A Benedito Coutinho
Contemplando a maré baixa
nos mangues de Tijipió
lembro a baía de Dublin
que daqui já me lembrou.
Em meio à bacia negra
desta maré quando em cio,
eis a Albufera, Valência,
onde o Recife surgiu.
As janelas do cais da Aurora,
olhos cumpridos, vadios,
incansáveis como em Chelsea
veem rio substituir rio,
e estas várzeas de Tiúma,
com seus estendais de cana,
vem devolver-me os trigais
de Guadalajara, Espanha.
(Culturas de folhas finas
e mais discreta presença,
lá como aqui, dos desertos
possuem a transparência,
e o canavial me devolve,
na luz de páramo puro,
um mar sem ilha, os trigais
onde senti Pernambuco.)
Mas as lajes da cidade
não me devolvem só uma,
nem foi uma só cidade
que me lembrou estas ruas.
As cidades se parecem
nas pedras do calçamento,
artérias iguais regando
faces de vário cimento,
por onde iguais procissões
do trabalho (sem ardor)
vão levar o seu produto
aos mercados do suor.
Todas lembram o Recife,
este em todas se situa,
em todas em que é um crime
para o povo estar na rua,
em todas em que este crime
– traço comum que surpreende –
pôs nódoas de vida humana
nas pedras do pavimento.
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