O Estado de S. Paulo
O Brasil merece que nessas eleições
possamos tirar o foco das personalidades e mirar na discussão de projetos de
País
Ainda numa trágica e nebulosa travessia
pandêmica, eis que 2022 chega com sua agenda eleitoral decisiva para o País. No
retrato por ora desenhado para a disputa, com seus desafios e oportunidades, os
votos parecem se destinar basicamente a duas alternativas: fazer história ou
repetir a história.
A oportunidade de fazer história significa
ajudar a construir projeto que possibilite um “novo início” para a nossa nação,
fundado na superação do abismo das desigualdades socioeconômicas e ancorado nas
potencialidades das demandas por infraestrutura, da digitalidade, da ampliação
das interfaces econômicas do Brasil com o mundo e do imperativo da economia
verde, inaugurando a era de desenvolvimento sustentável e inclusivo.
A opção por fazer história dialoga com reformas estruturantes (como a tributária e a administrativa) e os investimentos prioritários em educação, saúde e segurança. Passa também por um projeto político que vise ao bem comum e ao interesse coletivo, em ambiente organizado e dinamizado pelos valores humanísticos e democráticos.
Essa escolha pressupõe escrever o roteiro
de uma nova caminhada. Algo que simplesmente não combina com o perverso jogo de
repetir o passado como uma solução (falsa!) para o presente e o futuro.
E o que implica o equívoco de repetir a
história, mesmo diante do risco de tê-la como farsa ou contrafação? Representa,
entre tantos gestos, insistir em estéreis formas de personalismo ou
caudilhismo; reiterar práticas nefastas, como o patrimonialismo e o populismo,
que vestem múltiplas cores; copiar decisões de efeitos perversos e até
trágicos, com o despudor antirrepublicano que, ilusória e precariamente,
sustenta mitos redentores, mas com pés de barro.
Como sabemos, o passado pode ser fonte
inesgotável de inspirações para narrativas que viabilizem os mais diversos
propósitos, inclusive indisfarçáveis manipulações, em todos os polos e vias
políticos. Em vez de ser fonte de lições e aprendizados que ajudem a corrigir
rumos e trajetórias, muitas vezes o tempo pretérito é colocado como alternativa
de um impossível “copia e cola” que responda às angústias da hora com atalhos
mágicos, sempre enganadores e ineficazes.
Ademais, pode-se afirmar que, no ano do
bicentenário de nossa Independência, o Brasil acumula uma caminhada histórica
que serve a tudo, menos para justificar repetições. Sob o peso da herança
colonialista e das chagas do longo período escravagista, o País até hoje não
logrou fazer de suas imensas riquezas uma realidade de prosperidade
verdadeiramente compartilhada. É como se teimássemos em bailar,
vergonhosamente, à beira de um precipício de injustiças sociais e econômicas
cada vez mais profundo.
A questão que o nosso tempo coloca é
entender de onde viemos, onde estamos e para onde queremos e precisamos seguir
como nação. Da recente transição alemã, é possível extrair exemplos de conduta
e agenda paradigmáticos de como a boa política tem o condão de articular
convergências. Pactuando consensos num amplo espectro político, definiu-se um
roteiro sólido para o futuro do País, aumentando a chance de prolongar a boa
governança que Angela Merkel deixou como legado.
Do exterior também se pode perceber um
alerta: o cenário econômico mundial não será favorável nos próximos tempos.
Dessa sorte, se nos conformarmos com o embate superficial e simplista de
distintos personalismos, não só desperdiçaremos a oportunidade de fazer
história, mas também estaremos marchando em direção a um perigoso
despenhadeiro.
“A maior virtude das eleições é que elas
permitem, sob algumas condições, que possamos processar quaisquer conflitos que
surjam em nossa sociedade de maneira livre e relativamente pacífica, evitando a
violência”, considera Adam Przeworski, no instigante livro Por que as eleições importam?.
Sobre a vinculação das eleições com a
democracia, ambas invenções históricas eivadas de limitações e distantes da
perfeição, como qualquer obra humana, porém ainda sem substitutas à altura, o
autor considera que “devemos empreender todos os esforços possíveis para
permitir que as pessoas decidam livremente como e por quem elas desejam ser
governadas e deixar que os governos atuem”.
As próximas eleições brasileiras dialogam
profundamente com questões articuladas no pensamento de Adam Przeworski,
especialmente quanto às conexões entre o voto e a democracia, a paz social, a
liberdade e a possibilidade de mudar os rumos na história.
Recusar o que está incomodando é
necessário, apesar de insuficiente. Assim como manter ou trazer de volta
retratos para o mesmo lugar não deve ser a questão a dominar o debate num
pleito crucial como o que se avizinha.
Qualquer que seja a latitude
político-ideológica, o Brasil merece que nessas eleições possamos tirar o foco
das personalidades e mirar na discussão de projetos de País. Programas que, em
vez de repetir a história, escrevam a história de um novo tempo entre nós. Uma
era na qual finalmente deixemos de ser o “País do futuro” para nos tornarmos,
democraticamente, um país de oportunidades para todos, sobretudo para a nossa
juventude.
*ECONOMISTA, PRESIDENTE EXECUTIVO DA IBÁ,
MEMBRO DO CONSELHO DO TODOS PELA EDUCAÇÃO, FOI GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO (2003-2010/2015-2018)
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