terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Alvaro Gribel: Dívida cai, mas contas são ruins

O Globo

A dívida bruta teve uma forte queda, como mostrou ontem o Banco Central, mas no mercado não há um único economista confortável com as contas públicas. Primeiro, porque a dívida permanece em patamar elevado e voltará a crescer em 2022. Segundo, porque o aumento da inflação ajuda primeiro a arrecadação do governo, o que aconteceu no ano passado, e só depois atinge as despesas, via indexação, o que acontecerá este ano. Terceiro, porque os gastos com juros podem chegar a R$ 700 bilhões, com a alta da Selic, para segurar a própria inflação. Tudo isso se somará a um ano eleitoral com promessas de mais despesas por um presidente que fará de tudo para se reeleger.

É preciso entender que a inflação elevada ajuda em um primeiro momento as contas públicas, mas depois provoca um efeito rebote. De início, a disparada dos preços significa mais dinheiro nos cofres dos governos federal, estadual e municipal. É fácil ver isso, por exemplo, nos preços dos combustíveis. Quanto mais alta a gasolina, maior a arrecadação dos estados com ICMS. E não é à toa que os chamados entes subnacionais fecharam o ano com superávit de R$ 97,7 bilhões (veja o gráfico). A energia elétrica em alta também ajudou, assim como o aumento dos preços das commodities em dólares, como soja e minério de ferro.

Depois, porém, vem o aumento das despesas pela inflação. E um exemplo prático disso, explica o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independe (IFI), é o reajuste do salário mínimo, que será de 10% em 2022. A inflação alta também ajuda a diluir o endividamento sobre o PIB nominal, já que este último aumenta mais — por um efeito estatístico — com a inflação mais alta. Salto explica de forma técnica esse efeito:

— A inflação aumenta as receitas mais do que aumenta as despesas, que estão atreladas à inflação passada, melhorando o primário esperado. Isso reduz a tração da alta do numerador (dívida), ao mesmo tempo em que o denominador (PIB nominal) sobe mais rápido com a inflação.

O aumento das despesas com juros já começou a aparecer nas estatísticas. Apesar de 2021 ter começado com a Selic em 2% e ter tido uma alta gradual para 9,25%, os gastos com juros dispararam de R$ 312 bilhões para R$ 448 bi. Neste ano, essas despesas podem chegar a R$ 700 bi, pelas contas da IFI.

O Ministério da Economia tem comemorado o congelamento dos salários dos servidores públicos, como exemplo de austeridade. A medida, por sua vez, já está caindo por terra, com as promessas eleitorais do presidente Jair Bolsonaro, que tem anunciado aumento de salário até quando não arcará com a conta, como no reajuste de 33% para os professores da rede básica. A dívida caiu, mas as contas continuam ruins.

Pressão no Banco Central

O Banco Central começa a reunião do Copom hoje mais uma vez pressionado. Depois de o IPCA-15 de janeiro ter vindo acima das expectativas, o Boletim Focus mostrou novo aumento das projeções de inflação deste ano (de 5,15% para 5,38%) e também do ano que vem (de 3,4% para 3,5%). O BC já se comprometeu com uma alta de 1,5 ponto na Selic, para 10,75%, mas terá que medir cada palavra do comunicado para conter a piora do humor do mercado.

Vitória dos técnicos

A criação de vagas pelo novo Caged ainda está sendo estudada pelos especialistas em mercado de trabalho. Para se ter uma ideia, 2021 terminou com saldo positivo de 2,7 milhões de vagas com carteira assinada, número maior do que os 2,6 milhões de 2010, quando a economia cresceu 7,5%. Um ponto, porém, já mudou nas apresentações do Ministério do Trabalho e é digno de nota. Os gráficos passaram a mostrar a quebra de série, de 2020 para frente, já que houve mudança de metodologia. Enquanto esteve sob as asas de Paulo Guedes, vinha tudo misturado para ajudar na tese de que a economia estava bombando.

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