O Globo
Um fato inédito nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência desde a
redemocratização indica o tamanho da dificuldade que a terceira via terá para
romper a polarização entre Lula e Jair Bolsonaro: é a primeira vez em oito
eleições que o líder e o segundo colocado chegam ao ano da disputa escolhidos
por metade da população no chamado voto espontâneo, aquele em que o
entrevistado diz quem prefere sem ser apresentado a nenhum nome previamente.
Na sua última pesquisa, em dezembro, o
Datafolha aferiu que Lula tem 32% das intenções de voto contra 18% de Bolsonaro
nesse item do questionário. A pergunta espontânea sempre precede a estimulada,
quando o eleitor aponta o seu preferido vendo uma cartela com os nomes dos
candidatos. A soma de 50% dos índices do petista e do presidente está entre 20
e 30 pontos percentuais acima do total alcançado pelos três mais bem colocados
nas corridas ao Planalto de 1989 até hoje. “É um sinal de voto cristalizado de
ambos. Tem que acontecer algo muito forte na opinião pública para o cenário se
alterar”, afirma Mauro Paulino, diretor do Datafolha.
Os dados foram analisados levando em conta sempre a primeira pesquisa do instituto em ano de eleição presidencial e os seus resultados na pergunta espontânea. No Datafolha inaugural da disputa pós-ditadura, Leonel Brizola marcou 9% das intenções de voto; Fernando Collor, 8%; e Lula, 6% (23% somados). Em 1994, antes do início do Plano Real, Lula teve 20%; FH, 7%; e Brizola, 3% (30% somados). Quatro anos depois, FH foi citado por 19% ; Lula, 7%; e Itamar Franco, que sequer concorreu, por 2% (28% somados).
A partir da virada do século, o PT
conseguiu mudar de patamar e passou a liderar todos os levantamentos
espontâneos de início de ano eleitoral. Em fevereiro de 2002, Lula obteve 15%
das intenções de voto; Roseana Sarney, que acabou desistindo, 7%; e Anthony
Garotinho, 5% (27% somados). Quatro anos depois, Lula foi lembrado
espontaneamente por 20% dos eleitores; José Serra, que não concorreu, por 7%; e
Geraldo Alckmin, 3% (30% somados). Em 2010, o eleitor demorou a entender que
Lula não tentaria um terceiro mandato. No mês de fevereiro, o petista e Dilma
Rousseff alcançaram 10%, cada; e José Serra, 8% (28% somados). Na eleição
seguinte, Dilma foi citada espontaneamente por 22% dos eleitores; Lula, 4%; e
Aécio Neves, 3% (29% somados). Há quatro anos, em janeiro, Lula marcou 17%;
Bolsonaro, 10%; e Ciro Gomes, 2% (novamente 29% somados).
“É muito difícil o espontâneo mudar. Quando
alguém ocupa a mente de uma pessoa e é citado sem ser provocado costuma ser
sinal de engajamento. Isso vale para o mercado de consumo, no conceito top of
mind, e na política”, afirma Maurício Moura, dono do instituto Ideia Big Data.
Os últimos números divulgados pelo Ipec da corrida
presidencial indicam um cenário ainda mais consolidado para Lula e Bolsonaro na
espontânea — o petista chega a 40% das intenções de voto contra 20% do
presidente. “A consolidação da intenção de voto este ano está maior, seja por
conta da taxa de conhecimento dos candidatos ou pela própria polarização”,
afirma a diretora do Ipec, Márcia Cavalari. Dono do Ipespe, Antonio Lavareda
enxerga mais um elemento que torna difícil Bolsonaro desidratar nas pesquisas.
“O voto espontâneo do presidente é muito próximo do estimulado (18% e 22%,
respectivamente). Isso torna o quadro ainda menos aberto”.
Na história das eleições desde a
redemocratização, Marina Silva foi a única terceira colocada a conseguir uma
votação acima do patamar espontâneo atual de Bolsonaro — em 2010, teve 19,33%
dos votos e, quatro anos depois, 21,32%. Outros não ultrapassaram a faixa de
18%. Leonel Brizola, em 1989 (16,51%); Enéas Carneiro, em 1994 (7,38%); Ciro
Gomes, em 1998 (10,97%); Anthony Garotinho, em 2002 (17,86%); Heloísa Helena, em
2006 (6,85%); e Ciro, novamente, em 2018 (12,47%). “Historicamente a terceira
via tem dificuldades de se viabilizar no Brasil, e em 2022 não será diferente”,
conclui Felipe Nunes, dono da Quaest.
*Editor de Política do Globo
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