O Globo
A repórter Amanda Pupo revelou que a Valec
e a Empresa de Planejamento e Logística, a EPL, deverão sobreviver à tentativa
do ministro Paulo Guedes de fechá-las. Ambas nasceram em torno do Trem-Bala que
ligaria o Rio a São Paulo, um sonho de Lula e de Dilma Rousseff, que estaria
rodando para atender às torcidas da Copa de 2014. Uma, a Valec, abrigava o
projeto; a outra, a EPL, abrigou seus destroços.
A sobrevivência dessas estatais mostra que,
como o Fantasma das Selvas, elas são imortais. Do Trem-Bala já não se fala, mas
a Valec e a EPL seriam necessárias, para ajudar, como consultoras, no desenho
da política de transportes nacional. Em tese, reeditariam o falecido Grupo
Executivo de Integração da Política de Transporte, o Geipot, criado em 1965 e
extinto em 2008. Na prática, corre-se o risco de criar uma porta giratória.
O Geipot definiu a política de transportes nacional numa época em que predominava a balbúrdia. O czar da economia, Roberto Campos, pôs lá cabeças de primeira que arrumaram a casa, ocupando poucos andares no Centro do Rio. A partir de 1967, ele começou a desandar e, quando acabou, não houve choro nem vela. Em 2022, a máquina federal tem (ou deveria ter) instrumentos para cuidar do planejamento de rodovias, ferrovias e portos. Não precisa de mais uma camada burocrática.
O Trem-Bala foi uma boa ideia. Ligaria o
Rio a São Paulo em poucas horas. Ela foi destruída pela inépcia e por
malandragens. Não teve estudo de viabilidade nem projeto, sequer grandes
empreiteiros interessados. Poderia custar US$ 15 bilhões. A Valec tornou-se um
feudo do eterno Valdemar Costa Neto. Seu presidente, conhecido como Doutor
Juquinha, passou uns dias na cadeia, e o sonho resultou apenas num litígio com
um empresário italiano. Graças ao BNDES e ao Tribunal de Contas da União, a
maluquice foi travada em 2011.
Em julho de 2012 o “Doutor Juquinha” (José
Francisco das Neves) passou alguns dias na cadeia. Costa Neto patrocinou seu
sucessor, no governo de Michel Temer.
A ideia do Trem-Bala já havia produzido uma
estatal, a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade, a ETAV.
Arquivado o trem, ela transmutou-se na Empresa de Planejamento e Logística, a
EPL. Desde o início, ela pretendia ser um novo Geipot.
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio
Gomes de Freitas, conhece essa história. Auditor da Controladoria-Geral da
União, ele comandou a faxina de 2012 como interventor no Departamento Nacional
de Infraestrutura de Transportes. Na ocasião, referindo-se à situação do DNIT, ele
disse: “O que fazem com ele é uma covardia”. Tinha menos servidores do que
precisava, para se dizer o mínimo. Tarcísio assumiu o ministério supondo que
fecharia a Valec e a EPL. Passaram-se três anos, não conseguiu fechá-las e
voltou ao ponto de partida, com o “novo Geipot”. Isso num governo que tem um
ministério da Infraestrutura e o DNIT. Haveria covardia maior?
Transformar a EPL em algo parecido com uma
empresa prestadora de serviços de consultoria de transportes cria o risco de se
criar uma porta giratória que nada herda do Geipot do tempo de Roberto Campos.
Paulo Guedes perdeu mais uma, na qual tinha
razão.
Cassações impróprias
Prosseguindo uma caça às bruxas disseminada
no mundo acadêmico, o procurador dos Direitos do Cidadão do Rio Grande do Sul, Enrico
Rodrigues de Freitas, recomendou à reitoria da Universidade Federal que casse
os títulos de doutores honoris causa concedidos no século passado aos
presidentes Costa e Silva e Emílio Médici.
Noves fora uma provável interferência na
autonomia universitária, trata-se de uma vindita histórica de gritante
parcialidade. Nenhum dos dois generais pediu à universidade que lhes desse o
título. Eles foram concedidos por professores titulares, interessados em
bajular os presidentes. A bem da verdade, tanto Costa e Silva como Médici nem
vaidosos eram.
(Meses depois de um evento na Federal do
Rio Grande do Sul, durante o qual discursou sobre a relatividade da democracia,
“suicidou-se” no hospital da base aérea de Canoas o estudante de engenharia da
UFRS Ary Abreu Lima da Rosa.)
Os dois generais governaram o país durante
a ditadura e nenhum dos dois moveu uma palha para abrir o regime. Os títulos
não deveriam ter sido dados, mas ao cassá-los, nada mais justo do que divulgar
os nomes dos professores que votaram pela concessão do mimo.
Cassações semelhantes já ocorreram na
Federal do Rio de Janeiro e na Unicamp, sempre livrando a cara dos bajuladores.
Expondo-se a memória de quem usou a universidade para bajular poderosos talvez
se evite a repetição das palhaçadas.
Metas ambientais
Comprometendo-se com a OCDE a reduzir o
desmatamento, Jair Bolsonaro criará a primeira meta do governo de seu sucessor.
Caso ele consiga a reeleição, contará outra
história.
Etiqueta
Magistrados que compõem corpos colegiados e
participam de sessões virtuais devem fazer uma caridade aos advogados que
defendem suas causas. Basta que prestem atenção a quem fala ou, pelo menos,
finjam que estão atentos.
A pandemia disseminou a conduta de doutores
que ligam seus computadores e ficam lendo, sabe-se lá o quê.
Fiesp
Depois de oito anos consecutivos de Paulo
Skaf na presidência da Fiesp, o mineiro Josué Gomes da Silva está na cadeira
sem disposição de repetir a marca.
Por temperamento e experiência empresarial,
olhará mais para o chão das fábricas do que para os tapetes do poder.
Boate Kiss
A defesa de um dos condenados pelas mortes
de 242 pessoas no incêndio da Boate Kiss, em 2013, achou boa ideia recorrer à
Corte Interamericana de Direitos Humanos contra a decisão do ministro Luiz Fux
que determinou o imediato cumprimento da sentença de primeira instância.
Gesto bonito para a plateia que discordou
da decisão de Fux. No mundo das coisas reais (como o incêndio), a iniciativa
poderá, em tese, resultar numa recomendação para que os condenados possam
recorrer em liberdade, sem qualquer efeito prático. A corte interamericana não
tem poder para obrigar o Judiciário brasileiro a soltar os presos, ainda bem.
Botticelli patrulhado
O pequeno quadro de Cristo pintado por
Sandro Botticelli em torno de 1500 foi vendido por US$ 45,4 milhões, um décimo
do que valeu o Salvator Mundi de Leonardo da Vinci e um quarto do que um
bilionário pagou pelo Retrato de Adele Bauer, de Gustav Klimt.
Esses preços refletem a bizarrice do
mercado de arte, mas um Botticelli que parece barato é um grande exemplo do
efeito das patrulhas. Depois de ter pintado maravilhas pagãs, Botticelli foi
influenciado pela patrulhagem moralista do frei Girolamo Savonarola. Chegou a
queimar algumas de suas pinturas e nunca mais foi o mesmo.
Quanto ao frei, foi excomungado, enforcado e queimado em 1498.
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