30 pontos percentuais acima do total alcançado pelos três mais bem colocados nas corridas ao Planalto de 1989 até hoje. “É um sinal de voto cristalizado de ambos. Tem que acontecer algo muito forte na opinião pública para o cenário se alterar”, afirma Mauro Paulino, diretor do Datafolha.

Os dados foram analisados levando em conta sempre a primeira pesquisa do instituto em ano de eleição presidencial e os seus resultados na pergunta espontânea. No Datafolha inaugural da disputa pós-ditadura, Leonel Brizola marcou 9% das intenções de voto; Fernando Collor, 8%; e Lula, 6% (23% somados). Em 1994, antes do início do Plano Real, Lula teve 20%; FH, 7%; e Brizola, 3% (30% somados). Quatro anos depois, FH foi citado por 19% ; Lula, 7%; e Itamar Franco, que sequer concorreu, por 2% (28% somados).

Elio Gaspari: O Trem-Bala morreu, mas sua estatal vive

O Globo

A repórter Amanda Pupo revelou que a Valec e a Empresa de Planejamento e Logística, a EPL, deverão sobreviver à tentativa do ministro Paulo Guedes de fechá-las. Ambas nasceram em torno do Trem-Bala que ligaria o Rio a São Paulo, um sonho de Lula e de Dilma Rousseff, que estaria rodando para atender às torcidas da Copa de 2014. Uma, a Valec, abrigava o projeto; a outra, a EPL, abrigou seus destroços.

A sobrevivência dessas estatais mostra que, como o Fantasma das Selvas, elas são imortais. Do Trem-Bala já não se fala, mas a Valec e a EPL seriam necessárias, para ajudar, como consultoras, no desenho da política de transportes nacional. Em tese, reeditariam o falecido Grupo Executivo de Integração da Política de Transporte, o Geipot, criado em 1965 e extinto em 2008. Na prática, corre-se o risco de criar uma porta giratória.

O Geipot definiu a política de transportes nacional numa época em que predominava a balbúrdia. O czar da economia, Roberto Campos, pôs lá cabeças de primeira que arrumaram a casa, ocupando poucos andares no Centro do Rio. A partir de 1967, ele começou a desandar e, quando acabou, não houve choro nem vela. Em 2022, a máquina federal tem (ou deveria ter) instrumentos para cuidar do planejamento de rodovias, ferrovias e portos. Não precisa de mais uma camada burocrática.

Luiz Carlos Azedo: Inflação dos EUA terá impacto na nossa economia e nas eleições

Correio Braziliense / Estado de Minas

Uma das características de Bolsonaro é sua dificuldade de lidar com as novas contingências de seu governo. Foi eleito muito mais pela sorte do que por suas virtudes

A inflação nos Estados Unidos terá grande impacto na economia brasileira até as eleições, complicando ainda mais a vida do presidente Jair Bolsonaro. Mas não é um problema somente do governo atual. Quem vencer o pleito, terá que lidar com uma nova realidade, que põe em xeque estratégias tradicionais de retomada do crescimento.

Vamos por partes. No ano passado, a inflação norte-americana chegou a 7%, o maior nível desde 1982, segundo o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês). Por essa razão, analistas econômicos estão prevendo quatro aumentos trimestrais na taxa de juros, com base em declarações do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell. Durante a pandemia, a taxa esteve próxima de zero.

A principal causa da alta de preços nos Estados Unidos não difere muito do que ocorre no Brasil e em outros países: a elevação dos custos de produção devido ao encarecimento dos insumos básicos, principalmente o petróleo, que bateu os US$ 80 o barril. Outras causas são o estrangulamento logístico causado pela crise sanitária mundial, agora agravada pela rápida propagação da variante ômicron da covid-19; a escassez de mão de obra, que joga os salários para cima; e o aquecimento da economia com uma política da expansão fiscal, na qual o governo distribuiu vouchers à população e comprou títulos públicos, para injetar dinheiro no mercado.

Hélio Schwartsman: Para que serve a razão?

Folha de S. Paulo

Somos melhores em apontar erros nos raciocínios dos outros do que nos nossos e, por isso, em sociedade, somos capazes de avançar

Segundo uma concepção meio caricatural do Iluminismo, a razão levaria à emancipação do ser humano. Se fôssemos capazes de controlar as emoções e nos guiar apenas pela razão, descobriríamos mais verdades da ciência e encontraríamos as melhores soluções para nossos problemas sociais. Essa concepção está errada de várias formas. A razão não é o contraponto virtuoso das emoções e não leva automaticamente a respostas. Nossos raciocínios são marcados por tantos erros e vieses que fica uma suspeita no ar. Há um intenso debate entre cientistas cognitivos sobre o alcance e o papel da razão.

Um modelo de que gosto bastante é o proposto por Hugo Mercier e Dan Sperber. Para a dupla, a razão evoluiu para o propósito não muito enaltecedor de nos fazer vencer debates e justificar nossas próprias atitudes. É o que explica, por exemplo, a ubiquidade do viés de confirmação, que nos faz encontrar e abraçar rapidamente as evidências em favor de nossas teses e descartar sem exame as contrárias. Essa é uma péssima prática se o objetivo da razão é chegar à verdade, mas muito boa se a meta é só brilhar diante dos pares.

Bruno Boghossian: Um crime em cima do outro

Folha de S. Paulo

Presidente se especializou em desrespeitar a lei para obter ganhos políticos

A Polícia Federal acrescentou mais um crime à ficha de Jair Bolsonaro. A delegada Denisse Ribeiro afirma que o presidente participou, em agosto passado, do vazamento de um inquérito sobre a invasão de sistemas do Tribunal Superior Eleitoral. Além dele, foram enquadrados o deputado Filipe Barros e um ajudante de ordens do Planalto.

O episódio desenhou mais uma peça da máquina de infrações montada pelo presidente e seus aliados. Segundo a polícia, Barros usou o posto de relator da PEC do voto impresso para pedir acesso à papelada sobre o ataque feito ao TSE em 2018. Em seguida, Bolsonaro e o deputado divulgaram numa rádio o conteúdo do inquérito sigiloso.

Janio de Freitas: As eleições armadas

Folha de S. Paulo

Descaso com ações de Bolsonaro para armamento é ameaçador para o futuro

O incompreensível descaso com as medidas de Bolsonaro para armar parte da população, sendo tantas as implicações nocivas daí advindas, é tão ameaçador para o futuro próximo quanto a própria ação armadora de Bolsonaro.

Recente descoberta no Rio indica que armas de combate, modernas e caríssimas, estão entrando em alta quantidade e tomando destinos imprecisos. Chegam em importações dadas como legais, amparadas nos atos a respeito, repletos de lacunas, emitidos por Bolsonaro.

Com permissões para colecionadores, atiradores e outros, um casal jovem importava lotes volumosos de armas, dezenas de fuzis modernos e ainda metralhadoras, pistolas, revólveres e projéteis aos muitos milhares. Dispensadas, agora, as autorizações e a vigilância do Exército. O casal associava operações em Goiás e no Rio, onde foi localizada uma casa cheia de armas em bairro residencial.

As alternativas permitidas pelas liberações de Bolsonaro são tantas —registros pessoais e comerciais sem limite, importações sucessivas, inexistência de fiscalização, entre outras— que um só operador pode armar para combate todo um contingente. É o que está acontecendo. Com quantidades ignoradas de importadores, de armas, munições e de financiadores. Certo é não haver motivo, muito ao contrário, para supor exclusividade do casal no fornecimento de armas bélicas.

Vinicius Torres Freire: A inflação que salva

Folha de S. Paulo

Capitão da extrema direita foi muito tolerado até a carestia fazer estrago crítico na popularidade

Um fato notável dos anos Jair Bolsonaro é que ele foi tolerado; que sua popularidade tenha chegado a uma situação crítica em boa parte por motivos que teriam prejudicado até um governante que não fosse tão incapaz, imbecil e cruel.

Isso dá o que pensar a respeito dos riscos que o país corre daqui até a eleição e depois. Em condições menos azaradas, haveria mais gente, na massa e ainda mais na elite, disposta a apoiar a tirania.

Bolsonaro não foi nem ao menos processado. É ainda menor a chance de ser condenado. O criminoso mais contumaz da República, com exceção talvez de generais-ditadores, foi agasalhado pelo sistema político e pela maior parte das elites econômicas. Tem sido apenas toureado pelo Supremo.

Antonio Claudio Mariz de Oliveira e Fábio Tofic Simantob*: O vale-tudo no combate à impunidade

O Estado de S. Paulo

O presidente do STF passou a ter poder de soltar e prender quem bem entende em território nacional

O somatório de premissas verdadeiras nem sempre conduz a uma conclusão válida. Este é o caso do artigo subscrito pelo procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Caso Kiss: condenação, prisão e atuação do STF, publicado no início de janeiro.

As premissas do artigo podem ser assim resumidas: as decisões do júri são soberanas, o pacote Anticrime introduziu a possibilidade da prisão logo após a condenação no júri, e seria, neste caso, uma afronta ao prestígio do Supremo Tribunal Federal (STF) submeter suas decisões a escrutínio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

A soberania das decisões do tribunal do júri decorre diretamente do princípio do double jeopardy do direito anglo-saxão: que nada mais é do que a garantia de que ninguém será levado a julgamento duas vezes pelo mesmo fato.

É uma garantia do réu, proteção de que, uma vez absolvido, não poderá ser julgado novamente. Não vale para a acusação.

O leitor, no entanto, arriscaria um palpite acerca de quem é o campeão dos recursos que anulam decisões do júri? Advogados renomados? Defensorias públicas? Não. O campeão é o Ministério Público. Recorre quase sempre. E muitas vezes ganha.

Causa estranheza o Ministério Público invocar agora uma soberania popular do júri em relação à qual raramente aceita se curvar.

Quanto ao “Pacote Anticrime”, tem razão o artigo ao dizer que a lei de 2019 criou a possibilidade de réus serem presos imediatamente após o júri, se a pena for igual ou superior a 15 anos. O respeitado articulista só esqueceu de informar que o STJ vem julgando sistematicamente pela inconstitucionalidade da regra, além de a própria lei prever a possibilidade de suspensão da prisão se, de plano, puder ser verificada a plausibilidade do recurso da defesa.

Alvaro Gribel: Pautas na volta do Congresso

O Globo

A PEC dos Combustíveis é o item prioritário na volta dos trabalhos do Congresso na próxima terça-feira. O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem dito a aliados que a ideia do fundo de estabilização está descartada, mas que haverá uma reunião de líderes esta semana para debater o assunto. No Senado, Rodrigo Pacheco também sinalizou que a discussão do projeto será inevitável, embora ninguém saiba ainda sobre qual texto trabalhar. Lira ainda pretende conversar com Pacheco sobre dar andamento à reforma tributária, buscando pontos de consenso entre as duas Casas, mas, por enquanto, o que está acordado no Senado é o início da tramitação da PEC 110, de relatoria do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), na CCJ, e não a reforma do Imposto de Renda, já aprovada na Câmara. Nos bastidores, entretanto, deputados e senadores só pensam nas eleições de outubro, o que dificultará a aprovação de qualquer reforma relevante este ano.

Dorrit Harazim: Memória, História

O Globo

George Orwell não ficara inteiramente satisfeito ao colocar um ponto final no manuscrito de “1984”. “O tema central é bom”, escreveu a seu agente literário em 1948, “mas a execução teria sido melhor se eu não estivesse às voltas com a tuberculose”. Foi internado num sanatório pouco depois da publicação do clássico, e morreu tísico aos 46 anos, consciente da importância do que escrevera. Na obra distópica, o protagonista Winston Smith aponta para o perigo maior daquele mundo totalitário descrito por Orwell, ultrapassando em horror a tortura e a morte: o Grande Irmão poderia se apossar do passado, da memória, da História. E decretar que este ou aquele evento jamais ocorrera.

No mundo não fictício de hoje não faltam candidatos a Grande Irmão — indivíduos, regimes, negacionistas doentios — tentados a se apossar do nosso passado para adequá-lo às próprias insânias. Só que, para poder reescrever a história dos mortos, esses agentes do esquecimento precisam conseguir cancelar a memória dos vivos. Nossa função é impedi-los. Daí a importância ardente de se homenagear, a cada 27 de janeiro, o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. É preciso relembrar, ano após ano, de geração em geração.

No brutal inverno europeu de janeiro de 1945, faltando poucos meses para a capitulação da Alemanha nazista frente às tropas Aliadas, o Exército Vermelho vindo da União Soviética avançara fundo Polônia adentro. Já haviam libertado Varsóvia e Cracóvia quando olheiros os informaram de que encontrariam algo escabroso a caminho de Oswiecim. Era Auschwitz. Ali encontraram 648 cadáveres, pilhas de cinzas que um dia tiveram formas humanas, e cerca de 7.500 esqueletos ainda com vida. Naquele 27 de janeiro, o Holocausto teve expostas suas primeiras entranhas.

Cacá Diegues: A utopia é aqui

O Globo

A versão de Darcy Ribeiro do povo brasileiro corresponde a um novo modo de ver esse país e a gente que o constrói

Existem várias maneiras de se falar de um país. Mas são poucos aqueles dos quais podemos falar falando de uma civilização especial, uma civilização original que eles por acaso representam. Nosso país começou a ser assim tratado com o Modernismo, um movimento antes de tudo literário e artístico que marcou o jeito de pensarmos sobre nós mesmos.

Mário e Oswald de Andrade, assim como Di Cavalcanti, Villa-Lobos, Jorge de Lima e alguns outros foram, a partir de 1922, marcos indiscutíveis de nossa história cultural. Eles apontaram para um outro modo de narrar nossa História, de ver nosso povo, de discutir seus valores. Como se estivéssemos construindo uma inédita civilização que serviria ao mundo num momento em que o mundo caminhava para se dividir entre formas igualmente autocráticas de pensá-lo. Nenhuma delas conveniente a nosso futuro de povo por nossa conta.

Cristovam Buarque*: Pátria negacionista

Blog do Noblat / Metrópoles

O Brasil atravessa um momento em que seu presidente e seu governo tomam decisões com base em ilusões

É assustador assistir as lideranças do atual governo negando a qualidade das vacinas criadas pela ciência e defendendo a qualidade de remédios sem qualquer comprovação científica. Mais grave, estas não são as únicas manifestações negacionistas do governo, do presidente, seus ministros e muitos de seus seguidores. Eles colocam crenças criadas por instigadores ideológicos como verdade, mesmo que a ciência mostre que são ideias falsas. Acreditam nas fake news, que eles criam. Uma estratégia de enganação que leva as pessoas e seus grupos sociais a negarem a realidade e com isto assustar a população. O Brasil atravessa um momento em que seu presidente e seu governo tomam decisões com base em ilusões que eles próprios criam. Aos poucos vão aumentando mortes e afundam o país.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Vacinação avança, mas índices são desiguais no país

O Globo

Depois de um início marcado por negligência na compra de imunizantes, incompetência no gerenciamento da crise e escassez de doses, a vacinação contra a Covid-19 no Brasil avançou, principalmente a partir do segundo semestre do ano passado, quando os estoques aumentaram. Pouco mais de um ano após o início da campanha, o país tem quase 80% de cidadãos imunizados com a primeira dose, cerca de 70% com o esquema vacinal completo e em torno de 20% com o reforço. A imunização infantil, apesar das barreiras criadas pelos arautos do atraso, está deslanchando. No entanto, esse panorama favorável esconde peculiaridades. Tal qual acontece em outras áreas, o Brasil é desigual também na vacinação.

Se há estados, como São Paulo, Piauí, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Ceará e Santa Catarina, que já vacinaram completamente mais de 70% de suas populações, há outros que se mantêm bem abaixo da média nacional, como Amapá (42%), Roraima (43%), Acre (50%), Maranhão (55%) e Amazonas (55%). Dentro dos estados, também há disparidades. Como mostrou reportagem do GLOBO, há cidades que vacinaram completamente apenas um em cada cinco moradores. De acordo com levantamento do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, os bolsões de não vacinados se concentram principalmente nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e no norte de Minas Gerais.

Poesia| João Cabral de Melo Neto: Volta a Pernambuco

A Benedito Coutinho

Contemplando a maré baixa

nos mangues de Tijipió

lembro a baía de Dublin

que daqui já me lembrou.

 

Em meio à bacia negra

desta maré quando em cio,

eis a Albufera, Valência,

onde o Recife surgiu.

 

As janelas do cais da Aurora,

olhos cumpridos, vadios,

incansáveis como em Chelsea

veem rio substituir rio,

 

e estas várzeas de Tiúma,

com seus estendais de cana,

vem devolver-me os trigais

de Guadalajara, Espanha.

 

(Culturas de folhas finas

e mais discreta presença,

lá como aqui, dos desertos

possuem a transparência,

 

e o canavial me devolve,

na luz de páramo puro,

um mar sem ilha, os trigais

onde senti Pernambuco.)

 

Mas as lajes da cidade

não me devolvem só uma,

nem foi uma só cidade

que me lembrou estas ruas.

 

As cidades se parecem

nas pedras do calçamento,

artérias iguais regando

faces de vário cimento,

 

por onde iguais procissões

do trabalho (sem ardor)

vão levar o seu produto

aos mercados do suor.

 

Todas lembram o Recife,

este em todas se situa,

em todas em que é um crime

para o povo estar na rua,

 

em todas em que este crime

– traço comum que surpreende –

pôs nódoas de vida humana

nas pedras do pavimento.