terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Luiz Schymura*: Reflexões sobre a recente “década perdida”

Valor Econômico

Perspectivas são positivas em alguns fronts, como fontes limpas de energia, 5G e economia verde

Em 2022 passaremos por mais um ciclo eleitoral. Com o mercado de trabalho bastante deprimido e a inflação elevada, a economia será tema-chave na disputa. Por causa disso, procurar entender o que levou o país a chegar a uma trajetória de desempenho econômico tão frustrante parece um caminho importante e natural.

Ao percorrer essa trilha, começo destacando alguns indicadores da economia brasileira. A recessão de 2014-16, que fez o PIB recuar 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016, marca dramaticamente o fim de um período de cerca de uma década que alimentou a ilusão de que o país poderia manter um ritmo satisfatório de crescimento, em torno de 4% ao ano (a.a.). O momento talvez mais emblemático dessa fase de otimismo foi a célebre capa da revista britânica “The Economist” sobre o Brasil, no fim de 2009, na qual o Cristo Redentor foi transformado num foguete decolando.

Entretanto, ao contrário de outras recessões de mesma intensidade e duração, a crise iniciada em 2015, e que foi aguda até o fim de 2016, não foi sucedida por um período, ainda que breve, de rápido crescimento. Na verdade, o que ocorreu na sequência foram anos de desempenho econômico acanhado, com alta de cerca de 1,4% a.a. do PIB em 2017-2019, até novo mergulho de 3,9% em 2020, ano inicial da pandemia. Para 2021, é estimado que o crescimento tenha sido de cerca de 4,5%, evolução que praticamente apenas repõe a perda sofrida em 2020. E a previsão mais recente da turma do Boletim Macro do FGV Ibre para 2022 é de uma alta de somente 0,6%.

Diante desse quadro desalentador, foram desenvolvidas justificativas que orbitam em torno de duas visões basilares. A primeira reputa a sofrível trajetória da economia brasileira a erros na condução da política econômica. A maioria dos simpatizantes dessa tese considera que o mau desempenho a partir de 2015 deve ser imputado na conta da chamada “Nova Matriz Econômica” (NME). Oficialmente, a NME durou de 2012 a 2014, mas não é incomum que se vá buscar no fim da chamada “era Malocci” (1995-2006) as sementes que gerariam a “década perdida” brasileira recente.

Uma segunda concepção atribui o desanimador caminho da economia brasileira à onda de notícias negativas com as quais teve que conviver ao longo dos últimos anos. Bráulio Borges, meu colega no FGV Ibre, procura levantar em diversos estudos o papel do que a literatura especializada costuma chamar de “bad luck” (“má sorte”) em nosso descompasso econômico. A reversão do choque positivo das commodities seria o exemplo mais notório. Assim, a década iniciada em 2011 teria sido economicamente frustrante devido ao fim do superciclo das commodities, que havia prevalecido entre 1999 e 2011.

Vale lembrar que o “fundo do poço” foi alcançado somente no início de 2016, quando os preços estavam em torno de 60% abaixo do pico alcançado em 2011. A partir de 2017 houve alguma recuperação, especialmente no fim de 2020 e ao longo de 2021. Mas os níveis desses preços ficaram ainda muito aquém daqueles registrados em 2011, ao menos para boa parte das commodities.

No rol dos eventos provenientes da “má sorte”, não se pode deixar também de mencionar a significativa diminuição no volume das chuvas em território nacional - houve redução em 17% da média entre 2012 e 2021 frente à média dos últimos 40 anos. Evidentemente, o impacto foi sentido em diversas atividades. Como resultado da estiagem crônica e da elevada dependência das hidrelétricas, o Brasil vivenciou um choque de oferta desfavorável, relevante e persistente: as tarifas de energia elétrica residencial subiram ao ritmo de 11% ao ano no período 2012-21, comparado a um IPCA médio anual de 6%. O fantasma de um novo racionamento compulsório nos assombrou em vários anos desse período.

Sem dúvida a década passada foi marcada por inúmeras notícias ruins, culminando com a chegada da covid-19, a ponto de a expressão “tempestade perfeita” se tornar corriqueira. Mas, por outro lado, também é fato que as políticas econômicas efetivamente implementadas não se mostraram adequadas para dar conta do momento pelo qual o país passava. Na verdade, há de se reconhecer que, em um país complexo como o Brasil, não é fácil neutralizar uma onda de “má sorte”.

Fica claro, por exemplo, nas pesquisas de opinião com os congressistas realizadas por Cesar Zucco e Timothy Power, em meados da década passada que as dificuldades fiscais do setor público, que já despontavam como um problema grave, não seriam tratadas a contento. Havia um forte posicionamento dos parlamentares favorável ao crescimento das despesas sociais. Afinal, os movimentos de rua de junho de 2013 deram um recado claro e direto à classe política. Nunca é demais lembrar que a população pedia, na verdade exigia, uma ação mais contundente do Estado na promoção de ações que desaguariam em mais gastos.

Não à toa, entre meados da década de 1990 e 2015, a despesa primária federal cresceu em média 6% real ao ano. Frear o processo parecia politicamente impossível. No entanto, os sinais inequívocos de enfraquecimento da economia acabaram forçando medidas de contenção da despesa pública.

Assim, à luz da experiência da recente “década perdida”, o que se pode esperar à frente? Quanto à política econômica, creio que houve muito aprendizado tanto na confecção como no processo de implementação dos programas. Em função disso, hoje estamos mais bem preparados para formular políticas públicas bem estruturadas que estejam mais bem alinhadas às necessidades do país. Quanto à sorte, as perspectivas são positivas em alguns fronts. A energia eólica e a fotoelétrica já vêm demonstrando potencial para aumentarem bastante suas fatias na matriz elétrica brasileira, diversificando nossas fontes de energia e diminuindo, com isso, nossa dependência das hidrelétricas. A tecnologia 5G traz muita eficiência ao processo produtivo, e o agronegócio já comemora a sua chegada. A economia verde também pode trazer boas novas. É possível, portanto, que o vento esteja virando e a onda da “má sorte” fique para trás.

*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre, ex-presidente da Anatel (2002-2004) 

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